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Bebedeira vira combustível para hits sertanejos; cantores negam mau exemplo

Gusttavo Lima toma cervejinha em show; álcool é tema recorrente no sertanejo - Raphael Castello/AgNews
Gusttavo Lima toma cervejinha em show; álcool é tema recorrente no sertanejo Imagem: Raphael Castello/AgNews

Leonardo Rodrigues*

Do UOL, em São Paulo

13/11/2015 12h44

Ela já foi cantada com humor por Inezita Barroso em "Moda da Pinga". Serviu para Sérgio Reis afogar as mágoas em "Pinga ni Mim". Foi rogada em poesia por Tonico e Tinoco em "Mardita Cachaça". Hoje, tempo em a moda sertaneja deu lugar à universitária, a bebida vem voltando ao papel de protagonista na música popular.

Uma rápida espiadela nas faixas mais tocadas no país revela versos para lá de sugestivos: "De porre muito louco fui parar no hospital", canta Gusttavo Lima em "Não Paro de Beber". "Trabalhar amanhã é o cacete/ Hoje é só farra, pinga e foguete", reforça a dupla Bruno & Barretto na festeira "Farra, Pinga e Foguete". "Sabe que sou viciada e bebo dobrado ouvindo um modão", entoa a dupla feminina Maiara & Maraisa em "10%".

O contexto das letras mudou. Se antes a "cana" era usada como fio condutor em causos e histórias do campo, agora ela bate ponto nas baladas, quer curtição, um dos temas mais caros à nova geração sertaneja, que invade versos, shows e videoclipes.

Assunto sempre espinhoso, a retomada etílica levanta questões. Falar que você saiu para encher é apologia ao alcoolismo? Incentiva jovens a passarem da conta na noite? Ou isso não passa de um discurso moralista, já que bebida e drogas em geral --ilegais ou não-- sempre habitaram o universo do entretenimento e da música popular?

"A mídia tem muito poder. E é um poder subjetivo. Indiretamente, essas músicas afirmam que a bebida é legal, atraente, e que existe um lado bom no ato de beber. Isso acaba incentivando o jovem a aceitá-la", diz ao UOL a psicóloga Marisa Morais, especialista em casos de dependência química. "Mas isso não quer dizer que, a partir de uma música, alguém vai passar a usar mais ou menos bebida. A dependência vem de vários fatores, como o ambiental, o cultural. Sozinho, o álcool não tem esse poder."

A gente procura fazer o que a gente gosta e vive. E a gente gosta de tomar uma. Não tem mau exemplo. Não estamos falando 'peguei meu carro e saí bêbado'. A gente fala 'estou na balada e estou tomando uma'
O cantor Jads, sobre a recorrência do álcool nas letras da dupla Jads & Jadson

Para entender melhor a dobradinha entre álcool e sertanejo, o UOL ouviu alguns de seus personagens, que estão fazendo sucesso dando voz à bebedeira. A maioria deles refuta o mau exemplo. Em comum, todos batem na tecla de que é impossível evitar algo que faz parte do cotidiano do público. E que abdicar desse diálogo significaria suicídio comercial.

Jads, da dupla Jads e Jadson, que lançou as músicas "Ressentimento" e "Noite Fracassada" com referências à bebida

"A gente fala a linguagem da noite. Tenta falar com um público que está vivendo aquilo que a gente está fazendo, que é o show, a balada, a festa. Falamos o que está rolando. Embora a gente seja uma dupla que ainda tenta manter o lado tradicional, do romantismo, a gente sabe que hoje, se for para viver de moda de viola, você morre de fome. Você precisa fazer o lado comercial.

A gente procura fazer o que a gente gosta e vive. E a gente gosta de tomar uma. Não tem mau exemplo. Não estamos falando: 'Peguei meu carro e saí bêbado'. A gente fala: 'Estou na balada e estou tomando uma', com moderação. Não acho que a gente faça apologia. Seríamos hipócritas em falar que ninguém vai à balada e bebe, nem que seja um gole. Vai da consciência de cada um.

Se formos levar para outro lado, no rock, por exemplo, você pode pensar que o povo é todo drogado. E não é assim. A gente sabe que rola alguma coisa, mas não é generalizado."

Bruno, da dupla Bruno & Barretto, que lançou a música “Farra, Pinga e Foguete”

"[A bebida] É um assunto que a gente vive diariamente. A galera sai para beber e se identifica. Por isso que a gente gravou [a música]. No nosso show, tem um momento em que tocamos as modas antigas que o Barretto e eu gostamos. Aí a gente faz 'a hora do boteco'. Colocamos um litro de cachaça em cima de uma mesinha de bar e duas cadeiras. Mas é só para fazer figuração, a gente nem bebe no palco.

Mas todo mundo gosta de tomar uma, né? (risos) Os músicos, hoje em dia, de qualquer tipo de sertanejo, quando não estão cantando romântico estão falando de festa, coisas voltadas para a galera que sai se divertir. Acho que não influencia nada."

Barretto

"A gente estava até conversando com os compositores de “Farra, Pinga e Foguete”, quando eles foram na gravação do nosso DVD. A gente tinha feito uma música romântica e essa, mas não vimos futuro nela. A gente apostava na romântica. Achava 'Farra' uma porcaria, mas a galera abraçou mesmo. Ela caiu no gosto da moçada. Fala de festa, farra. A galera se identifica muito.

Acho que uma minoria pode interpretar mal. Mas hoje a galera quer mesmo é saber de se divertir, de tomar uma cervejinha. O sertanejo tem muito a ver com o álcool. A galera gosta de tomar uma. O cara do sertão, da roça, gosta de tomar a pinguinha dele. A diferença é que hoje não se fala muito a palavra 'pinga'. Todo mundo fala em farra, festa. Mas tem bastante música de cachaça. É normal."

Maraisa, da dupla Maiara & Maraisa, que lançou "Turma do AA" e "10%"

"Fizemos '10%' pensando em agradar tanto ao homem quanto à mulher. E também à pessoa que vai ao boteco, que bebe lá apaixonado e, na hora de pagar a conta, é daquele jeito (risos). É uma realidade que a gente vive aqui nos botecos de Goiânia, estamos falando do cotidiano. A gente tenta fazer o que o povo quer ouvir.

O sertanejo preza muito isso [falar sobre bebida], desde a moda [de viola], parece que uma coisa está ligada à outra. Quando você ouve um 'modão', você toma uma. E hoje o que mais o povo faz é beber. Então, não dá para fugir da realidade. Eu mesma não bebo. Mas o mercado é isso, né? É um mau exemplo? É. Mas é a realidade.

São coisas que a gente canta, mas não apoia. Para falar a verdade com você, no meu íntimo, se eu pudesse escolher entre cantar 'Os Anjos Cantam' e '10%', eu escolheria 'Os Anjos Cantam'."

Gusttavo Lima, que lançou músicas como "Se É pra Beber, Eu Bebo" e "Não Paro de Beber"

"Eu não acho que falar sobre beber influencia alguma coisa. Se você não quiser beber nada, você não vai beber nada. 'Não Paro de Beber' é uma música diferente, divertida. Quisemos fazer algo mais para cima mesmo, mais verão. É sobre diversão. No clipe, inclusive, a gente fala sobre beber e não dirigi. Então é como se fosse: 'se beber não dirija, mas me chama'. (risos)"

* Com colaboração de Felipe Abílio