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Elza Soares rouba a cena na estreia do pai de Amy Winehouse no Brasil

Alexandre de Santi

Colaboração para o UOL

16/11/2015 09h15

Um microfone aberto atrás das cortinas do Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre, denunciava que a estreia da turnê brasileira de Mitch Winehouse começaria tropeçando. Enquanto o relógio já marcava 20h de domingo (15), a hora marcada para o espetáculo, os músicos discutiam detalhes da apresentação, ouvidos na plateia por descuido da produção. As cadeiras do teatro ainda estavam vazias.

Quinze minutos depois, as cortinas se abriram, e o pai de Amy Winehouse surgiu elegante, todo de preto. Parte dos assentos foram tomados de última hora – a produção informou que 70% dos ingressos foram vendidos. Nos primeiros compassos de “Baby Don´t You Cry”, Mitch mostrou uma voz grave e afinada, bem ao estilo dos crooners dos anos 50. A competente banda de 11 membros, todos brasileiros, chamava a atenção. E parte do público aguardava a aparição de Elza Soares, a diva do samba, escalada para cantar algumas músicas de Amy ao longo do show.

Aos poucos, a má impressão dos primeiros minutos foi dando lugar a uma competente e cuidadosa apresentação. A desconfiança inicial não era gratuita: desde que anunciou a turnê brasileira, Mitch vem sendo criticado por se apoiar na fama da filha, morta em 2011, para relançar sua carreira de crooner, que precedeu seu passado profissional como taxista.

Além disso, o pai de Amy se envolveu em outras polêmicas. Lançou um livro póstumo com memórias sobre a filha, que viveu 27 anos em meio a notórios problemas com álcool e drogas, e foi retratado como uma espécie de vilão do documentário “Amy”.

No filme, lançado em meados de 2015 e selecionado para o último Festival de Cannes, Mitch aparece como um pai mais interessado em turbinar o sucesso da filha do que em tratar seus problemas emocionais –ele, no entanto, vem criticando a obra, que, em sua opinião, teria se apoiado em uma edição tendenciosa para mostrar o lado descuidado do pai. Em resumo, Mitch vem sendo classificado como um oportunista.

Mas a produção chegou ao Brasil neste domingo cercada de cuidados para desfazer a imagem negativa do cantor. O giro pelo país, que ainda vai passar por São Paulo, Rio de Janeiro e Natal, tem o objetivo de arrecadar fundos para a Amy Winehouse Foundation. A entidade, criada logo após a morte da cantora, vai destinar parte das vendas dos discos de Mitch para ajudar jovens em situação de vulnerabilidade social. Na quinta-feira, a fundação deve fazer uma doação para o grupo AfroReggae. “Queremos trabalhar por muitos anos no Brasil”, disse Mitch durante o show.

Grande parte dos esforços se concentraram na música –e com sucesso. A banda recrutada pela Asterium Produções, que cuida da carreira de Elza Soares, juntou 11 músicos tarimbados. Entre eles, o percussionista Anselmo Netto, brasileiro radicado em Londres, uma atração a parte na banda. Mitch desembarcou no Brasil na segunda-feira passada e iniciou os ensaios na terça.

Apesar do pouco tempo, o conjunto deu sinais de que suou a camisa para mostrar um bom entrosamento em Porto Alegre. Na segunda canção, “Wave”, de Tom Jobim, Mitch mostrou graves poderosos na voz. Ensaiou passos de samba, mas, no meio da música, simulou uma lesão na perna e disse: “Estou muito velho para dançar. Se você quiser me ver dançar, terá que pagar mais dinheiro”. A bossa nova é o tema do seu terceiro disco, “Bela Brasil”, ainda inédito. Nos álbuns anteriores, Mitch transitou entre clássicos do jazz e do soul, músicas que também fazem parte da turnê no Brasil, embora a bossa nova seja a inspiração de quase todos os arranjos montados pela banda.

Antes da terceira música, o standard “The Nearness Of You”, Mitch falou brevemente sobre a filha, com a ajuda de uma intérprete: “Essa foi a primeira música que a minha filha Amy trouxe para casa em um CD. Ela amava essa canção, e eu também”. Por vezes, Mitch ainda parece um novato no palco. Em “Amor em Paz”, outra de Jobim (que Mitch insiste em pronunciar como se fosse “iobim”), o crooner riu de algo que aconteceu no backstage, perdeu a letra e caiu em gargalhada no meio da música.

Em seguida, colocou a intérprete no palco e cortejou a bela morena com os versos de “I'm a Fool to Want You”. Após o flerte, Mitch explicou o papel da fundação e falou de algumas ações da entidade. “Mesmo ela não estando aqui, seu legado continua atingindo muitas pessoas”, disse, sobre a filha e o alcance da instituição.

Elza Soares subiu no palco na décima música, quando a banda e Mitch já estavam totalmente relaxados e entrosados. Produzida, mas com dificuldades para caminhar, a cantora sentou numa poltrona e elogiou o anfitrião: “Muito simpático e fácil de lidar”. A dupla começou a cantar “Meditação”, mais uma de Jobim, mas Elza parecia tímida. Ainda assim, o público aplaudiu de pé. Elza começou a cantar “Insensatez” sozinha, mesmo que às vezes lhe tenha faltado a letra e a voz. “Banda sacana, cara. Muito boa”, elogiou Elza.

Depois, veio o momento mais aguardado da noite: canções do repertório de Amy. Na primeira, “Back to Black”, Elza arrepiou e deixou os primeiros versos para o excelente trio de backing vocals. A diva nacional, no entanto, entrou sozinha no refrão e mostrou a voz poderosa que lhe fez famosa. Aplaudida de pé novamente, Elza suspirou de alívio antes da próxima música. “Ah, passamos. Ainda falta outra”, disse, como se estivesse diante de um enorme desafio.

Em “Rehab”, a banda veio com arranjo dançante, idêntico ao original, e levantou parte da plateia. Mais à vontade, Elza dominou a canção. No fim, mostrou desconforto com a empreitada. “Graças a Deus. Cantar coisas da Amy é muito forte”. Uma fã na plateia tentou incentivar: “Tu é foda!”. Elza respondeu com sinceridade: “Sei que sou foda, mas às vezes escapa”.

Mitch e Elza ainda fizeram mais três duetos: “Garota de Ipanema”, “Corcovado” e “Água de Beber”. Mitch deixou claro que não haveria um bis (deu a entender que as dificuldades de locomoção de Elza tornariam a volta ao palco complicada), mas, ao final do repertório, o público já estava tão empolgado que pediu mais. E foi atendido. Um repeteco de “Água de Beber” finalizou a noite, quando Mitch já havia convencido a plateia que o projeto, ao menos musicalmente, está no caminho certo. Depois de Porto Alegre, a turnê passa por São Paulo (16), Rio de Janeiro (18) e Natal (20).