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Vanusa fala de depressão após meme e diz que cantaria hino "puta da vida"

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

17/11/2015 20h47

Depois do que aconteceu em 2009, durante uma interpretação atrapalhada, Vanusa agora espera nunca mais cantar o hino nacional. "Mas se eu cantasse, eu ia cantar muito puta da vida", diz. Não pelo fato ocorrido há seis anos, mas pelas questões sociais que envolvem o país atualmente. Para ela, a violência e o machismo estão apequenando o Brasil, que deveria ser, em suas palavras, "mais risonho e límpido".

"As mulheres estão tentando se separar e os homens estão tentando matá-las. Eles continuam achando que nós somos objetos, que somos propriedade deles", afirma a cantora, que tem festejado as manifestações de mulheres contra a PL 5069, cuja agenda, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, inclui pautas conservadoras e é contra o aborto.

Aos 68 anos, a cantora diz que é feminista desde quando não sabia o significado da palavra --aos 21 anos, revidou as agressões que recebia do próprio pai. "Foi a minha maneira de começar a enfrentar o machismo. Nos casamentos, tive essa coisa do ciúme, eu viajava com minha banda e meus maridos ficavam loucos".

Após um tratamento extensivo contra a depressão e o vício em remédios, que se estendeu até o ano passado, Vanusa quer leveza em sua nova fase. A convite de Zeca Baleiro, ela voltou aos estúdios após 20 anos para gravar "Vanusa Santos Flores". O novo trabalho resgata composições dela nunca lançadas, como "Tapete da Sala", e versões para "Esperando Aviões", de Vander Lee, e "Compasso", de Angela Ro Ro.

O novo álbum tem sido saudado pelos fãs fiéis da época da Jovem Guarda e acompanhado por uma nova geração, descoberta após a desastrosa interpretação do hino se tornar um dos primeiros memes na internet. "Muito jovem deu risada, mas passou a querer saber: 'O que é que ela canta?'".

UOL - Você ficou 20 anos longe dos estúdios. Como esteve sua vida nessas duas décadas?
Vanusa - Depois do hino nacional, eu tive uma depressão muito forte. Pensei em parar de cantar, não queria que ninguém me visse, não queria ver ninguém. Fui para uma clínica, passei seis meses lá e foi a melhor coisa que eu fiz. Eu trabalhei todo esse tempo me doando, correndo, fazendo TV, rádio. Deus me deu um empurrão e disse: 'Vanusa, você precisa se cuidar'. Foi um mergulho dentro de mim mesma. Eu fazia terapia todos os dias, convivi com pessoas com outros vícios, muito piores do que remédios para dormir. Eu tomava muito remédio para dormir, tomava comprimido para depressão e, se tomasse um golinho de uísque, já ficava bêbada. As minhas falhas de memória foram um alarme. Saí de lá nova, feliz.

Como foi que o Zeca Baleiro entrou com você nesse projeto? E como foi voltar a gravar?
A felicidade maior foi receber o telefonema do Zeca na clínica, ele foi o único a me ligar. Até que um dia ele disse: 'Vou te deixar um convite para você pensar. Quando você sair eu queria fazer um CD'. Eu respondi que não tinha nem o que pensar. O Zeca é uma pessoa fantástica, ele teve muita calma comigo no estúdio. Fomos escolhendo as músicas, eu sugeri outras. Por exemplo, "Tapete da Sala", uma música minha com Luiz Vagner e Antônio Luiz, eu guardei por sete anos.

Hoje há muitos jovens redescobrindo sua discografia. Muitos te conheceram a partir do meme com o hino nacional.
Você sabe que o incidente do hino foi o primeiro viral da internet? Eu tive 2 milhões de acessos. Na época, foi terrível. Muitos jovens deram risada, mas passaram a querer saber: 'O que é que ela canta?'. Eu tenho uma fã de 15 anos que criou uma página no Instagram, '50 Tons de Vanusa'. Ela posta fotos que eu nunca mais tinha visto.

Esse episódio de 2009 agravou a depressão?
Eu não queria mais cantar. Conversando com meu terapeuta, descobri que o que me machucou foi por ser muito perfeccionista. Sou virginiana. Eu não me perdoava por aquilo ter acontecido.

Você foi uma diva da Jovem Guarda, com apelo pop e sensual. Hoje, uma nova geração de cantoras, como Anitta, parecem ter esse mesmo apelo. Você acompanha essa cena?
Tenho uma amiga jornalista que diz que poderosa sou eu (risos). Eu sinto falta de boas cantoras, com boas músicas, boas letras. Para dizer a verdade, não curto muito esse tipo de música. Na minha época, não precisei nem de bunda, nem de peito para fazer sucesso, até porque eu não tenho (risos). Mas respeito. É um momento.

Há canções fortes de amor e traição em seu novo disco, um tema muito caro em sua discografia.
Casei oito vezes, querido. Hoje em dia as pessoas têm casinhos. Nunca fui disso, então casava e quebrava a cara. Eu devia ter ficado nos dois primeiros casamentos, com Antônio Marcos e com Augusto César Vanucci. O resto foi meia boca, só me deu problema (risos). Hoje, para eu arrumar um namorado, ele precisa sapatear muito bem.

Você escreveu uma espécie de biografia, "Vanusa - Ninguém é Mulher Impunemente" há mais de dez anos. Seu livro tinha um tom bem feminista, você relata até as agressões que sofreu no casamento.
Eu fui uma das primeiras compositoras a fazer música para as mulheres, "Mudanças", no momento em que me separei de Antônio Marcos. Eu sempre tive dois tipos de fãs: as mulheres e os gays.

E que são duas fatias da sociedade que estão sempre na rua reclamando de pautas conservadoras no congresso. As mulheres têm cada vez mais denunciado os abusos e o machismo. Você tem acompanhado esse movimento?
Eu tenho acompanhado. As mulheres têm ido para delegacias, mas a lei como está aí não nos serve, não nos representa. Não tem ninguém para fazer alguma coisa na hora que os homens pulam o muro à noite para matar a mulher. As mulheres estão tentando se separar e eles estão tentando matá-las. Os homens continuam achando que nós somos objetos, que somos propriedade dele. Quando o Vanucci pediu para eu parar de cantar, eu disse: 'Posso até parar, mas antes termino com você'. E terminei.

Você se considera feminista?
Sempre me considerei feminista, até quando não sabia o que isso queria dizer. Eu apanhei muito do meu pai. Minha mãe e minha irmã eram cordatas. Eu, não. Eu tinha 16 anos quando meu pai me deu uma surra. Eu estava caída no chão, mas olhei para ele e disse: 'No dia que eu fizer 21 anos e o senhor vier me bater, eu vou revidar'. Com 21 anos e 19 dias ele veio me bater. Eu já tinha aprendido a lutar caratê e jiu-jítsu. Eu dava com os dois pés no peito dele e ele caía. Aí ele disse: 'Noemia [mãe de Vanusa], arruma minha mala que eu vou embora'. Eu disse que ela não era mais empregada dele. Ele fez a própria mala e foi embora. Foi a minha maneira de começar a enfrentar o machismo. Nos casamentos, tinha essa coisa do ciúme, eu viajava com minha banda e meus maridos ficavam loucos.

O Brasil passa por uma questão política muito forte também. Você saiu às ruas? Ficou com vontade?
Acho que o povo brasileiro está muito tímido ainda. Precisa mudar os governantes e o povo ainda não está confiante para fazer essa mudança. O que me preocupa mais é a violência. O Brasil precisa de uma reforma desde lá debaixo, na polícia, e depois passar para os políticos. É difícil de acontecer, mas eu torço muito.

Com assuntos como machismo e violência tão presentes, hoje você sentiria o mesmo orgulho ao cantar o hino nacional?
Não. Se eu cantasse, eu ia cantar muito puta da vida. Muito puta. Desculpa falar isso. O Brasil não está fazendo jus ao hino nacional. O hino, aliás, está tão velho, podia botar outra letra, está super defasada. Não é um 'gigante pela própria natureza', é um gigante que está morrendo. O Brasil precisava ser mais risonho e límpido.