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Com carreira e agenda de shows, músicos de rua ainda preferem as calçadas

Os cariocas do Beach Combers: "Vendemos mais discos na rua do que em outro lugar" - Reprodução
Os cariocas do Beach Combers: "Vendemos mais discos na rua do que em outro lugar" Imagem: Reprodução

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

26/11/2015 06h00

Com seis anos de existência, a banda carioca Beach Combers já goza de certo reconhecimento e uma agenda consolidada de shows, inclusive na Europa. Mas o grupo ainda guarda um costume da época menos próspera da carreira. Pelo menos uma vez por semana, eles montam seus instrumentos em algum lugar movimentado do Rio de Janeiro e tocam um punhado de músicas instrumentais no estilo surf music.

"Todo mundo está passando para lá e para cá. É uma conquista, você tem que conseguir fazê-los parar. Sem palco e iluminação, tocamos mais livres", diz o guitarrista Bernar Gomma.

O Beach Combers é só um exemplo da cena musical em espaços públicos no Brasil, que tem ganhado cada vez mais personalidade e adeptos. "[A rua no Brasil] É um dos lugares mais pulsantes do mundo. Eu compararia com o que eu vi em Berlim e em Londres. A galera está séria no lance, vivendo disso, não é uma panaceia, não", diz Rodrigo Pinto, diretor de programas para TV.

Rodrigo mapeou 40 bandas em dez países para a série "Sons Urbanos", codirigido pela alemã Elisa Kriezis e exibido toda terça-feira, às 19h30, no canal Bis. As atrações vão desde um árabe que canta "Billie Jean", de Michael Jackson, no centro de Paris a um grupo de rock britânico que roda por Londres com os instrumentos em um táxi preto, pronto para tocar no lugar mais movimentado que encontrar.

Em uma época em que as redes sociais se tornaram a plataforma mais democrática e barata para se lançar, esses músicos se unem por um som mais cru e espontâneo, e um público diversificado. "Talvez a internet esteja muito poluída", observa Rodrigo.

A proposta da série é justamente captar essa atmosfera marginalizada. "Na casa noturna, o cara senta lá, está confinado naquele espaço. Imagina a quantidade de dispersão que existe na rua?", diz o diretor. A mudança também é estética. O amplificador de guitarra às vezes não funciona e o bumbo da bateria não segura toda a potência necessária. "Cada música feita na rua tem uma relação com aquele ambiente".

"Sons Urbanos" viaja o mundo atrás de músicos de rua

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Esse boom da música de rua no Brasil não é novo, mas já enfrentou muita represália. Em 2010, durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) em São Paulo, artistas de rua chegaram a ser detidos, devido a uma série restrições e proibições no espaço público da capital paulista, como a de gritos em feiras livres.

Em 2014, uma nova regulamentação deixou os músicos livres dessa repressão. Ações semelhantes aconteceram em outras regiões, como em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Hoje, os principais pontos turísticos desses lugares têm um solo de guitarra, de sax ou violino ao fundo.

Bem longe do Brasil, a polícia também chegou a prejudicar gravações da série. Na Grécia, por exemplo, quis acabar com uma sessão de um grupo local. "Era uma banda de oito homens que cantavam música tradicional deles sobre haxixe, álcool e amor. Uma espécie de blues grego", conta Rodrigo. A polícia liberou a apresentação por apenas 20 minutos. Quando voltaram, já havia uma plateia de cem pessoas, o que inibiu a ação policial.

O público, sempre heterogêneo, é quem mais ajuda os artistas. Bernar, do Beach Combers, conta que vende muito mais CDs de sua banda na rua do que nas banquinhas dos shows em casas fechadas. Os londrinos do The Thirst revelaram na série que ganham 600 libras por dia. "Isso é surpreendente, contradiz algumas crenças da própria indústria", observa Rodrigo.

Em São Paulo, ao gravar a apresentação do Mustache & os Apaches na São Bento, região central de São Paulo, um carro da polícia chegou a encostar, cheio de perguntas: 'Que banda é essa? O que aquela equipe de filmagens está fazendo ali?'. Na ocasião, Rodrigo imaginou que seria mais uma gravação perdida, mas o policial só lamentou. "Tem uma manifestação acontecendo aqui do lado, senão eu ficava para assistir".