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Tolerante, livre e diverso: bandas traçam perfil do novo rock brasileiro

Boogarins, Scalene e Far From Alaska: representantes da nova leva do rock nacional - Francisco Cepeda/AGNews/Divulgação/Adriano Vizoni/Folhapress
Boogarins, Scalene e Far From Alaska: representantes da nova leva do rock nacional Imagem: Francisco Cepeda/AGNews/Divulgação/Adriano Vizoni/Folhapress

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

22/12/2015 18h24

Lançado há 50 anos, completados neste mês de dezembro, o álbum "My Generation", do The Who, celebrou em sua clássica http://uol.fm/bqc72Pfaixa-título uma nova geração. Cristalizada na subcultura mod e, principalmente, em versos como "I hope I die before I get old" ("prefiro morrer antes de ficar velho"), ela era jovem, inquieta e se autodeclarava sabotada e incompreendida.

Em 2015, o retrato do rock mudou em quase tudo. Ele já não está mais no mainstream, principalmente no Brasil, é representado por inúmeros estilos sonoros, do psicodélico ao stoner, e já não preconiza tanto a urgência nas letras, ao menos da mesma maneira.

Em geral, o interesse das bandas parece estar centrado em temas como a tolerância, a liberdade e a pluralidade. A política, que tanto movimenta os debates contemporâneos, também está presente nos discursos, embora apareça em matizes e frequência divergentes, como em outros tempos.

Para entender melhor quem são, como pensam e que valores perpetuam os representantes da nova geração, o UOL conversou com cinco bandas representativas do novo rock brasileiro, que tiveram destaque em 2015.

A escolha não é definitiva, mas o que eles dizem pode ajudar a traçar tendências e definir para onde vai um gênero que já reinou absoluto e hoje está praticamente restrito ao underground.

Benke Ferraz, guitarrista da banda goiana Boogarins

Valores: "Acho que passamos algo totalmente reflexivo. E a gente tenta passar algo que consigamos tocar para o resto da vida. Não é um tipo de discurso que, quando eu tiver 60 anos, vai soar ridículo. Falamos do que a gente vive, de como a gente enxerga as coisas. É mais sobre o respeito à liberdade de vida. Não estamos pregando nada de forma engajada. Mas acho que nosso discurso ainda pode ser melhor assimilado. Às vezes ainda tem esta conversa de que somos apenas uma banda que toca mais fora do que no Brasil. E de que nos parecemos o Tame Impala."

Futuro do rock: "Não sei se o rock vai voltar. Mas, para a galera como a gente, que tocava no circuito independente, o rock mainstream não significava nada. Era um som que não dizia respeito ao que estávamos vivendo. Não sei se o tipo de música que eu gosto de escutar vai ser realmente popular um dia. Mas o público está aumentando. Você vê um festival como o Lollapalooza, que traz artistas que iriam tocar para mil, duas mil pessoas, tocando para 50 mil, todos cantando as letras. Isso acontece até mesmo num Rock in Rio."

Tomas Bertoni, guitarrista do grupo brasiliense Scalene

Valores: "Nossos dois discos têm conceitos bem trabalhados. Nesse turbilhão de mídias sociais, de todo mundo querer aparecer, estamos precisando muito de tolerância, calma, reflexão. No nosso disco "Éter", falamos muito de transcendência, de reflexão. A gente fica feliz que as pessoas estejam entendendo isso. Não somos banda de muitas letras políticas, mas há algumas. A política e o nosso país certamente entram para as coisas que a gente se importa muito."

Futuro do rock: "Essa geração não vai precisar nem de 10 anos para ver o rock voltar. Está bem encaminhado. De qualquer forma, não dá para comparar com o sertanejo e os outros ritmos populares. A gente nunca vai chegar àquele nível, de fazer show ganhando R$ 500 mil. Com certeza esta geração atual vai conseguir chegar e se sustentar no mainstream, ou algo perto disso. É a primeira geração que já apareceu totalmente imersa na internet, que sabe trabalhar em cima da tecnologia e das novas mídias, que são bem mais democráticas."

Cris Botarelli, tecladista e vocalista da banda potiguar Far From Alaska

Valores: "É muito o lance de você fazer o que tem vontade, sem nenhuma amarra ou pretensão de ser reconhecido. A gente é bem simples nesse aspecto. Só queremos fazer o que estamos fazendo. E ter sempre liberdade de fazer. No nosso meio, a gente procura estimular para que todos façam da mesma forma. Porque é a música que muda a cultura e a sociedade, não o contrário. Acho que o momento para essa geração é agora. As pessoas estão finalmente entendendo como usar todas as novas ferramentas para divulgar o seu som."

Futuro do rock: "É muito difícil prever. Há alguns anos, ninguém previa que o sertanejo estaria como está agora. Não foi um movimento programado. Mas, pelo que a gente sente indo a festivais e tocando em shows pelo Brasil, aparentemente o rock está voltando com força, sim. As pessoas estão cada vez mais com vontade de ter bandas de rock na mídia, inclusive para tocar no rádio e tudo mais. O importante é tentar sempre quebrar barreiras. Não apenas se encaixar no que está rolando."

Leonardo Ramos, vocalista do grupo capixaba Supercombo

Valores: "No geral, tentamos passar a mensagem de aproveitar o momento mesmo com todas as dificuldades. De lutar contra seu próprio ego, naquelas batalhas internas que todo mundo tem. Temos ao mesmo tempo um lado feliz e sombrio nas músicas. É isso que a galera entende. Nossas letras, apesar de abordarem temas profundos e questões da vida, são escritas de maneira leve. A gente, digamos assim, não se leva tão a sério."

Futuro do rock: "O rock pode voltar a ser o que era. Tudo pode ser cíclico. Porém, acho que esse momento se deu por causa dos próprios roqueiros, que, de tempos para cá, em vez de se unirem, ficaram um criticando o outro e criando intrigas. Isso gerou brigas e fez com que o rock, que já não é um estilo brasileiro, se distanciasse das pessoas. Os sertanejos são muito unidos. Uma dupla promove a outra. Todos eles tocam músicas de todos. É muito fácil eles se erguerem nesse mainstream gigantesco deles."

Tim Bernardes, guitarrista e vocalista da banda paulista O Terno

Valores: "Acho que o Terno tem uma característica de ser menos centrado no 'life style', no sexo, drogas e rock'n'roll, e mais focado na música. Compor, tocar e gravar do jeito mais legal possível. O barato que move a gente é conseguir sempre experimentar. E dar uma pirada dentro da estrutura da canção hoje em dia. É mais no sentido musical do que no que quebrar a guitarra."

Futuro do rock: "Hoje, com a internet crescendo, não sei se dá para dizer que as músicas mais tocadas em 2015 são mesmo as de sertanejo e funk. Porque as paradas de sucesso não chegam a contemplar, por exemplo, quantos discos foram baixados e quantos 'plays' foram dados no Soundcloud. Não sei se algo que a gente possa chamar de rock vai voltar um dia ao rádio ou à TV. Talvez ele volte a ser gênero muito popular sem necessariamente passar por ali."