Fechado, mambembe e persistente: metal nacional terá origem contada em doc
Durante os solos de "Soldiers of Sunrise”, do Viper, o vocalista Andre Matos leva ao palco uma improvisada e mambembe tocha feita de um cabo de vassoura e um lençol encharcado de querosene. Algo, claro, dá errado: após um chumaço ir ao chão e ser violentamente chutado por um roadie, as cortinas do teatro do tradicional Colégio Rio Branco, em São Paulo, começam a ser tomadas pelas chamas, paralisando a apresentação.
Esse pitoresco episódio, que marcou a história e o show de lançamento do primeiro álbum da banda paulistana, é uma das muitos "causos" que serão revividos no documentário “Brasil Heavy Metal”, dirigido por Ricardo Michaelis, o "Micka", fundador e ex-guitarrista da banda Santuário. Trata-se da primeira produção a mergulhar profundamente no gênero no país.
Atualmente em fase de finalização, que será financiada via crownfunding, o filme trará 80 entrevistas com músicos, jornalistas, produtores, lojistas, fãs e quem mais tiver participado da gênese do rock pesado nacional no início dos anos 1980. Tempos de crise econômica e inflação galopante, quando a falta de dinheiro e infraestrutura só não era maior que a vontade de fazer a cena acontecer.
As participações que vão de Igor Cavalera, passam pelo empresário Roberto Medina, criador do Rock in Rio, e chegam até o mutante e "guitar hero" Sérgio Dias se misturam a uma trama estrelada por dois amigos adolescentes que, na época da efervescência do gênero, descobrem e aos poucos se apaixonam pelo heavy metal. Uma história familiar a seus muitos precursores.
“A gente queria documentar todos os personagens envolvidos naquele momento embrionário, quando ainda não havia muita vontade e nenhum profissionalismo, e que não fossem só músicos", diz ao UOL Ricardo Michaelis, que teve a ideia para o filme ainda 2008, após perceber a carência de registros da romântica época em que se tornou músico.
Falta de investimento
A partir daí, foram quase sete anos de idas e vindas no projeto, encabeçado por sua produtora Idea House, que esbarrou na logística, na mudança de formato —inicialmente haveria apenas entrevistas e cenas de arquivo— e na falta de patrocínio.
“Muita coisa melhorou desde aquela época, mas ainda não existe investimento para o metal. O dinheiro e toda e infraestrutura para o filme vieram do nosso bolso. Fomos fazendo ao nosso tempo, sem correr para entregar numa data específica. Só tínhamos que dar satisfação ao fã”, conta o músico, que também produziu por conta própria uma trilha sonora inédita com a participação de Salário Mínimo, Chakal e Korzus, entre outros.
Entre as histórias pinçadas para os cem minutos de documentário, Michaelis destaca três. Além do infame episódio envolvendo o Viper, ele contará os bastidores dos primeiros shows do Sepultura em clubes de Belo Horizonte, ao lado do Overdose, e o dia em que os punks invadiram um festival de metal com as bandas Harppia, Santuário e Avenger no ABC paulista, em um dos clássicos conflitos entre fãs de Iron Maiden e Sex Pistols.
“Acho que o grande barato do filme, além de mostrar a precariedade do início e servir como registro histórico, é contar que não existiam barreiras para o metal nacional", diz Micka. "Em 1983, no momento que uma banda do sul estava fazendo metal, uma de Fortaleza também estava fazendo. A diferença é que era tudo fechado, os caras não sabiam disso. E foram os fanzines que fizeram essa conexão, espalhando a notícia pelo correio.”
A escolha dos entrevistados, conta ele, não foi xiita. Há espaço, por exemplo, para João Gordo, do Ratos de Porão, conhecido pela fusão de hardcore e metal, e para o ex-titã Charles Gavin. Mas, por precaução, alguns depoimentos tiveram de ser limados.
“Ainda não finalizamos, mas o Roger, do Ultraje, esteve envolvido. Ele foi importante. Produziu discos do Korzus. Também falamos com o Paulo Ricardo, que era jornalista antes de ser músico, e fez entrevistas com o Iron Maiden no início da carreira”, revela o diretor, que prefere o discurso da união.
“O pessoal do metal é muito criterioso em termos de não aceitar qualquer figura que não seja ligada à história e está cada vez mais fechado. Com tantos subgêneros sendo criados, o cara fica cada vez mais radical dentro do próprio metal. Infelizmente. Mas, para mim, rock pesado é rock pesado e pronto."
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