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Ponto alto da novela, trilha de "Velho Chico" resgata "velharias" da MPB

Mural que aparece na abertura de "Velho Chico", ao som de "Tropicália" - Divulgação/TV Globo
Mural que aparece na abertura de "Velho Chico", ao som de "Tropicália" Imagem: Divulgação/TV Globo

Guilherme Bryan

Colaboração para o UOL

22/04/2016 07h00

À parte as discussões sobre o cabelo ou a cor do colete do coronel Afrânio em "Velho Chico", qualquer pessoa que tenha assistido a algum capítulo da nova novela das nove da Globo deve ter notado que a trilha sonora é um dos pontos altos da produção, misturando canções clássicas da MPB dos anos 60 e 70 com uma trilha incidental que remete aos trabalhos no cinema de Nino Rota e Ennio Morricone. 

Uma das músicas mais escutadas até agora, além, claro, do tema de abertura "Tropicália", na voz de Caetano Veloso, é "Senhor, Cidadão", canção original de 1972 na gravação de seu compositor Tom Zé, um nome, aliás, muito pouco presente em trilhas de novelas.

"Minha cunhada me escreveu longamente se referindo com entusiasmo a respeito da canção na novela. Chegou a afirmar que a TV Globo voltou a habitar o top da eficiência e qualidade dramatúrgica com a novela e que a música foi colocada em momentos dramaticamente intensos, nos quais a letra se encaixa com precisão", comemora o artista que também tem "Dor e Dor" e "Um Oh! E um Ah!", na segunda fase da novela.

Se Tom Zé não é nada frequente em trilhas de novelas, o mesmo acontece com Ná Ozetti, com "A Olhos Nus", Geraldo Vandré, que aparece com "Réquiem para Matraga", tema de Belmiro, interpretado por Chico Díaz na primeira fase, e José Miguel Wisnik, que musicou o poema "Mortal Loucura", de Gregório de Mattos, interpretado por Maria Bethania para o tema do casal principal da trama.

Mas os baianos --como Xangai e Elomar, com "Incelença do Amor Retirante", música original de 1989-- não são os únicos ícones nordestinos presentes na trama com músicas originais das décadas de 1960, 70 e 80. Há também Ednardo (aquele que fez grande sucesso com "Pavão Mysteriozo", música da primeira versão de "Saramandaia"), com "Enquanto Engoma a Calça"; Fagner, com "Corda de Aço"; e Amelinha, que tem "Gemedeira".

O casamento perfeito entre música e imagem se deve ao trabalho conjunto do produtor musical Tim Rescala e do diretor Luiz Fernando Carvalho.

"A opção por uma trilha mais temática foi uma opção do [diretor] Luiz Fernando, com meu total apoio. O resultado nos parece muito bom, pois a novela dá oportunidade ao público de conhecer novos compositores ou rever outros já consagrados, mas pouco ouvidos atualmente”, esclarece Tim Rescala, produtor-musical da novela.

Nem só de músicas tão antigas se faz a trilha de "Velho Chico". Entre as novidades, estão "Da Aurora até o Luar", com Marisa Monte e Dadi, tema de Maria Tereza, interpretada na segunda fase por Camila Pitanga; "L’Étranger (Forasteiro)", com Thiago Pethit e Tiê; e de "Vitta, Ian, Cassales", com o grupo Apanhador Só. Há também regravações, como a feita por Marcelo Jeneci de "Veja (Margarida)", composta por Vital Farias em 1980; e versões como a interpretada por Chico César da "Serenata (Standchen)", de Franz Schubert.

O compositor com mais canções na trilha, entretanto, é Alceu Valença, autor de "Talismã" e "Caravana", ambas em parceria com Geraldo Azevedo. Valença também canta o clássico "La Belle de Jour" e a menos conhecida "Flor de Tangerina", a respeito da qual comenta: "Essa música não fez o menor sucesso, inclusive porque as rádios não tocam música brasileira. Mas é linda. Eu sou apaixonado por ela. E quando você recebe um convite como o de Luiz Fernando Carvalho, que é inventivo, criativo e muito bom, você o faz com muito prazer".

Alceu Valença também gravou, especialmente para a novela, "Moça Bonita", sucesso de Capinan e Geraldo Azevedo. "Foi um convite de Tim Rescala, que cuidou do arranjo. O resultado foi excelente, pois ele é um grande músico e amigo da arte. Então há diferenças com relação ao original no que se refere aos timbres", conta. E aproveita para elogiar a novela: "'Velho Chico' é um olhar sobre nós mesmos, nossa cultura, ou seja, o Brasil como um todo, contemplando todas as regiões. Fazia tempo que não havia nada sobre o Nordeste".

Capa do álbum de estreia de Caetano Veloso, que está na trilha de "Velho Chico" - Reprodução - Reprodução
Capa do álbum de estreia de Caetano Veloso, que está na trilha de "Velho Chico"
Imagem: Reprodução

Sucesso inesperado na abertura

Caetano Veloso é outro compositor bastante presente na trilha de "Velho Chico". Ele aparece com "Como 2 e 2", na voz de Gal Costa, tema do casal da primeira fase Afrânio (Rodrigo Santoro) e Iolanda (Carol Castro), que na segunda fase são interpretados por Antônio Fagundes e Christiane Torloni; e com "Peixe", na gravação dos Novos Baianos (presente ainda com o clássico "Acabou Chorare"). Caetano canta também as suas "O Ciúme" e "Triste Bahia", que ambienta as Grotas de São Francisco e tem versos do poeta Gregório de Mattos.

Mas o que mais chama atenção na presença de Caetano Veloso é o tema que acompanha as imagens da abertura criada pelo diretor e diretor de arte Alexandre Romano através de elementos e imagens produzidos pelos artistas Mello Menezes e Samuel Casal. Trata-se do clássico "Tropicália", de 1968, que aparece numa versão renovada.

"O resultado da regravação é muito apropriado para a telenovela, com um novo arranjo com ares de saga, de épico, e para a trajetória do protagonista Afrânio, do rapaz libertário do início da década de 1970 ao grande coronel dos tempos atuais, numa narrativa que é, a um só tempo, tema e crítica no olhar sobre os personagens, em suas tentativas e insucessos de serem o que gostariam de ser diante do que a vida lhes apresenta”, avalia Vincent Villari.

O pesquisador destaca ainda que a força do movimento antropofágico, presente na canção de Caetano Veloso, está no olhar e no estilo do diretor Luiz Fernando Carvalho, com seu registro naturalista.

"A cada vez que ouvimos 'Tropicália na abertura', entendemos que o Afrânio do início da novela e os desejos que o moviam para tentar ser diferente do pai, o que não conseguiu pois foi engolido pelas circunstâncias, ainda existem subterraneamente. É a música, portanto, informando o que os personagens precisam esconder", diz Villari.

"Uma coisa que acho muito importante, e tenho elogiado muito o Luiz por isso, é que ele não insere uma canção por nada. Tudo tem um sentido. É como se a letra da canção também fosse texto. Isso faz toda a diferença", acrescenta Rescala.