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Sábado é dia sagrado de samba em São Mateus com a roda Maria Cursi

Fernanda Fadel

do BOL, em São Paulo

31/05/2016 13h53

Todos os sábados, o lava rápido É Nóis Queiróz é esvaziado para dar lugar a um salão ocupado pela roda de samba Maria Cursi, no bairro de São Mateus, zona leste de São Paulo.

Saem os automóveis e equipamentos de limpeza, entra o time de sambistas munidos com seus instrumentos para o encontro sagrado às 21h, que acontece há 12 anos na periferia da capital paulista.

Na terceira visita do BOL a rodas de samba para o especial sobre o Centenário do Samba, fomos conferir de perto o que rola no barracão de número 799, na avenida Maria Cursi.

Um lugar de música, paz e respeito

"Tudo começou em 2004 como uma brincadeira de amigos. Foi ficando tudo mais sério e, hoje, encaramos isso como cultura e entretenimento para a nossa comunidade. Esse lugar virou um ponto de encontro das pessoas aos sábados", conta Emerson Cardoso, de 31 anos, também conhecido como Madureira, músico e um dos vocalistas do grupo.

Samba Maria Cursi - dança - Evelson de Freitas/BOL - Evelson de Freitas/BOL
Enquanto o marido toca violão e canta, Luciana da Costa dança com participante do samba no barracão
Imagem: Evelson de Freitas/BOL
Com entrada gratuita, a batucada do Maria Cursi tem apenas uma cobrança para o público poder curtir o samba: "O respeito. Pelo próximo, pelo espaço e pelo samba. Prezamos por um local onde possam ir crianças, jovens e idosos e todo mundo ficar em paz", conta o pandeirista Reinan Rocha Alves, de 41 anos. 

Madureira também faz questão de ressaltar o clima harmonioso do lugar. "Aquela ideia que o povo tem de fora que aqui tem guerra e violência, pô, não tem nada disso, não. É um ambiente de comunhão. Aqui até dá casamento", diz ele.

Prova disso é a história de amor entre a operadora de telemarketing Luciana da Costa, de 37 anos, e o violonista Julio Cesar da Silva, que começou em uma das rodas de samba. Apaixonada pelo músico e pela roda, Luciana está casada há 5 anos e faz parte do público cativo aos finais de semana. "Não largo esse samba por nada. Só vindo aqui para sentir e perceber o que não dá para descrever sobre o Maria Cursi", exalta Luciana.

Todo mundo junto

No time de fãs dos sambistas também estão Nilton de Souza Bertolino, de 55 anos, e Paulinho "da bateria", 58, que se saúdam com um abraço e brindes ao se encontrarem na frente do barracão em São Mateus.

Paulinho faz questão de dizer que, no samba, todo mundo é igual: "O samba é isso: não faz diferença, não tem preconceito, aproxima os amigos brancos e negros, une os diferentes".

Os instrumentos já estão fervendo quando o Maria Cursi toca "A Voz do Morro", um dos clássicos do carioca Zé Keti, que canta também o espírito dos presentes: "Eu sou o samba/A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/Quero mostrar ao mundo que tenho valor/Salve o samba, queremos samba/Essa melodia de um Brasil feliz".

Ali no meio do público, Wilson Sucena, advogado e sambista morador de São Mateus, comemora seus 61 anos em mais um dia de festa entre os amigos que ele considera também a sua família dando uma palhinha de "Os Papéis", do célebre compositor Luiz Carlos da Vila: "Os papéis/Que eu varei noite pra escrever um samba/Foram dez ou foram mil, não deu para contar/Meu papel/Foi de um sem fé que removeu montanhas/E nos céu dos fiéis, o senhor de tamanha façanha". 

Maria Cursi - Wilson Sucena - Evelson de Freitas/BOL - Evelson de Freitas/BOL
Wilson Sucena, advogado e sambista, solta o gogó com a "família" Maria Cursi
Imagem: Evelson de Freitas/BOL
Um samba que vale ouro

Referindo-se aos sambistas que "invadem" e sacodem o lava rápido aos sábados, Sucena ressalta que o samba faz a alegria "da gente", a qual ele também se inclui. "Eu tenho algum tempo de estrada como cantor e compositor, mas não paro de aprender com eles. O amor, a fidelidade, esses valores que a gente, às vezes, vai perdendo com o tempo como sambista. Eles vêm para dar um choque e me revigorar".

A importância e o reconhecimento do grupo alcançaram um nível inesperado para os músicos. Madureira conta que, certa vez, os garotos da comunidade que fazem parte de um projeto social auxiliado por eles foram indagados sobre o que gostariam de ser quando crescessem. A resposta "nós gostaríamos de ser como os caras do Maria Cursi" ainda os emociona, dando a certeza de que o samba não para de tocar quando vira a meia-noite e o barracão é esvaziado mais uma vez. 

Samba Maria Cursi

Endereço: Avenida Maria Cursi, nº 799, no bairro de São Mateus, na zona leste de São Paulo
Dia e horário: todos os sábados, às 21h. A batucada costuma terminar por volta da meia-noite
Telefone: (11) 94745-1612
Entrada: gratuita