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Pioneira do funk, Deize Tigrona retoma carreira, mas mantém emprego de gari

Pioneira do funk carioca, Deize Tigrona está de volta com a faixa "Madame" - I Hate Flash/Divulgação
Pioneira do funk carioca, Deize Tigrona está de volta com a faixa "Madame" Imagem: I Hate Flash/Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

03/06/2016 09h51

Pioneira do funk carioca, Deize Tigrona está de volta para apavorar. “Madame” (ouça abaixo), sua primeira música em quase cinco anos, tem batidão nervoso e começa questionando: “Já pensou sem a cerveja e a maconha o que seria do mundo?”

“E não é verdade? O que eu vejo é que o consumo da cerveja está maior do que a de café. E tem gente que não toma remédio depressivo, mas fuma maconha”, explica. Não é exatamente o caso dela. “Tratei minha depressão tomando Rivotril, que só me fazia dormir.”

Enquanto seus vizinhos na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, perguntavam por que ela havia desistido do funk, Deize vivia uma fase conturbada, mais barra pesada do que suas letras. Lutou na Justiça para ter a guarda definitiva de seu sobrinho – abandonado pela irmã dependente química -- e foi diagnosticada com uma forte depressão.

Ela ainda fazia shows quando recebeu a notícia do nascimento. “Estava no aeroporto para um festival em Recife. Larguei tudo. Cheguei no hospital e minha irmã disse que ia vendê-lo. Foi um baque, fiquei sem chão”, conta. "Eu nunca desisti [da carreira], mas precisei parar para não surtar".

Referência feminina no movimento, Deize influenciou artistas e produtores de outros continentes, como a cantora M.I.A. e o produtor Diplo. A filha mais velha, de 13 anos, por muito tempo duvidou que o gringo que já produziu Justin Bieber, Madonna e Beyoncé fora parceiro musical da mãe. “Imagina, o Diplo pegou ela no colo”, relembra.

A fama chegou, mas não o dinheiro. Há dois anos, Deize começou a trabalhar como gari na prefeitura do Rio de Janeiro, e mesmo com a música nova, com a produção do DJ gaúcho Chernobyl, ela pretende continuar no posto. “Funk só dá dinheiro aos shows, Os direitos autorais não te enriquecem". Mas sonha: “Viver de funk para mim seria tudo. Uma honra”.

Tem tantas meninas de 12 anos sendo guardadas para homens mais velho. Isso não é pedofilia? E a mulher do presidente? Ele esperou ela nascer para poder casar com ela? Que idade ela tem?
 

"E a mulher do presidente?"

Enquanto enfrentava a depressão, o bonde do sucesso passou. O funk se popularizou para além da periferia, e se desdobrou em muitos outros movimentos. No mainstream, ganhou uma roupagem mais suave e chegou ao topo. Mas a mulher que abriu o caminho para Valesca e Anitta defende as letras de sacanagem.

“Já pensou o funk sem putaria o que a madame “ião” fazer / eles criticam, mas gostam e deliram na hora de f****”, ela canta na nova música, com seu estilo debochado de sempre. E ameaça: “Político sai da frente que eu tô com fuzil na mão”.

Para ela, existe uma hipocrisia que ronda na sociedade. “É como eu vejo. Todo mundo precisa de algo para viver. As madames reclamam, mas não fazem uma festa que não tenha um MC”.

No momento em que o funk é novamente posto em xeque por fazer apologia à violência contra a mulher, após o caso do estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro, Deize nega que o movimento tenha essa responsabilidade. “O mundo inteiro tem”, rebate. “Se for assim, vamos censurar as novelas, as piadas, aquele livro 'Lolita' [do russo Vladimir Nabokov]. Tem que rever esses padrões todos”.

A funkeira defende que suas letras de duplo sentido enfrentam a submissão masculina. “No Belém do Pará, e em outros estados, tem tantas meninas de 12 anos sendo guardadas para homens mais velho. Isso não é pedofilia?”. Sobra até para o presidente interino, Michel Temer. “E a mulher do presidente? Ele esperou ela nascer para poder casar com ela? Que idade ela tem?”. Marcela conheceu Temer aos 19 anos. Ele tinha 62.

“Posso dizer com certeza que não há essa violência em baile funk. Os caras não agarram as meninas e fazem sexo à força. Eu moro em comunidade. Estuprador em comunidade não vive, cara. Não vive”, conclui.