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"É como ser criança de novo", diz Elza Soares sobre DVD na periferia

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

27/06/2016 14h18

No dia de seu aniversário, na última quinta-feira (23), Elza Soares passou o dia enrolada no cobertor. “Aqui está um frio do cão, cara”, disse, por telefone, ao UOL, direto de sua casa no Rio de Janeiro. Avessa a comemorações, ela prefere que a data passe despercebida, assim como a própria idade (especula-se que teria completado 86 anos). “Tem dias que eu tenho 20, tem dias que eu nem nasci ainda”, costuma dizer aos mais chegados.

No dia anterior, ela havia sido ovacionada na 27ª edição do Prêmio da Música Brasileira, onde cantou Gonzaguinha e saiu com o prêmio de álbum de rock/pop para seu mais recente disco, o elogiado “A Mulher do Fim do Mundo”.

Chorou de emoção. Afinal, o projeto chegou quando ela, em suas próprias palavras, “já não esperava mais nada”.

Comemoração mesmo, só neste caso. Com uma vontade de se reconectar com a própria origem humilde, ela escolheu o bairro de Centreville, comunidade de Santo André, na operária região do ABC Paulista, para levar seu show pesado e repleto de gritos contra o machismo, a homofobia e o racismo.



O projeto, ainda sem data para acontecer, está aberto para doações através de financiamento coletivo. Com a promessa de melhorias na região, o projeto chegou ao valor de R$ 400 mil, sem auxílio do Ministério da Cultura -- o texto da campanha online diz: “O MinC [Ministério da Cultura] como o conhecíamos já não existe mais, cansamos de esperar que o setor público leve cultura às comunidades mais carentes do Brasil”.

Entre as recompensas aos doadores estão DVD's autografados e até um chá da tarde em sua casa. Se as metas não forem alcançadas, as melhorias ficarão por conta da prefeitura de Santo André, segundo a produção da cantora.

Empolgada, ela diz ter que o show é perfeito para ser mostrado nas periferias. “É como se ver criança de novo”, diz.

UOL - Como está a emoção após cantar e vencer no Prêmio da Música Brasileira?
Elza Soares - Hoje eu estou debaixo das cobertas, acredita? Aqui está um frio do cão, cara. Estou descansando porque ontem foi muito emocionante. Depois daquela comoção em torno de mim, eu tremia, cara. Não sabia se era do frio ou da emoção.

Você já viveu muitas parcerias e estilos diferentes. O que essa fase de agora tem de tão especial para você?
Para mim tem sido memorável. Depois de tanto tempo sem gravar, sem ter ideia nenhuma do que ia acontecer comigo, acontece esse disco. Eu não esperava mais nada [se emociona], então foi lindo. Um presente divino. Aquele presente que Deus te dá e você não sabe como agradecer.

Você está com uma campanha de financiamento coletivo para gravação do DVD “A Mulher do Fim do Mundo” e escolheu um bairro distante no ABC Paulista. De onde surgiu a ideia?
Não conheço o lugar. Conversando com o [produtor e diretor artístico do disco, Guilherme] Kastrup sobre como faríamos esse DVD, surgiu a ideia de fazer em uma comunidade. Falamos do Vidigal, mas o Vidigal ficou impossível, difícil demais. Vamos fazer em São Paulo que é muito mais fácil. Vai ser um DVD completamente diferente de todos. Vai ser lindo. A comunidade ali reunida vai ser muito bonito.

Inclusive, a proposta é trazer melhorias no bairro
Vamos tentar tudo isso. Acho que é importante demais.

Na proposta da campanha vocês dizem que cansaram de esperar pelo Ministério da Cultura, que já não é o mesmo que vocês conheciam. Exatamente no momento em que parte da população tem criticado as políticas de incentivo para a cultura.
Não, gente. Como é que a gente vai viver sem cultura? Em um mundo de desamor, com coisas horríveis acontecendo no mundo. Precisamos de quem espalhe amor. Às vezes eu começo a ver [TV]. Mas quando a coisa está muito pesada, eu tiro. Não aguento.

Seu Jorge disse certa vez que não voltaria para cantar em favelas porque lutou muito para "escapar" de lá. Você, pelo contrário, quer se reconectar com esse público e essa fase. O quão importante é revisitar seu passado?
Não posso fugir da minha origem, não. Jamé (sic). É emocionante. É se ver criança de novo, começando tudo.

Nos últimos dias, na boca miúda dos comentários de Facebook, uma produtora acusou o disco de “A Mulher do Fim do Mundo” de ser feito por homens machistas...
[interrompe] Ai, eu soube. Mas achei tão imbecil. Tão sem noção. Gente, calem a boca. [Ela] não tem responsa para isso não.

Para ela, o álbum não seria feminista. O argumento dá a entender que o disco não seria seu.
É uma coisa louca. Isso tudo é bobeira. Não tem o que fazer, inventa história. Eu nem conheço, não sei nem quem é.

Com o público, o álbum se tornou um marco da luta feminista da atualidade. 
É verdade. Estou tendo um retorno maravilhoso. É bom a gente se conectar onde está o certo, seguir e deixar o resto de lado. Um disco que fala da mulher e do mundo pode ser um disco feliz, não é não?
 

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