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Canções de protesto e samba renovado: as marcas da estreia de Chico Buarque

Foto de abertura da entrevista de Chico Buarque e Geraldo Vandré com Roberto Carlos, publicada em dezembro de 1966 na hoje extinta revista "Manchete" - Reprodução/Revista Manchete
Foto de abertura da entrevista de Chico Buarque e Geraldo Vandré com Roberto Carlos, publicada em dezembro de 1966 na hoje extinta revista "Manchete" Imagem: Reprodução/Revista Manchete

Guilherme Bryan

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/06/2016 11h24

Era 1966 e, antes mesmo de lançar seu primeiro disco, Chico Buarque já estava cercado de grandes expectativas. O álbum que traz na capa a imagem do cantor em duas fotos --uma com a cara emburrada e a outra, sorrindo-- se tornou um clássico por suas músicas, como "A Banda", "Pedro Pedreiro", "Olê, Olá" e "Sonho de um Carnaval", algumas delas que haviam sido lançadas em compactos e em festivais. Agora, 50 anos depois, o trabalho soa mais atual do que nunca e permanece como uma referência importante na história da música brasileira.

"O mérito principal foi revelar um compositor de alta densidade, ligado às raízes e ao mesmo tempo levando em frente a MPB ancestral", analisa o crítico musical Tárik de Souza. "O reconhecimento de Chico foi tão unânime e instantâneo que ele logo estava prestando depoimento ao MIS (Museu da Imagem e do Som). E ainda apareceu em um programa da antiga TV Record, ao lado de Donga, cantando com ele o inaugural 'Pelo Telefone', que este ano completa o centenário".

Nem tudo foi simples na realização desse álbum, como explica o produtor Manoel Barenbein. Ele havia conhecido Chico Buarque alguns anos antes, quando ainda era conhecido como Chico Carioca. Foi Toquinho quem levou Barenbein para ouvir o rapaz de 22 anos em um barzinho, no Rio.

"Em um sábado à tarde, fui lá tomar uma cerveja e ouvir o Chico cantar. Depois da enésima música, uma melhor do que a outra, conversei com ele a respeito de vir para a gravadora, algo que, num primeiro momento, ele não estava muito propenso. Aos poucos, conseguimos convencê-lo a cantar as próprias músicas. Ele assinou contrato e gravou o primeiro compacto", lembra.

"Sonho de Carnaval" e "A Banda" já eram bastante conhecidas por causa dos festivais. A primeira havia sido apresentada, em 1965, no 1º Festival Nacional de Música Popular Brasileira, transmitido pela TV Excelsior. A segunda venceu o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1966, na interpretação de Nara Leão --quando empatou com "Disparada", de Geraldo Vandré, na voz de Jair Rodrigues.

Chico Buarque de Hollanda (1966) - Reprodução - Reprodução
Capa do disco "Chico Buarque de Hollanda"
Imagem: Reprodução

"'A Banda' trouxe de volta a marcha dobrado, que marcou época na fundação da MPB, no tempo das bandas de música, inclusive militares. Tanto que ela entrou para a partitura de bandas do mundo inteiro", diz o crítico musical Tárik de Souza, acrescentando que a melhor gravação foi feita por Mario Reis em seu disco de despedida, de 1971.

Chamava atenção no álbum uma tentativa por parte de Chico Buarque de renovar o samba, em canções como "Tem Mais Samba" e "Juca". "Muita gente do samba reclama da não inserção do gênero na MPB. Estão certos, mas há também muito sambista que não reconhece o mérito de 'forasteiros' do ramo como Chico Buarque. Ele é um dos grandes sambistas brasileiros e a maioria das músicas deste disco prova isto", assegura Tárik.

Para Jairo Severiano, autor do livro "Uma História da Música Popular Brasileira", o disco de estreia de Chico "demonstrou a influência de velhos mestres, como Noel Rosa e Ataulfo Alves, sobre a obra de um então jovem compositor, sem prejuízo de sua modernidade".

Além do samba, o álbum trouxe também um tom político e social nas letras, mas que giram em torno principalmente das agruras da vida de músico no Brasil, principalmente do sambista. As composições de Chico se tornariam muito mais combativas num futuro próximo. "Dá para identificar o lirismo, ingênuo, descritivo, que marcou a obra de Chico Buarque no estágio inicial de sua carreira. A partir de 1970, ele inaugurou uma nova etapa, diversificada e especialmente comprometida com as questões sociais", diz Jairo. 

Para a biógrafa Ângela Braga-Torres, autora de "Chico Buarque - Coleção Mestres da Música no Brasil", as canções de protesto e repletas de preocupações sociais são as principais características da obra do cantor.

Em estúdio

Tárik reconhece uma grande importância no papel exercido pelo produtor Manoel Barenbein no álbum. "Ele deixou o Chico solto, porque ele já estreou sabendo. E deu no que deu", resume. Já Barenbein avalia: "A nossa relação era muito legal. Não tínhamos intimidade, mas uma amizade e um relacionamento profissional muito legal. O Chico ouvia muito o que a gente falava e a gente ouvia muito também o que ele dizia, porque ele tinha um dom".

Barenbein lembra como foi a presença do estreante Chico Buarque nos estúdios. "Quando você é estreante, é mesmo difícil, mas ele segurou bem a barra e as gravações estão aí para mostrar. Não havia a tecnologia que a gente tem hoje, de correção de tonalidade ou de voz. Tecnologicamente falando, era rudimentar comparado a hoje, foi gravado em dois canais, mas do ponto de vista artístico e de arranjos, é fantástico. Eu considero esse disco antológico", diz o produtor, destacando a importância da presença do quinteto do pianista Luiz Loy em várias faixas do disco.

O álbum de estreia de Chico Buarque foi fundamental para a história da música popular brasileira por lançar um dos artistas brasileiros mais completos e importantes. "Há meio século que alteridade de seu som nos desperta dualidades de sentimentos profundos. A obra, atemporal, nos conduz há épocas de contextos distintos e numa infinita subjetividade do universo", diz Ângela Braga-Torres.