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Moraes Moreira sobre Novos Baianos: Em 5 min, me senti de volta aos anos 70

Anderson Baltar

Colaboração para o UOL, no Rio

20/07/2016 15h50

A tarde nublada caía no Arpoador, no Rio de Janeiro, quando os cinco integrantes da formação original dos Novos Baianos posavam para uma sessão de fotos. Espevitada como sempre, Baby do Brasil tomou a frente dos colegas para orientá-los. "Todos com o corpo ereto, escondendo a barriga", foi a principal ordem. Única mulher da trupe, a cantora tem um papel fundamental na reunião do grupo, após quase 20 anos depois de sua última aparição, em 1997, quando lançou o álbum "Infinito Circular".

Tudo começou quando o governo da Bahia procurou Paulinho Boca de Cantor e o passou a incumbência de resgatar a banda para o show de reinauguração da Concha Acústica do Teatro Castro Alves. "Vi Baby convidando Pepeu [Gomes] para cantarem juntos no Rock in Rio. Depois ela participou do show do Moraes [Moreira]. Não pensei duas vezes. Entrei em contato com ela e ela organizou tudo", contou Paulinho ao UOL. "Ele me botou na cara do gol", completou Baby, "e o que fiz foi entrar em contato com todos e combinar as agendas. Foi tudo muito mágico. Vivemos momentos fantásticos naquele teatro e tínhamos a obrigação de retribuir toda essa energia".

Em 15 de maio, Baby, Pepeu, Moraes, Paulinho e Luiz Galvão subiram ao palco em Salvador, onde se apresentaram para uma multidão. E o show, transmitido ao vivo pela TV Brasil, fez tanto sucesso que foi impossível negar convites para uma mini-turnê, que passará por São Paulo (12 e 13 de agosto, no Citibank Hall), Rio de Janeiro (2 e 3 de setembro, no Metropolitan) e Belo Horizonte (10 de setembro no BH Hall). "Recebemos muitos convites, inclusive do exterior. Estamos tentando encaixar nas agendas pessoais aos poucos. O mais importante de tudo é a energia que vivemos no palco", disse Baby.

Em poucos ensaios, o grupo disse que se sentiu preparado para encarar a estrada novamente. E com a mesma sintonia dos anos em que todos dividiram um sítio no Rio de Janeiro e viveram como uma autêntica comunidade hippie. "É impressionante, mas em cinco minutos de convívio, me senti voltando aos anos 1970. É a mesma energia que percorre nossos corpos, as mesmas gargalhadas. É um reencontro verdadeiro, de amigos que se amam e que sentem prazer em tocar juntos", referendou Moraes. "A gente nunca se separou", atestou o poeta Galvão, em uma de suas poucas intervenções.

As músicas do reencontro

O repertório deste show é marcado por grandes sucessos e, sobretudo, pela releitura do álbum mais icônico do grupo, "Acabou Chorare". Lançado em 1972, o disco traz hits como "Preta Pretinha", "Besta é Tu", "Brasil Pandeiro" e "Tinindo Trincando". Em 2007, foi eleito pela revista "Rolling Stone" como o melhor álbum da história da música brasileira. "O impressionante é que nós gravamos esse disco em apenas quatro canais, mas ele até hoje soa inteiramente atual", analisou Pepeu. "Nos desdobramos para conseguir sonoridades diferentes. Tenho muito orgulho desse disco, que considero definitivo", disse Moraes.

Baby, entre gargalhadas, lembrou dos truques feitos por seus companheiros de banda para buscar novas texturas sonoras. Até uma televisão foi sacrificada em nome da criatividade dos Novos Baianos. "Eu comprei uma TV para assistirmos à Copa do Mundo. Num belo dia, ela me apareceu quebrada. Me disseram que tinha tomado um tombo. Mas, na verdade, o Pepeu e o Moraes a desmontaram e, com suas peças, fizeram um pedal caseiro para a guitarra", divertiu-se a cantora, que também contou com orgulho como um galinheiro foi transformado em estúdio: "Não tínhamos a menor pretensão de criar galinhas e reparamos que o local tinha uma acústica ótima. Limpamos tudo e forramos com edredons comprados nas Casas Pernambucanas. E o estúdio ficou ótimo".

Público jovem nos shows

Moraes Moreira, em meio às recordações, acrescentou um detalhe que faz o retorno ainda ser mais festejado: o fato de que um público jovem está se interessando pelas músicas dos Novos Baianos. "Fico muito gratificado em ver pais e até avós levando essa molecada no show. Outro dia me espantei em ouvir um menino de 18 anos dizendo que queria ter vivido nos anos 1970 e morado no sítio com a gente. É a prova de que tudo que é feito com amor e com verdade prevalece".

Olhando para o passado, os integrantes dos Novos Baianos refletiram sobre o que seria o principal legado da banda. Paulinho Boca de Cantor, de imediato, apontou a diversidade. "Acabamos com a briga entre o cavaquinho e a guitarra elétrica. Unimos os dois e mostramos que era possível fazer música brasileira".

Moraes fez coro: "A gente transferiu linguagens. Eu vi o Pepeu tocando bandolim como se fosse guitarra. Então, a gente resolvia misturar Jimi Hendrix com Waldir Azevedo. A Baby cantava como Ademilde Fonseca, mas logo virava Janis Joplin". Já Baby escolheu a expansão criativa e pessoal: "Vivíamos em uma ditadura, mas, entre nós, cultivamos a liberdade, que permanece intacta dentro de nós e a carregamos em tudo que fazemos".

E o futuro, como será? Ao serem questionados se um novo álbum com músicas inéditas pode surgir após a mini-turnê, os Novos Baianos responderam em coro: "Tudo pode acontecer".