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"Pensar em cópias vendidas te torna um artista medíocre", diz Ivete Sangalo

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

02/08/2016 06h00

Ivete Sangalo sorri e arqueia largamente as sobrancelhas, o que a faz realçar ainda mais as fartas maçãs do rosto, quando é comparada a Roberto Carlos. “Ôxi, que chique!” Estilos à parte, o fato é que, nos últimos 20 anos, ninguém no Brasil além dela e do “rei” conseguiu resistir às constantes intempéries da música e do mercado fonográfico sem perder popularidade.

Estrela popular que não abraça gênero algum, a cantora é a prova de que o sertanejo não é necessariamente a única porta para o sucesso comercial. O problema é que, para abrir o cadeado, é preciso ser Ivete Sangalo. E nem ela sabe a combinação.

“Quando você acha que tem um segredo [para o sucesso], você acha que já sabe dominar o destino, dominar o mundo. Aí vira o ‘Pink e o Cérebro’. Não dá”, diz Ivete em entrevista exclusiva ao UOL, durante o lançamento de seu novo DVD ao vivo, “Acústico em Trancoso”. Expectativa de mais discos de platina para o currículo.

“Mas, se você pensar em números, bicho, você vira uma pessoa medíocre", contemporiza Ivete. "Que tipo de satisfação é essa? Moda vai, moda vem. Já pensou se eu tivesse que me adequar a todas elas? Seria um sofrimento. Minha autoestima seria baixíssima. Porque eu nunca saberia o que eu realmente represento, até para mim mesma.”

Na entrevista, Ivete comentou também sobre a resiliente rixa de seus fãs com os de Claudia Leitte, refutando qualquer atrito ou rivalidade com a colega. Negativas também para a suposta demissão das backing vocals da sua última turnê, conforme publicado pela imprensa, que teria acontecido por causa da crise econômica.

“Isso é uma rotatividade que alimenta o ponto de vista criativo do meu trabalho. Não passa pela questão da crise. Não é o caso, mas se eu tivesse que diminuir a produção para continuar fazendo show, eu faria”, admite Ivete, que tem como esporte colocar o fã em um pedestal, não importa credo ou orientação sexual. E isso vale para o mundo.

“Qualquer um poderia, sendo homossexual ou não, tendo a minha religião ou não, trazer coisas maravilhosas para a minha vida. Cabe a você ser um grande ser humano. Isso nada tem a ver com escolhas ou não escolhas. Isso porque, não minha cabeça, ser homossexual não é uma escolha.”

 

UOL – Por que decidiu gravar na Bahia o novo DVD?

Ivete Sangalo - A Bahia tem importância grande na minha carreira. Da construção da cantora que me tornei. Da carreira que eu tenho. Eu sou do interior, e de lá eu trago muita referência musical. Tenho um apego físico à Bahia, uma coisa de cheiro. Voltar a gravar na Bahia veio de uma interseção de fatores, mas há lugares do Brasil que eu poderia gravar o acústico com a mesma satisfação.

Seu acústico é “intimista”, dentro do possível. O formato grandioso dos shows de axé entrou em crise?

Honestamente acho que não. Acho que isso tem a ver com um momento meu. Os grandes shows vão existir sempre, assim como os mais íntimos. Este disco, assim como a maioria dos meus trabalhos, são sempre muito diversos. Eu sou uma cantora geminiana. Sou de uma família de seis filhos. Meu pai, minha mãe e meus irmãos ouviam muita coisa diferente. De rock, bossa nova, pop, reggae...

Em nenhum momento ninguém me alertou assim: “Olha, você precisa gostar de apenas uma coisa”. Então, naturalmente, quando faço um arranjo ou vou buscar uma composição, ou ela me toca ou não me toca. Isso vai gerando conceitos diversos.

Modas e crises vêm e vão, mas Ivete sempre fica. Qual é o segredo?

Tenho um amigo que faz microfisioterapia que diz que eu sou madeira. Madeira é árvore. Passa o tempo, cai a folha, cai a fruta, às vezes até chega a neve, mas a árvore continua ali.

O segredo [para o sucesso] talvez seja imaginar que não há um segredo. Quando você acha que tem um, você acha que já sabe dominar o destino, dominar o mundo. Aí vira “Pinky e o Cérebro'.
 

Nesse sentido, talvez você seja o mais próximo de uma versão feminina de Roberto Carlos.

Que chique! (risos) Muito obrigada. Eu não tenho respostas para isso. Sei que não tem segredo para o sucesso. Se tivesse, a gente contava. Nem eu mesma tenho noção exata do que representa isso que você está perguntando. Me falam muito: “Ivete, você até poderia não fazer mais nada depois que você chegou aonde chegou”. Isso não existe.

Acho que existem certos mecanismos, e, na visão do público, da mídia ou do mercado, existe uma pirâmide a se subir. Mas existe também uma satisfação do artista que não tem nada a ver com tudo isso. Eu sou cantora. Vou sempre cantar. Vendendo 2 milhões, vendendo 100 mil, nunca vou deixar de cantar. A última coisa que eu penso quando canto é em número. Senão, bicho, você vira uma pessoa medíocre.

O que é ser medíocre para você?

Como você disse, moda vai, moda vem. Já pensou se eu tivesse que me adequar a todas elas? Seria um sofrimento. Minha autoestima seria baixíssima. Porque eu nunca saberia o que eu realmente represento, até para mim mesma. O segredo [para o sucesso] talvez seja imaginar que não há um segredo. Quando você acha que tem um, você acha que já sabe dominar o destino, dominar o mundo. Aí vira “Pinky e o Cérebro”. Não dá.

18.dez.2015 - Claudia Leitte sobe ao palco e dá um beijo em Ivete durante o show - Manuela Scarpa/Brazil News - Manuela Scarpa/Brazil News
18.dez.2015 - Claudia Leitte dá um beijo em Ivete em show
Imagem: Manuela Scarpa/Brazil News

Como lida com as rixas dos seus fãs com os de Claudia Leitte?

Acho isso natural. Somos duas cantoras, mulheres. E a mulher cria este imaginário, de ditar moda. Também somos da Bahia e estamos na mesma vertente. E, indiscutivelmente, o timbre de Claudia se parece com meu timbre. Isso tem também uma “gostosura humana” no meio. As pessoas se deleitam com essas pequenas rixas. E não, para mudar isso, não adianta, não há nada que se diga nem a favor nem contra.

É meio chato ser comparado o tempo todo, não? Para as duas partes. Isso não incomoda?

Pelo contrário. Primeiro que Claudia é tão linda. Se o sistema ali fosse “bruto”... Mas, me comparar com uma lindeza daquela, como me chateio?

Recentemente você mudou sua produção, e saiu notícias de que você teria demitido backing vocals por causa da crise. Isso é verdade?

Há determinados critérios dentro de uma vida profissional. Do tipo “isto cabe ou não cabe no meu trabalho”. Alguns profissionais deixam de caber. Foi isso que aconteceu. Se você olhar no meu DVD, vai ver que agora eu tenho outros backing vocals, outros músicos. Isso é uma rotatividade que alimenta o ponto de vista criativo do meu trabalho. Não passa pela questão da crise. Não é o caso, mas se eu tivesse que diminuir produção para continuar fazendo show, eu faria.

O quanto a crise econômica interfere na carreira de uma artista do seu tamanho?

A crise existe. Não por causa da música. Obviamente, dentro de uma crise, o entretenimento é o primeiro a cair. Não se deixa comer por causa da diversão. Embora estejamos em crise, existem possibilidades de se fazer parcerias para que essa rotina do entretenimento se mantenha. E o artista não vive só do que se gera do ponto de vista financeiro. Ele tem um serviço, um pacto com os fãs. Ele não pode sair de cena porque a crise está aí. Ele tem que dar um jeito.

Você fez músicas para equipes brasileiras e é uma das madrinhas da delegação na Olimpíada. Acha que os problemas de estrutura no Rio, como os da Vila Olímpica, podem prejudicar a imagem de artistas relacionados aos jogos?

Acho que as pessoas têm que ter discernimento. Está tendo problema na vila? Está. Mas nós não podemos perder o grande barato, que é dar energia aos nossos atletas. Eles já passam por tanta coisa. A vida deles já está com “problema elétrico” desde o começo. A maioria não tem apoio, não tem patrocinador suficiente. E, no momento, que acontece a Olimpíada, a gente já quer a medalha.

Por tudo que se passa num país em crise financeira e moral, acho que o mais justo é tentar prestigiar os atletas como eles merecem. Isso não tem nada a ver com os problemas da Vila Olímpica. O cara que escolheu ser atleta e representar o país dá um sangue desgraçado. E às vezes não tem dinheiro para sustentar a família nem para comprar um tênis. E eu não vou apoiar porque a vila não ficou pronta? Eu torço.

Você desabafou na internet após a morte promotor de eventos baiano Leonardo Moura, vítima de ataques homofóbicos. Em tempos de extremismos, não está na hora de artistas como você se unirem contra a homofobia?

Acho que temos que nos unir todo o tempo para mudar o nosso comportamento. Às vezes nem é homofobia, mas de um olhar atravessado. De estacionar em vaga de deficiente. De não obedecer a determinadas certas regras de convívio. Acho que isso é um exercício diário que todos deveriam ter.

Eu vejo às vezes amigos, familiares, falando cheios de equívocos de coisas muito relevantes como a homofobia. É difícil quando você é esclarecido e não vê o outro da mesma forma. Que diferença poderia fazer na minha vida alguém ser homossexual ou não? Nenhuma.

Aliás, muito pelo contrário. Qualquer um poderia, sendo homossexual ou não, tendo a minha religião ou não, trazer coisas maravilhosas para a minha vida. Cabe a você ser um grande ser humano. Isso nada tem a ver com escolhas ou não escolhas. Isso porque, não minha cabeça, ser homossexual não é uma escolha.