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Martinho da Vila lança disco de inéditas "para se ouvir e não para sambar"

Martinho da Vila convidou Criolo (esq) para participar do CD "De Bem com a Vida" - Divulgação
Martinho da Vila convidou Criolo (esq) para participar do CD "De Bem com a Vida" Imagem: Divulgação

Anderson Baltar

27/08/2016 07h00

Apesar do jeito "devagar, devagarinho", Martinho da Vila sempre foi um artista inquieto. Ao longo dos quase 50 anos de carreira, o cantor e compositor sempre transitou por diferentes vertentes do samba, flertou com ritmos africanos, cantou em francês e brindou o Carnaval carioca com alguns de seus mais inesquecíveis sambas-enredo. Em paralelo, escreveu livros, rodou o mundo e transformou-se em um verdadeiro embaixador cultural, fazendo a ponte entre o Brasil e a África.

Aos 78 anos, está de volta com um disco composto de material inédito – o que ele não fazia há 9 anos. Nesta sexta-feira, chega às lojas de todo o país "De bem com a vida". Como bem diz o cantor, é um álbum feito para se ouvir e não para sambar. "Todo disco meu tem um conceito e, depois de tanto tempo sem trazer novas músicas, optei por fazer um disco para se ouvir, para quem gosta de apreciar a musicalidade. A maioria das músicas têm apenas violão, cavaquinho e pouquíssima percussão", explica Martinho. A ideia, segundo o sambista, é reproduzir o clima de seu primeiro disco, lançado em 1969. "Naquela época não tínhamos muita parafernália para gravar e o resultado foi ótimo. Mas, logo no segundo LP (“Meu Laiaraiá” – 1970), eu meti orquestra. Foi uma revolução", explica.



Produzido por André Midani, ao longo das 14 faixas, "De bem com a vida" traz um repertório inteiramente autoral de Martinho, com um leque bem amplo de parcerias. Se, por um lado, parceiros tradicionais como Zé Katimba e João Donato se fazem presentes, compositores como Geraldo Carneiro, Ivan Lins, Francis e Olívia Hime e Carlinhos Vergueiro também assinam canções em conjunto com Martinho. Em consonância com a nova geração do samba, o compositor também assina "Samba sem letra", em parceria com Marcelinho Moreira e Fred Camacho. "As canções foram surgindo naturalmente, a partir de ideias e colaborações. Muitas são inéditas. Já outras, como ‘Amanhã é Sábado’, ‘Saravá, saravá’ e ‘Desritmou’ já haviam sido gravadas por outros intérpretes, mas nunca por mim", ressalta Martinho.

Um dos destaques do álbum é a participação do rapper Criolo, que faz dueto com Martinho em duas músicas ("Alegria, minha alegria" e "De bem com a vida"). O encontro foi motivo de alegria para o sambista.

Compus esses sambas, que são mais falados. A produção sugeriu que chamasse o Criolo. Eu não o conhecia pessoalmente, mas já tinha ouvido o seu trabalho e achava interessante. Ele veio e, de cara, falou que me ouvia desde garoto. Nos entendemos muito bem; ele é muito talentoso e o resultado ficou ótimo
O flerte com os ritmos africanos, uma das marcas do trabalho de Martinho, aparece em "Do Além", composta em parceria com Arthur Maia. Já o samba-enredo, subgênero em que se notabilizou e retomou a produção nos últimos anos, emplacando algumas vitórias em sua Unidos de Vila Isabel (em 2010, 2013 e 2016), não marca presença neste álbum. Segundo Martinho, por fugir ao conceito mais intimista. Por sinal, por conta da divulgação do disco, o cantor não participará da disputa de sambas da sua escola de coração para o próximo Carnaval. "Quando ganho o samba, me envolvo demais com a Vila. Preciso dar um pouco mais de atenção à minha carreira".

Nova turnê e Olimpíada

Martinho da Vila - Celso Pupo /Fotoarena/Folhapress - Celso Pupo /Fotoarena/Folhapress
Martinho da Vila cantou com as filhas e com a neta no encerramento da Rio-2016
Imagem: Celso Pupo /Fotoarena/Folhapress
Em outubro, Martinho começa a botar o pé na estrada. Nos dias 7 e 8, faz shows de lançamento de "De bem com a vida" no Rio de Janeiro, No fim de semana seguinte, é a vez dos paulistas conferirem o novo repertório. Falando em palco, torna-se impossível não lembrar da performance de Martinho na cerimônia de encerramento da Olimpíada. Em um Maracanã lotado, ele entoou clássicos de Pixinguinha, Noel Rosa e Braguinha acompanhado de suas filhas e neta. "Foi uma emoção imensa cantar um repertório tão bonito, escolhido pela Rosa Magalhães, com quem ganhei um campeonato pela Vila. É maravilhoso ver a nossa música ser valorizada como foi nas cerimônias. Só depois me toquei que cantei para a maior plateia da minha vida. Afinal, o mundo inteiro me assistiu pela televisão", derrete-se o sambista, que viu ainda no evento uma importante vitória contra a intolerância religiosa: "O hino nacional virou música de negão, só nos atabaques. Foi fantástico".

Extremamente politizado, Martinho se diz perplexo com o momento atual do país. E isso também se reflete em seu álbum. Logo na faixa de abertura, "Escuta, cavaquinho" (em parceria com Geraldo Carneiro), afirma: "Felicidade?/Uma utopia/ Que a gente curtia e vivia no presente/ Desse país que é todo eternidade/Com esse sol desfilando em carro aberto/ E o futuro muito incerto mas já cheio de  saudade". Uma mudança de perspectiva notável para quem, em plena ditadura militar, eternizou em "Tom maior" que seu filho teria a felicidade de ver um Brasil melhor. Na opinião de Martinho, o Brasil vive momentos de incerteza. "Não temos lideranças, vivemos um impeachment político. Mas tenho a esperança de que as coisas melhorem. Para isso, temos que estar de bem com a vida. É aí que está todo o conceito do meu trabalho. Não podemos perder a esperança, nem a positividade", receita.