Bob Dylan abre Desert Trip Festival com Paul McCartney na plateia
Paul McCartney estava na plateia, atento e embevecido como um fã qualquer. O telão mostrava uma edição de imagens de Bob Dylan em diversas fases da carreira. Súbito, pouco antes das 19h desta sexta-feira (7), no horário local (23h em Brasília), o próprio Dylan surgiu como numa emboscada e sobrepôs seu som à música ambiente, com sua banda já no palco, e triturou o culto à personalidade com "Rainy Day Women #12 and 35" (do disco "Blonde on Blonde", de 1966).
Estava ali no palco, em pleno deserto, feroz e expressionista, o homem que há cinco décadas é uma espécie de Grilo Falante da América, a consciência inconveniente e blasé de seus conterrâneos, praticamente um exilado em sua própria terra.
A câmera praticamente focalizava um vulto, em geral mostrando Dylan do alto, só o tampo do chapéu. O som perfeito que Dylan desfrutou na abertura do megafestival Desert Trip, (em Indio, Califórnia, a 204 km de Los Angeles), totalmente lotado, uma plateia estimada em 75 mil pessoas, amplificou sua figura destoante, sorrateira, critica.
Como de hábito, Dylan nunca toca a mesma coisa do mesmo jeito. "It's All Over Now, Baby Blue" (do disco "Bringing It All Back Home", de 1965) surgiu com nova métrica, suave e ardida ao mesmo tempo, talvez em uma das mais lindas versões.
O telão, gigante, uma cortesia de Roger Waters (a cenografia teve que se ajeitar com sua ópera-rock), mostrou uma enxurrada de imagens em preto e branco: um tigre dançando com seu domador, fábricas antigas, linhas de produção, letreiros de restaurantes, mendigos, um cachorro em cima de uma casa, ilhada pelas águas.
McCartney vibrou com "Desolation Row", a plateia parecia atônita com seu ídolo desafiador, que estava num dia especial (até dançar ele dançou!).
Baladas perfeitas com voz de lixa, como "Make You Feel My Love", traziam a velha disposição de Dylan de questionar os clichês, sem deixar de enfatizar os afetos.
As pessoas formavam fila, antes do show, para tirar foto na frente de um painel com a capa do disco "Highway 61". Quando ele tocou a canção, entretanto, raros a reconheceram (o ator Rob Lowe vibrou).
O lirismo seco de "Love Sick", de 1997, dava o tom. "Às vezes o silêncio pode ser como o trovão". O som de Dylan, pregando no deserto, mostrou sua atualidade no combate à indiferença e ao fascismo. Seu foco em uma era anterior à euforia com as máquinas, com o conforto utilitarista, a ênfase no significado: tudo isso realça sua figura de outsider nos dias atuais.
5 Comentários
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Eu me pergunto, pq os artistas de fora produzem boas músicas e com letras sobre várias questões sociais no cotidiano. Aqui alem de fazerem muitas músicas ruins, as letras sempre são de amor.
Que diferença de público dos anos 60 para hoje hein... Parece mais uma ópera da alta sociedade...