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Idolatrado, mas impopular, Wilco mostra alquimia rara em despedida em SP

Wilco faz show intimista a fãs e sortudos no Auditório Ibirapuera, em São Paulo - Chema Llanos/Divulgação
Wilco faz show intimista a fãs e sortudos no Auditório Ibirapuera, em São Paulo Imagem: Chema Llanos/Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

10/10/2016 12h05

Após uma campanha apaixonada dos fãs brasileiros, que fizeram acontecer três shows históricos, o Wilco se despediu do país na noite de domingo (9) em sua melhor forma, lavando a alma após uma espera de onze anos.

Relaxada, mas em plena sintonia, a banda americana fez uma celebração intimista no Auditório Ibirapuera, para 800 sortudos e privilegiados – que disputaram a tapa, e até mesmo antes da abertura oficial das vendas, os ingressos vendidos pela bagatela de R$ 20 reais.

O esforço não foi em vão: Desdenhando da extensão do palco, o sexteto preferiu tocar apinhado na extremidade, a menos de dois metros do público, a alquimia inspirada no country e no noise, que se aproxima de Neil Young e Beatles, e ganha vida entre sussurros e ruídos.

No Auditório, o setlist desceu sem massagem como na noite anterior, no Popload Festival, com destaque para as “mais suaves”. Canções de tom épico, como “You Are My Face”, “Radio Cure”, "Black Bull Nova" e “Reservations” aproximaram o público do formato que a banda tem apresentado nos Estados Unidos, na turnê do recente “Schmilco”, disco de alma punk, mas corpo acústico.

Recebidas com lágrimas e abraços na plateia, a sequência deu logo espaço para que a mesma potência e eletricidade do show anterior ganhasse corpo dentro do teatro. "Agradecemos pelo silêncio, mas vocês podem interagir mais", pediu o líder Jeff Tweedy, antes de tocar "Heavy Metal Drummer".

O vocalista e compositor da banda colocava o chapéu no peito para agradecer às manifestações apaixonadas. No bis, abraçou a prática de cantarolar o refrão na infinita jam de “Spiders (Kidsmoke)”, que os brasileiros lhe ensinaram logo na chegada no Rio de Janeiro, na quinta (6), no Circo Voador. Sorridente e irônico, pediu desculpas pela demora em colocar o país na rota de shows: “Nos vemos daqui a onze anos”.

Essência

Vindos de Chicago, o Wilco é um dos heróis do rock, no sentido clássico e independente. Após vender 500 mil cópias de seu álbum mais conhecido, “Yankee Hotel Foxtrot” (2002), e passar por experiências traumáticas com gravadoras, seus três últimos trabalhos foram lançados pelo selo próprio, a Dbpm. No mesmo momento, a banda deixava para trás a busca pelo Santo Graal sonoro e dava fim a alternância na formação.

Foi em 2005, na turnê de uma dessas obras-primas, “A Ghost is Born” (2004), que o Wilco descobre a equação perfeita de suas próprias expectativas. Com a chegada do brilhante guitarrista Nels Cline – ovacionado a cada apresentação por improvisar um solo mais bonito que o outro na já clássica “Impossible Germany” – e pela versatilidade de Pat Sansone, o Wilco se torna um grupo mais diverso, ancorado pelos talentos individuais e livre de conceitos.

A partir daí, a discografia passa longe da perfeição, mas se torna mais livre e instigante, seja no folk country em seu estado mais puro, em “Sky Blue Sky” (2007), ou na crueza e ironia de “Star Wars” (2015). Todos com nomes sem grandes significados, lançados longe do mainstream.

Não à toa, a banda se tornou um corpo estranho: um fenômeno de crítica, mas não de público, nos moldes de The Band, nos anos 1960 e 1970, e Radiohead (que, como exceção que confirma a regra, conseguiu estourar a bolha para o grande público sem fazer concessões).

Com exceção do Auditório, os shows por aqui não tiveram ingressos esgotados: o Popload Festival penou para vender suas entradas, e a apresentação no Rio de Janeiro foi feito para um Circo Voador quase pela metade de sua lotação.

Sem se levar a sério, Tweedy manda o recado no meio do show na nova “We Aren’t The World”, ao reeditar o famoso refrão cantado por Michael Jackson em “We Are the World” [Nós Somos o Mundo], canção do projeto beneficente USA for Africa, em 1980. “Está bem difícil se concentrar aqui com o que tem se passado nos Estados Unidos neste momento”, ele avisa, antes de apresentar a canção. 

A plateia logo explodiu entre “Fora Trump” e “Fora Temer”. “É, eu sei que aqui vocês estão com problemas semelhantes”, disse. “Mas ainda bem que estamos aqui juntos, no meio desses idiotas”.



Setlist:

Via Chicago
If I Ever Was a Child
Cry All Day
Company in My Back
I Am Trying to Break Your Heart
Kamera
You Are My Face
Misunderstood
Someone to Lose
Radio Cure
Bull Black Nova
Reservations
Impossible Germany
Whole Love
Passenger Side
Locator
We Aren't the World (Safety Girl)
Box Full of Letters
Heavy Metal Drummer
I'm the Man Who Loves You
Hummingbird
The Late Greats

Bis
Jesus, Etc.
Hate It Here
I'm Always in Love
Random Name Generator
Spiders (Kidsmoke)

Bis 2
I'm a Wheel