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Como Bowie, refugiados e mudança climática inspiraram Sting em novo álbum

Eric Ryan Anderson/Divulgação
Imagem: Eric Ryan Anderson/Divulgação

Jotabê Medeiros

Colaboração para o UOL

11/11/2016 14h55

Faz meio século que Pete Townshend, do The Who, tornou famoso o verso "espero morrer antes de ficar velho" na música "My Generation". Agora, Sting aparece com um novo manifesto da condição do roqueiro na canção "50.000": "Rock stars nunca vão morrer/ Eles só desvanecem". Essa é uma das faixas de "57th & 9th" (Universal Music), seu novo álbum que chega às lojas e aos serviços de streaming.

A letra de "50.000" foi uma constatação: muitos de seus colegas de métier (Glenn Frey, Lemmy Kilmister, David BowiePrince e, agora, Leonard Cohen) estão morrendo repentinamente, e isso o deixou abalado. Um desses amigos, o ator Alan Rickman (o Snape, da saga "Harry Potter"), que tinha câncer terminal, o convidou para jantar poucos dias antes de morrer, para se despedir. "Quando ícones culturais morrem, isso choca a gente", diz Sting em entrevista ao UOL, acrescentando que se preocupa em "como o futuro vai descrever você".

Aos 65 anos, o lendário performer, cantor, escritor, ator, baixista e vocalista britânico Gordon Sumner, ou só Sting, vendeu em sua trajetória cerca de cem milhões de discos, combinando a carreira solo e o trabalho de frontman do The Police. Apareceu em mais de 15 filmes como ator e estrelou seu próprio musical na Broadway, "The Last Ship", indicado a um prêmio Tony. Um dos seus livros, "Broken Music", lançado em 2003, ficou 13 semanas na lista dos mais vendidos do "New York Times".

Sting não precisa mais cortejar o sucesso. Ele já ocupa um lugar cativo na história do rock, mas sua maior preocupação hoje, confessa, é justamente retornar a um mundo de condições adversas para conseguir criar sua música. Mesmo que seja fantasia. Foi o que fez nas composições de "57th and 9th": isolou-se durante alguns dias no lado de fora do terraço de seu loft em Nova York, durante nevascas, para criar uma situação de "pressão artificial" e encontrar inspiração.

Sting - Divulgação - Divulgação
Capa do disco "57th & 9th" (2016), de Sting
Imagem: Divulgação

Composições ativistas

O nome do trabalho, "57th & 9th", remete à esquina em Nova York onde ele se via obrigado a parar todo dia no semáforo de pedestres, por cerca de um minuto, antes de atravessar o tráfego e enfiar-se no estúdio onde gravou o disco. A banda é a mesma que já o acompanha há mais de três décadas: Dominic Miller (guitarra), Vinnie Colaiuta (bateria) e Sting (baixo e voz), mais as participações especiais do baterista Josh Freese (Nine Inch Nails e Guns N' Roses), do guitarrista Lyle Workman e da banda The Last Bandoleros.

O novo disco é mais rock, tem peso e crueza em algumas músicas. "O aspecto mais importante da música, para mim, é a surpresa. Esse é o cerne do meu trabalho, surpreender", afirma ele, aparentemente incomodado com a pergunta sobre o papel que o rock and roll desempenha em sua vida. Assim como seus trabalhos mais recentes, que tinham componentes orquestrais e até música do século 16, ele achou que o retorno ao rock era a melhor surpresa agora.

Além de ser marcado pela morte de amigos próximos, "57th & 9th" faz coro pelo ativismo. A balada "Inshallah", por exemplo, tem duas versões na edição luxo do novo disco. "É uma canção sobre a crise dos refugiados no planeta. Não apresento uma solução política, apenas me coloco no lugar deles. Imaginei a mim mesmo com minha família em um daqueles botes", conta. A versão especial da música foi gravada em Berlim com refugiados sírios de Aleppo, que ele conheceu na capital alemã. "Foi interessante ouvir suas histórias".

Já "One Fine Day" é sobre as consequências das mudanças climáticas, mas Sting salienta que não tem intenção de ser o dono da razão sobre o tema, muito pelo contrário. "One Fine Day" tem formato pop, quase como um contraponto ao seu conteúdo. "Eu sinto que é mais efetivo dessa forma. Sou irônico na canção, e até um tanto cético", considera o músico.

Sobre a enérgica "Petrol Head", ele brinca: "Não é sobre mim. Às vezes, meu trabalho é ser um ator". E, claro, um ambientalista sempre atento. Sting conta que conhece os problemas dos índios isolados brasileiros, no Norte do país, acossados pela mineração e pelos fazendeiros, e que esse tema e outros são objeto de acompanhamento pela Rainforest Foundation, dele e de sua mulher, Trudie Styler, que está presente em 21 países. "Sei que é um grande problema, mas há muitos outros em diferentes lugares do planeta".

O primeiro single do disco, "I Can't Stop Thinking About You", que para alguns parece uma canção romântica, na verdade trata da crise criativa, da "obsessão de um escritor que todo dia se depara com uma página em branco à sua frente". A referência lembra o Nobel de Literatura dado este ano a Bob Dylan. "É um gigante do século 20. Achei o jeito como ele ganhou o Nobel e a forma como o recebeu extremamente Dylan. E eu respeito as duas maneiras", diz, rindo. "Romancistas e poetas contam histórias por meio de sua literatura. Dylan também conta histórias por meio de sua música. Escritores não precisam ter inveja nem precisam desqualificar Dylan, todos trabalham para contar bem suas histórias".

Rumores

Sting diz que "adoraria" vir ao Brasil com seu show em maio, como está sendo ventilado por aí, mas não confirmou a apresentação. "Gostaria muito, ficaria muito feliz se acontecesse, há muitos amigos para rever aí no Brasil", diz ele, por telefone, de Nova York.

Ele descarta um outro rumor: o retorno de seu grupo, The Police, para dois shows no festival Desert Trip, no ano que vem, na Califórnia. "Isso não vai acontecer", diz apenas. Não que o Police seja um legado inconveniente para Sting. Uma das faixas extras de "57th and 9th" é uma acachapante versão ao vivo de "Next to You", música do disco "Outlandos d'Amour" (1978). A nova versão foi gravada ao vivo no Rockwood Music Hall com Sting ladeado pelo grupo tex-mex The Last Bandoleros, e vai deixar siderados os fãs do Police.

"57th & 9th" é uma casa na dimensão perfeita de suas angústias e artesanatos sonoros, e certamente vai abriga todos os que gostam de música refinada.

Sting 2 - Eric Ryan Anderson/Divulgação - Eric Ryan Anderson/Divulgação
Sting: Ficaria muito feliz se acontecesse um show no Brasil
Imagem: Eric Ryan Anderson/Divulgação