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Em show de despedida no Rio, Black Sabbath faz Carnaval do metal

Henrique Porto

Colaboração para o UOL, no Rio

03/12/2016 05h00

A Praça da Apoteose, último trecho do sambódromo carioca, é o local onde ocorre a dispersão dos componentes das escolas de samba ao fim dos mundialmente conhecidos desfiles. Mas o que se viu ali, na noite desta sexta-feira (2), foi um outro tipo de Carnaval. No lugar de fantasias coloridas, camisas pretas; plumas, fitas e lantejoulas foram substituídas por caveiras, crucifixos e bandanas; e o ritmo frenético dos instrumentos de percussão cedeu espaço ao peso da guitarra distorcida. Tudo isso comandado pelo Black Sabbath. E, segundo anunciado, pela última vez.

O derradeiro show de Ozzy Osbourne (vocais), Tony Iommi (guitarra) e Geezer Butler (baixo) no Rio de Janeiro seguiu rigorosamente o roteiro das demais apresentações da turnê "The End", que marca a despedida dos palcos da banda que no fim dos anos 60 criou os parâmetros do que chamamos hoje de heavy metal. As mesmas 13 canções, os mesmos 95 minutos de duração, o mesmo script. A surpresa poderia ter sido a inclusão de "Hand of Doom", canção do álbum mais popular do grupo, "Paranoid", que vem sendo executada apenas esporadicamente ao longo da turnê. Mas não aconteceu.

Eram pontualmente 21h30 quando o grupo, acompanhado ainda pelo baterista Tommy Clufetos (que faz um solo enérgico servido como aperitivo para o clássico "Iron Man") e pelo tecladista Adam Wakeman (filho do também tecladista Rick Wakeman, ex-integrante da banda de rock progressivo Yes e que participou de algumas gravações do Sabbath), subiu ao palco. Delírio total do público logo no primeiros momentos do show, quando Tony Iommi atacou a sequência das três notas clássicas que ficaram conhecias como a "tríade do demônio", da canção homônima à banda. Mesmo prejudicado pela equalização do instrumento, que por vezes soava baixo e abafado, o guitarrista levantava o público a cada riff, imediatamente "cantado" pela plateia.

A propósito, que músico colossal é Iommi. Superou as limitações de sua mão esquerda, provocadas por um acidente quando ainda não era um músico profissional (teve as pontas de dois dedos decepadas por uma prensa na metalúrgica onde trabalhava), para criar alguns dos riffs mais poderosos, memoráveis e criativos da história do rock and roll — sobreviveu ainda ao uso abusivo de drogas e, mais recentemente, a um linfoma. Em cena, é elegante e discreto. Em nada lembra a afetação de músicos de outras bandas do gênero.

Ainda mais cultuado, Ozzy é o integrante mais carismático e talvez o mais adorado pelos fãs. Ao vivo, tem dificuldade com algumas notas, "bate na trave" em relação à afinação e às letras das canções de vez em quando, mas o público não parece se importar. Afinal, são quase 70 anos de idade e, assim como Iommi, teve intensa relação com determinadas substâncias ao longo da carreira. Não vibra, pula ou joga baldes d'água na plateia como antigamente, mas sobre o palco defende com dignidade a obra do grupo em atividade há quase cinco décadas.

É um show direto, enxuto. Nada parece ser pensado para distrair ou iludir quem assiste. Não há cenografia, efeitos pirotécnicos ou lasers de última geração. Apenas um palco, quatro músicos (Adam pilota seus teclados como membro "invisível" da banda, e só aparece quando é apresentado por Ozzy) e três telões. A julgar pela reação da plateia carioca, o que importa mesmo é o repertório, que, não só resiste ao tempo, mas ainda soa moderno. Além dos fãs, o que pode ser mais valioso para uma banda?

Fim do show, luzes acesas, o clima de êxtase se misturava ao inconformismo e à dúvida sobre se esta será de fato a última turnê da banda. Se o título da canção diz que todo o Carnaval tem seu fim, o Rio de Janeiro e a Praça da Apoteose provam sempre que não é bem assim.

SETLIST

"Black Sabbath"
"Fairies Wear Boots"
"After Forever"
"Into the Void"
"Snowblind"
"War Pigs"
"Behind the Wall of Sleep"
"N.I.B."
"Rat Salad"
"Iron Man"
"Dirty Women"
"Children of the Grave"

BIS
"Paranoid"