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Gabriel, O Pensador atualiza hit em que mata presidente: "Ninguém é mito"

Gabriel, O Pensador atualiza hit para Michel Temer - Reprodução
Gabriel, O Pensador atualiza hit para Michel Temer Imagem: Reprodução

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

24/10/2017 12h43

Vinte e cinco anos se passaram desde que Gabriel, O Pensador tomou de assalto as TVs e as rádios com uma solução imediata para o governo recheado de escândalos de Fernando Collor de Mello. “Hoje eu tô feliz, matei o presidente”, anunciava nas rádios. Não demorou para que a ameaça em forma de música fosse censurada.

Desde então, o rapper carioca recebe pedidos para que atualizasse o recado, mas foi só agora, ao saber da intenção do presidente Michel Temer em abrir uma área gigante da Amazônia à mineração para que o mesmo sentimento de revanche invadisse a mente: “Voltou a sensação de que eles fazem tudo o que querem impunemente”, explica ao UOL por e-mail.

Em “Tô Feliz (Matei o Presidente) 2”, Gabriel é acompanhado de indígenas que apontam suas armas para um homem adereçado com a faixa presidencial. Em menos de uma semana, o clipe somou 1,5 milhão de visualizações. A diferença agora é que o recado também é direcionado para o povo desunido que “se mata por partido”.

“Eu acho que todo radicalismo é ridículo, seja o do comunista ou o do militarista, e acho que nenhum político merece ser chamado de mito”, explica. Os seguidores de Jair Bolsonaro enxergaram um ataque direto ao ex-militar, mas Gabriel afirma que o recado é para geral: “Nenhum desses caras é mito, mito somos nós brasileiros”.

UOL - Como surgiu a ideia para uma nova “Tô Feliz (Matei o Presidente)”?

Gabriel, O Pensador - Já tinham me pedido pra fazer uma segunda versão antes, e os pedidos aumentaram com a avalanche de escândalos, mas foi o decreto absurdo de extinção da Renca [Reserva Mineral de Cobre e seus Associados, área de pesquisa mineral na Amazônia que seria liberada ao setor privado] que me inspirou a fazer a música. Para mim aquilo era um gesto simbólico de que eles fazem mesmo tudo que querem com o nosso patrimônio, sem dar a mínima para o que pensamos e nem mesmo para as consequências ambientais, para as vidas dos índios, enfim, tudo pelo dinheiro mesmo. Não podemos aceitar essa ideia. Os políticos estão lá para nos servir, nos representar. Está tudo muito deturpado, e faz tempo. Já falei sobre isso mais de uma vez antes em outras letras. Nós somos os donos desse lugar.

A música ataca diretamente Temer e dá indireta a Bolsonaro. Como vivemos momentos turbulentos em relação à censura às artes, acha que há o risco de a música ser censurada ou de você ser processado por difamação?  

Espero que não. Venho fazendo músicas de protesto em todos os governos que vieram depois do Collor. “Abalando”, “FDP”, “Pega Ladrão”, “Até quando?”, “Nunca Serão” e “Chega". Não me censuro na hora de compor, e sinceramente evito criticar um ou outro político pois pra mim, infelizmente, são quase todos iguais. Por isso incluí na letra um trecho em lamento "o povo desunido que se mata por partido, sem razão e sem noção, chamando políticos ridículos de mito". Esta é a parte que incomodou os fãs do Bolsonaro, mas o que eu quero nesse trecho da letra é fazer uma crítica construtiva. Eu acho que todo radicalismo é ridículo, seja o do comunista ou o do militarista, e acho que nenhum político merece ser chamado de mito.

Eu, você que está me entrevistando e a maioria dos leitores que vão ler essa entrevista já fizemos mais pelo Brasil, cada um, do que a maior parte dos deputados e senadores que estão hoje no Congresso trabalhando pouco e cheios de privilégios. Nenhum desses caras é mito, mito somos nós brasileiros!

Você já teve problemas em 92 com a música. Como você compara o momento político de 1992 com o de agora? O quanto (ou não) evoluímos no debate político?

Desde o “Retrato de um Playboy” e a “Loraburra” uma das coisas que mais me entristecem é a alienação do brasileiro em geral. Eu via os jovens bitolados, o povo desinformado, ideias retrógradas como racismo sendo aceitas naturalmente, e o sistema perpetuando práticas políticas e eleitoreiras que beneficiavam-se de todo esse quadro de pouca educação, pouca informação e nenhuma manifestação.

A internet surgiu e a informação e a manifestação aumentaram, mas as raízes dos problemas continuam iguais, algumas ainda mais fundas, 25 anos depois. Seria ótimo se houvesse debate político, e eu até tento contribuir pra isso um pouco de vez em quando com a minha música, mas o brasileiro está preferindo discutir política como se discutisse sobre times de futebol, e isso é triste, grave, perigoso e só serve pra ajudar quem se beneficia da alienação do povo, manipulando a massa, uns pra esquerda, uns pra direita, uns pra igreja... Pobre, rico e classe média, até quando vão ficar usando rédea?

Como você compara seu sentimento pessoal em relação à política com o que tinha naquela época?

Meu sentimento pessoal piorou, estou bem desiludido, mas nessa letra digo que no fundo ainda creio no poder da massa. É uma esperança que eu tento enxergar nas novas gerações, mas pra isso é fundamental as pessoas começarem a abrir os olhos e fugir de qualquer tipo de lavagem cerebral.

Quando você lançou a música em 92, o Collor caiu logo em seguida. Acha que o Temer ainda corre risco?

Não sei, mas é importante que o brasileiro grite que a corrupção não é normal, que as coisas não estão ok, que não está tudo bem. Por isso fiz a música “Chega”, no governo do PT, e por isso ela viralizou tanto, as pessoas estão indignadas e precisamos que essas vozes sejam ouvidas. Depois houve investigações e condenações mas em seguida voltou a sensação de que eles fazem tudo o que querem impunemente. E então eu escrevi e gravei mais uma música que dá voz a que discorda de tudo isso.

Acha que falar abertamente de política torna um artista mais relevante hoje em dia, quando o assunto parece ter tomado conta das redes sociais?
Não acho que os artistas tenham obrigação de falar sobre isso ou aquilo, apenas seguir seu coração e botar sua verdade naquilo que fazem. Às vezes eu prefiro falar e cantar sobre surf, amizade, comportamento, temas mais alegres. Meus shows têm um espírito de curtição também, com muito improviso, sorriso, positividade. Política pra mim é assunto chato, mas como eu digo em "Até quando?", não adianta virar a cara pra não ver.