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Nirvana é mais brasileiro que você imagina: Macaco Bong recria "Nevermind"

Bernie Walbenny/Divulgação
Imagem: Bernie Walbenny/Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

29/10/2017 16h21

Faça o teste e aperte o play: Você reconhece os primeiros acordes desse disco?

Pode não parecer, mas isso é “Smells Like Teen Spirit”, clássico absoluto do Nirvana. Ou era, antes de uma banda cuiabana colocar as mãos.

Vinte e seis anos depois, a obra mais importante do trio ganha um “remake” tipicamente brasileiro. É assim que o Macaco Bong tem chamado seu 5° disco, “Deixa Quieto”, que chegou às plataformas digitais este mês.

Como o título à la Google Tradutor revela, se trata de uma interpretação livre de “Nevermind”, álbum seminal que bagunçou a música pop nos anos 1990 e a vida de 9 a cada 10 adolescentes da época – Bruno Kayapy incluso.

Líder da banda, o músico ganhou o álbum ainda criança. “Foi o primeiro álbum que eu ganhei na minha vida”, lembra. “Se existem bandas que colocam seus instrumentos no carro para saírem tocando por aí foi por causa desse disco. Imagina isso para uma banda do Pantanal?”

Com essa influência direta, Bruno cresceu e fez do Macaco Bong a banda mais significativa do underground brasileiro logo no primeiro disco, “Artista Igual Pedreiro”, lançado em 2008.

Em nova formação, a banda agora implodiu o disco-referência para recriá-lo com novos arranjos e os famosos riffs desconstruídos. 

Você pode ser aquele ouvinte que pesca de cara a referência, como o caso de “Lírio”, versão de “Lithium”, com groove abrasileirado e peso de stoner rock“, ou aquele que vai sacar só na segunda audição, como é ""Móviaje" ("On a Plain") e “Loló” ("Polly").

"Nevermind" (1991) vira "Deixa Quieto" (2017) nas mãos do Macaco Bong - Divulgação - Divulgação
"Nevermind" (1991) vira "Deixa Quieto" (2017) nas mãos do Macaco Bong
Imagem: Divulgação

World music

As canções ganham títulos sarristas, inspirados no humor nonsense do rasqueado cuiabano, ritmo da cultura popular ribeirinha da região. “No colégio a gente ouvia muito e se tornou um tipo de humor influente nas linguagens artísticas”, explica Bruno.

Assim “Something in the Way” ganhou mais peso e o infame trocadilho “Somente Whey”. E “Come As You Are” virou um funk com um título que complementa o nome original, “Com Easy ou Uber”.

Mas a influência do rasqueado vai além. Criado por músicos virtuosos do Mato Grosso, o gênero ganhou o tempero do jazz e do blues no caldeirão popular. E é atrás de uma mistura improvável (mas homogênea) que a banda segue no disco.

O Nirvana, na verdade, é apenas o ponto de partida para uma viagem musical mais extensa em busca da textura setentista, com referências a Kool and the Gang, Lynyrd Skynyrd e até brasilidades como Luiz Bonfá. Nada é descabido. 

Para o ouvido afinado do Bruno, ele não vê distinção entre os arranjos do Nirvana e as harmonias do mestre brasileiro Tom Jobim. “Os dois tinham composições de três acordes que não necessariamente resolviam a progressão logo na primeira nota”, explica. “Isso é revolucionário no ponto de vista de arranjo da música."

“Eu consigo tranquilamente ouvir o ‘Nevermind’ e depois colocar um disco do Robertinho do Recife. Não é absurdo. É world music”, defende.

Show da banda Macaco Bong no festival Planeta Terra, em São Paulo (07/11/2009) - Mila Mahuly/UOL - Mila Mahuly/UOL
Macaco Bong no festival Planeta Terra 2009
Imagem: Mila Mahuly/UOL
Salvando a cena novamente

A intenção de fazer reviver o clássico grunge em pleno clima árido do Mato Grosso vai além da homenagem. É também uma estratégia de sobrevivência. Por mais importante que seja na cena instrumental, o Macaco Bong tem que ralar para se manter de pé. “Com uma turnê de muito sucesso você consegue no máximo empatar [as contas]”, observa o músico.

Revisitar Nirvana pareceu uma ótima ideia para atrair novos fãs. “É o álbum certo para alguém que não nos conhece sacar o que é o Macaco Bong e até curtir, entender a nossa brisa”, torce. “E nós estamos deixando de ser menos resistentes com coisa de música de rádio, fazer algo mais acessível e pop, mas que não precisa ser ridículo.” 

A releitura, ele garante, não precisa necessariamente de autorização de direitos autorais. “Seria necessário se lançássemos uma versão com o mesmo título da música, tocando os mesmos acordes e a mesma métrica dos arranjos. Se você mudar isso, pode ser considerado como original”, explica.

Nada que impeça os representantes do Nirvana de entrarem com alguma ação. Mas falando como se conhecesse bem os homenageados, Bruno confia: “Rola esse carinho de olhar para o Dave [Grohl] e o Krist [Novoselic], para a filha do Kurt. Na moral, vocês acham que a gente é quem? O Justin Timberlake? Só somos uma banda brasileira pequena que jamais vai fazer dinheiro com isso, a não ser um showzinho ou outro.”