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"Não me cobro para lançar sucessos eternamente", diz "hitmaker" Lulu Santos

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

01/11/2017 04h00

Há anos longe das paradas, Lulu Santos tanto nasceu para ser “hitmaker” que hoje, em plena supremacia do "funknejo", o apelido ainda insiste rondar sua platinada figura. E ele não está nem aí. Em seu novo álbum, “Baby Baby!”, escolheu tocar apenas sucessos de terceiros. No caso, os da amiga Rita Lee, também autoridade no ofício. Mas os tempos eram outros.

“Talvez fique uma cobrança de fazer isso [hits] mais ou eternamente. A mim não passa isso. Não sinto isso”, afirma ao UOL Lulu, que decidiu homenagear a ex-Mutantes após devorar “Rita Lee - Uma Autobiografia”, editada no ano passado. A inspiração rendeu um disco retrospectivo de arranjos ecléticos, que resvalaram no rock, blues, bossa, raggae trap music e até funk carioca.

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Nenhuma novidade para quem está planejando um álbum só com as mais bombadas do gênero. “Acho tudo isso tudo que está rolando [no funk] muito saudável. Adoro Ludmilla, adoro Anitta, Nego do Borel. Acompanho muito de perto, porque eu sempre tive conexão com o funk carioca”, diz Lulu, que enxerga no êxito sertanejo uma espécie de "vingança tardia" de um segmento ignorado por décadas.

Sobre o momento político, o cantor sinaliza um sentimento pessoal de apatia e total desinteresse, como um espelho do país. “Viu-se tanta gente na rua, tanta força, panela para lado e outro, tanta coxinha e tanta mortadela. Avançou-se? Outro dia o Gabriel O Pensador falou com muita clareza. ‘Eu escrevi a música [Tô Feliz (Matei O Presidente)] há 25 anos, e as questões continuam as mesmas’.”

O cantor Lulu Santos - Divulgação - Divulgação
O cantor Lulu Santos
Imagem: Divulgação

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

UOL - É verdade que você só fez esse disco porque pirou com a biografia da Rita Lee?

Lulu Santos - Sim. A Rita é uma pessoa resguardada, como eu. A franqueza com que ela conta a história dela... A história é contada a partir do ponto de vista de cada um. Isso me desarmou, sabe? Me deu uma saudade enorme da pessoa, com quem eu não tenho estado há algum tempo. Ler como ela fez cada uma daquelas músicas, e ela é muito precisa nas descrições, me fez ver o avesso daquilo: como cada uma daquelas músicas bateu em mim ao longo do tempo em que ela descreve.

Na verdade, eu só sou artista por causa dos Mutantes. Depois que os conheci, não queria mais ser estudante de nada. Queria aprender a tocar guitarra como o Sérgio Dias. Queria fazer como eles faziam os instrumentos. Queria ser seduzido pela magia da Rita. Ela era como uma fada. Uma 'Rhiannon', tipo Stevie Nicks [vocalista do Fleetwood Mac]. Tinha uma coisa hippie, materna, e ao mesmo tempo andrógina. Era tudo muito excitante.

E o que ela achou do disco?

Depois que li o livro, mandei um Whatsapp para o Beto Lee [filho]. Falei da ideia e perguntei se ele se incomodava em ser minha ponte com ela e o Roberto de Carvalho. Em seguida veio uma mensagem do Roberto. A partir daí, toda vez que eu finalizava algo ele era o primeiro a ouvir. Eles foram ouvindo o álbum à medida que eu progredia. E foram muito entusiastas e carinhosos. Acabou que a Rita postou uma 'resenha' no Facebook e mostrou uma foto com o kit promocional do disco no Instagram. Posso dizer que eles gostaram.

Virou lugar-comum te chamar de “hitmaker”. Não te incomoda?

Não. É uma forma de categorizar. Você precisa de categoria, né? Na medida que tive a sorte de ter muitas canções que tiveram muita execução por muito tempo em rádio, que fazem a memória coletiva de muita gente, por que eu me incomodaria com isso? Talvez fique uma cobrança de fazer isso mais vezes ou eternamente. A mim não passa isso. Não sinto isso.

O fato é os “hitmakers” não estão mais no seu pop rock, mas no funk e no sertanejo.

Acho tudo isso que está rolando muito saudável. Adoro Ludmilla, adoro Anitta, Nego do Borel. Acompanho isso tudo muito de perto, porque eu sempre tive conexão com o funk carioca. Gravei com Marcinho, Buchecha. Eles gravaram comigo. Talvez eu tenha sido a primeira pessoa mais "mainstream" a ter uma música produzida pelo MC Mãozinha, "Deixa Isso Pra Lá".

Agora temos o Sany Pitbull, maestro do funk carioca, que está produzindo um álbum 'O Funk Canta Lulu Santos', com Naldo Benny, Valesca, Pocahontas, Buchecha, Leozinho. Eu tenho vontade de fazer um disco com sucessos do funk, há muito tempo. “Tremendo Vacilão” [cantada por Perlla] é uma canção espetacular. Na época do funk melody, muitas canções eram muito legais. Até porque, em certo sentido, eles herdaram a melodia da gente, do pop brasileiro.

E o sucesso dos sertanejos?

Preciso admitir que a fase sertaneja, que resultou no fenômeno da sofrência e agora das mulheres, tem uma potência cultural muito grande e que em certo sentido foi negada durante muito tempo em que se achou que o Brasil era o que se desenhava no litoral do Sudeste. Isso veio como uma vingança, e, como toda vingança veio, um pouco amarga. Mas não é amarga para ninguém, muito pelo contrário. Eles estão saboreando os frutos da existência disso de forma maciça.

Tenho certeza que o Nelson Motta sonhava ver o país “melhor no futuro”. Ele viu? Não. Quando mandei mensagem de aniversário, ele escreveu: “Just happened to survive this shit” [Apenas sobrevivendo a esta merda, em tradução livre]. Acho que nossa nacionalidade tem um preço muito alto. Para não pagar esse preço, estou começando a ficar apático.
Lulu Santos, sobre o momento político brasileiro

É comum os realities terem um jurado mais linha-dura, “carrasco”. Por que vocês, no “The Voice”, são tão paz e amor”?

Tem a ver com o formato. E a gente também não quer resvalar na maldade. Porque ela pode ser gratuita. Nosso interesse é construir mesmo quando a gente não consegue aprovar. Temos uma humanidade. Acho que vem um pouco das características de cada um de nós. Não tem uma diretriz expressa, mas tem uma aura de que ali não cabe a maldade.

Eu mesmo não sei sobre a história da pessoa quando estou a ouvindo ali de costas. Só depois que eu consigo ver no programa gravado. Às vezes é um cara que era o porteiro, uma mulher que não tinha bem onde morar. Tem uma obrigação moral ali de ser humano.

Você já fez desabafos homéricos no “Domingão do Faustão” sobre política. Por que não está se manifestando agora?

Como pessoa que vê notícia todo dia, acho que represento o povo brasileiro dizendo que estou anestesiado. O que pode ser pior? O corporativismo, talvez. Quanto mais a gente sabe, mais à nossa revelia as coisas acontecem. Na verdade, eu já passei para a apatia e certo desinteresse.

Meu parceiro Nelson Motta fez 73 anos esta semana. Tenho certeza que, desde a juventude, ele sonhava ver o país “melhor no futuro”. Ele viu? Não. Quando mandei a mensagem de aniversário, ele escreveu: “Just happened to survive this shit” [Apenas sobrevivendo a esta merda, em tradução livre]. Acho que nossa nacionalidade tem um preço muito alto. Para não pagar esse preço, estou começando a ficar apático.

Como está assistindo às recentes críticas a artistas e às denúncias de censura à arte?

No Brasil, a gente passou de um grande cinza para uma sociedade polarizada, como são a maioria das sociedades. A nossa ainda é um pouco indistinta. Mas há setores que se manifestam de forma virulenta. Mas eu também enxergo uma contrapartida. Vejo gente dizendo que a arte não pode ser censurada. Vi agora os museus botando classificação indicativa, o que achei uma coisa acertada. Acho que toda ação tem uma reação contrária. A questão é administrar os avanços e procurar avançar, sem ceder ao retrocesso.

Você já se definiu como "progressista". Ainda é?

Sempre fui. Outro dia me li dizendo que “não tenho saco para ser ativista”. Na verdade, eu disse “ativista, não, mas ‘passivista’ também não”. Acho que ser ativista leva um custo enérgico que eu raramente estou disposto a ceder. Estou vendo essa movimentação dos artistas, do Caetano, Paula Lavigne. Mas, às vezes, me parece muito “murro em ponta de faca”. Como se houvesse uma necessidade de atuação na seara política. Não sei há uma obrigação para o artista fazer isso.