Mary J. Blige é puro drama
Rodrigo Silveira
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Jan Fjeld
Mary J. Blige deixou de lado a sua predileção por cafajestes e canções de fossa do passado e está querendo se divertir. Ficaram para trás as canções sobre o amor que não deu certo, os amantes que a deixaram e os amigos que a traíram. Agora Blige, 30, está querendo sorrir e dançar.
"No More Drama", o disco que chegou ao primeiro lugar na parada norte-americana de r&b/hip-hop já na segunda semana após o lançamento, em setembro, mostra, no entanto, que apesar dos esforços para afastar os temas densos, Blige continua sendo a rainha do drama na voz, nas letras e na música. E é essa a sua força.
Blige entrou no mundo pop com o o álbum "What's the 411", uma produção de Puff Daddy e da gravadora Uptown Records, que fez furor nas paradas de r&b/hip hop nos anos 90 com artistas como Jodeci, The Notorious B.I.G e Faith Evans, vendendo milhões de CDs mundialmente.
A exemplo dos outros discos, neste último a diva está bem acompanhada. The Neptunes, os produtores assediados por gente como Britney Spears e Michael Jackson, produzem uma faixa. Missy Elliot, Dr. Dre, Jimmi Jam e Terry Lewis (estes dois últimos são também produtores de Janet Jackson) também estão no disco. E no repertório de compositores figuram Al Green, Brenda Russell e Lenny Kravitz.
Na faixa-título "No More Drama", Blige começa a mostrar sua ironia. Usando como fundo a música "The Young and the Restless," que é trilha da novela norte americana "The Young and the Restless", atualmente em cartaz na rede CBS, Blige introduz sua voz séria e rascante em forte contraponto com o tema xarope de piano da música de TV. "Era jovem e inquieta / mas faz tempo/ não quero chorar mais ("I was young and restless/ But that was long ago/ I don't want to cry no more.").
A ironia continua, misturada com o humor, na faixa "PMS". Ali, a bela música "Simply Beautiful" de Al Green, vira música sobre TPM. Com uma introdução da guitarra de Lenny Kravitz em clima de confidencialidade, Blige anuncia que quer falar para as moças sobre algo que ela tem certeza que interessa a todas. E aí, sai cantarolando:
"Minhas ancas doem / minha roupa está apertada / Esta é a pior parte de ser mulher / Dá um tempo / Sai fora / Que estou com TPM" ("My lower back is aching/and my clothes don't fit / This is the worst part of being a woman /give me a break/get away /cuz I'm PMSing").
O resultado sonoro é lindo. Sobre o tema de violão, contrasta seu timbre de voz grave e anasalado. É talvez uma homenagem à sua maior influência, Millie Jackson, uma espécie de Maysa dos EUA, com as suas introduções faladas, anunciando o que está por vir.
Outro sample curioso usa trechos de "The Bed's Too Big Without You", a canção lamento de Sting (na época do Police), que na desconstrução de Blige vira a dançante "Dance for me".
Na faixa "Steal Away" Blige faz dueto com Pharrell Williams que, junto com Chad Hugo, forma a dupla quente do momento, The Neptunes. Nesta, Blige faz coro com a sua própria voz contrastando com, às vezes, rap e, às vezes, o canto em falsete do Williams. Apesar do suíngue mais para o rhythm and blues, a batida tipo "old school" mantém o elo que liga Blige à comunidade hip hop.
Criada no bairro de Yonkers, Nova York, Blige sempre manteve uma ligação forte com a comunidade hip hop, sendo uma dos seus maiores sucessos um dueto com o rapper Method Man, ex Wu-Tang Clan, com a música "You're all a need to get by".
Agora, ela chega ao seu sexto álbum (não contando o ao vivo, The Tour, de 1998) livre do seu antigo empresário e mentor Puff Daddy. Ficou tudo em família e a sua empresária é a irmã, Latonya Blige da Costa.
Não foi só Puff Daddy que ficou no passado. Também suas respostas grosseiras dadas em entrevistas, brigas com a platéia e escândalos públicos cederam lugar, ao que parece, a uma nova Mary. É ela mesma que se encarrega de explicar em "Forever No More": "Now across my face is a brand new smile/ With a newly revealed meaning of a "Destine Child"/ A message of hope is being released from my heart/ and I am overwhelmed with dedication to do my part."