Rodrigo Silveira
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Jan Fjeld
A segunda parte (a primeira está
aqui) dos lançamentos que fizeram o mundo pop pulsar em 2002 tem um quê de formato acústico, embora não tenham nada a ver com MTV Acústico. As grandes gravadoras já estão apostando no renascimento de cantores/compositores que são um show por si só no formato banquinho e violão.
O bem destacado Damon Cough, mais conhecido como Badly Drawn Boy, é o mais conhecido e comercialmente bem-sucedido artista deste renascimento do folk com um pé no country. Vale mencionar também o Beck que este ano apostou na máxima "menos é mais" no seu álbum "Sea Changes" em que se livrou da parafernália eletrônica que o acompanhava em álbuns anteriores.
Como a primeira lista de "melhores do ano" indicava, a tendência predominante no pop 2002 foi de olhar o passado em procura de um futuro melhor. Nos cinco lançamentos que seguem não é muito diferente. Todos soam bem retrô. "O Pulso" destaca os cinco melhores desta ala de música pop que foca o lado esquerdo do cérebro. Melancolia, delicadeza e "food for thought" estão em primeiro plano.
Kathryn Williams, "Old Low Light" (EastWest, 2002) A cantora e compositora inglesa
Kathryn Williams, tem uma voz fora do comum, faz melodias delicadas e trata de assuntos como angústia, solidão e a insustentável leveza do ser nas suas letras. A sua identidade vocal fica numa área entre Joni Mitchell e Nico, tanto pelas inflexões e pelo alcance quanto pelos temas abordados.
O seu álbum "Old Low Light" é o terceiro da sua carreira (o primeiro por uma gravadora grande) e é, como os anteriores, uma jóia. Neste novo, Williams amplia um pouco a sua instrumentação para além da voz e violão. Ela toca guitarra elétrica na faixa "Judas" e se aventura no piano e no trompete em outras faixas, com bons resultados. O seu colaborador em todos os três álbuns, o produtor Head, é também um colaborador permanente de PJ Harvey. "Old Low Light" traz uma dúzia de suas tenras canções com destaque para "Little Black Numbers", o quase rock "No One To Take You Home" e a sutil "Tradition". "Little Black Numbers" é também o título do seu segundo álbum lançado em 2000, cuja beleza chamou atenção da gravadora EastWest, que é distribuída através da multinacional Warner. Como vários dos outros destaques desta lista (Lucinda Williams e Beth Gibbons), Williams usa voz e violão para criar, cantar e curtir aquela melancolia que faz sentir tristeza e maldade ao mesmo tempo.
Beth Gibbons & Rustin Man, "Out of Season" (Go Beat!, 2002) "Out of Season" é o primeiro resultado comercial (formato álbum) de uma colaboração de longa data de Beth Gibbons e Paul Webb (nome artístico de Rustin Man). Beth Gibbons é a cantora e letrista da dupla Portishead (a outra metade é Geoff Barrow), um dos pilares da trindade do trip hop de Bristol, junto com Massive Attack e
Tricky.
Gibbons fez no seu álbum de estréia com Portishead, "Dummy" (Go!, 1994), um dos álbuns de fossa com maior ressonância mundialmente, tornando-se uma pop star da noite para o dia, apesar da sua aparente relutância em aparecer e dar entrevistas. Gibbons não é uma grande cantora no sentido alcance ou técnica. O forte da sua voz é o timbre rouco e a sua intensidade.
Paul Webb era metade da banda inglesa Talk Talk, que fez sucesso nos anos 80 na onda dos "new romantics" com o seu atmosférico e melancólico pop. Muito desta melancolia e atmosfera está presente neste primeiro álbum da colaboração Gibbons e Webb em "Out of Season", embora não seja o bastante para cortar os pulsos e ou mesmo para movimentar os pés - nem sequer para dar uma batidinha na mesa com os dedos.
A melancolia de Beth e Paul é madura e não tão sem saída como a do Portishead de antigamente. Faixas como "Mysteries" e "Funny Time of Year" são ótimas companheiras para a madrugada, estimulam pensamentos sobre a vida que passou e sobre o que nos resta. Na última, Beth dá a dica: "Turning now I see no reason. The voice of love so out of season. I need you now. But you can't see me now. I'm traveling with no destination. Still hanging on to what may be" (Olhando para trás, não vejo muita razão. A voz do amor tão fora de estação (título do álbum). Preciso de você agora, mas você não está me vendo. Estou viajando sem destino. Ainda me pego no que está por vir).
É uma forte e honesta declaração de uma mulher que foi pop star contra vontade própria, se acreditamos no seu marketing pessoal. Nem importa especular sobre a real vontade ou não de uma ex-cantora de botequim se tornar uma pop star. O que importa é que Gibbons está de volta com um álbum semi acústico (com a sua cara estampada na capa), com dez boas músicas em colaboração com Paul Webb.
E prometeu ela, no seu
site oficial, que teremos um novo álbum do Portishead em 2003.
Lucinda Williams, "Essence" (Lost Highway/FNM, 2002) A norte americana Lucinda Williams é uma candidata pouco provável para ser a rainha do pop, mesmo que ela tenha ganhado
vários Grammys com suas composições e os seus dois recentes álbuns "Car Wheel On A Gravel Road", de 1999, e agora com "Essence", que venderam milhões de cópias. Lucinda tem um histórico de brigas com produtores e gravadoras que queriam opinar sobre seu trabalho, dar um ar mais pop às suas canções. E, se a Lucinda Williams é uma celebridade hoje, é por mérito próprio e pela força do seu trabalho. Lucinda Williams faz música de raiz e não existem paradas de sucesso para sua música. O seu acompanhamento é baseado em duas guitarras, violão (o dela), baixo, bateria e ocasionalmente teclado. Mas Williams é rock demais para o mundo country, country demais para o mundo do rock e não se encaixa no mundo folk. A cantora Emmylou Harris escreveu sobre Lucinda em um perfil para a revista Time: "sua voz é tão devastadora e emocionante que ela poderia cantar a lista telefônica".
Filha de pai poeta e mãe pianista, Williams cresceu viajando pelas Américas, tema também recorrente em suas canções. Conviveu em casa com os poetas da geração beat Allen Ginsberg e Charles Bukowski, citados como influência. Outras influências são Bob Dylan, Jim Morrison e até Astrud Gilberto.
Lucinda não joga palavras fora e não se reprime na hora de cantar sobre a sua vida íntima, fazendo o seu cancioneiro de músicas sobre os rituais de amor, de dor, de perda e de fé.
Beth Orton, "Daybreaker" (Heavenly, 2002) Com os seus 32 anos, Beth Orton é a mais nova desta lista de dicas de final de ano e é a que pega mais leve nas letras, embora se sinta mais à vontade em explorar elementos eletrônicos no seu estilo banquinho e violão. Blueseira, a cantora e compositora inglesa sempre teve um violão na mão e um pé na música eletrônica. Ela chegou ao público eletrônico através de uma colaboração com os Chemical Brothers, que remixaram várias das suas músicas.
Mesmo assim, no novo disco "Daybreaker", o seu terceiro, lançado pelos independentes Heavenly/Astralwerks e no Brasil pela EMI, ela se concentra numa forma mais tradicional e acústica nas interpretações de dez pungentes e melancólicas canções. É como se Orton tivesse se livrado do excesso eletrônico que teve origem na sua impressionante e pioneira estréia de 1996, "Trailer Park".
Em
"Daybreaker", Orton se mostra mais segura, mais convincente. Por isto, a cantora fecha o ano abrindo os shows de Saint Etienne em uma apresentação só com voz e violão.
Zero7, "Simple Things" (Palm Pictures/FNM, 2002) Zero7 é uma dupla de produtores que muito provavelmente nunca se apresentará no formato banquinho e violão. Os dois garotos do norte de Londres, Henry Binns e Sam Hardaker não cantam e não tocam violão. O que eles fizeram no seu álbum de estréia,
"Simple Things", foi inventar uma nova forma de fazer música folk através da eletrônica. Convidaram alguns colaboradores para tocar e outros para cantar as músicas de sua autoria. E, embora sendo um álbum essencialmente eletrônico, Zero7 tirou o peso das sonoridades eletrônicas e focou-se no vocal, nas harmonias e nas melodias tímidas. Como escreveu esta coluna na época: "É um tour de force com belíssimas pinturas sonoras que evocam cores quentes e pensamentos intimistas por meio de suas melodias tímidas, arranjos sofisticados, vocais suaves e harmonizações elegantes".
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