O mais recente lançamento da pequena gravadora londrina
Soul Jazz Records resgata o gênero dancehall, traz à tona a simbiose do dancehall com o hip hop e mostra uma seleção que tem o pé firme na eletrônica. A excelente compilação "Nice Up the Dance" (SoulJazzRecords 2003) traz alguns clássicos de dancehall, como "Ring the Alarm" e "Boomin' In Ya Jeep", e produções mais recentes, como "Satisfied", na voz do norte-americano J Live.
Dancehall (ou ragga) é a versão jamaicana do hip hop que, por sua vez, é um resultado direto de dois antepassados: o reggae e o
dub jamaicano tanto pelas técnicas de produção, como pelas raízes e temas tratados. O dub, o dancehall e o hip
hop, com a sua filosofia de samplear, copiar e colar, são todos música pós-moderna por excelência. Como mostra "Nice Up the Dance", a ligação entre os gêneros é muito íntima. Há muito de soul e de rhythm and blues no reggae e no dancehall como há também no hip hop.
O álbum vale pela inclusão do clássico "Ring the Alarm" com Tenor Saw, de 1985. O primeiro hit de danchall a fazer sucesso também no mundo hip hop norte-americano. A música é bem simples. A base é criada em um teclado Casiotone, por Winston Riley, originalmente chamado "Stalag 17", com a batida sincopada básica de reggae. O vocal é estranho. Meio anasalado e hipnótico, repete ad infinutum: "Ring the alarm / another soundboy's dying". Nascido em Clive Bright, Kingston, em 1966, Tenor Saw nunca aproveitou o sucesso de "Ring the Alarm". Ele morreu atropelado em Texas em 1988. Ouça a versão hip hop em
alta ou em
baixa velocidade.
A elegante versão de "No No No", na voz de
Dawn Penn, é da dupla de produtores Steelie & Cleevie e é outra faixa com peso nesta compilação. A dupla, junto com Sly & Robbie, é umas das mais prolíficas produtoras na ilha. "No No No" foi um sucesso mundial na sua versão dancehall quando lançado em 1994, embora a versão original em rocksteady tenha sido gravada pela própria Dawn Penn e produzida pelo Clement "Sir Coxone" Dodd no lendário Studio One no final dos anos 60. Ouça a versão de Steelie & Cleevie em
alta ou em
baixa velocidade.
E, realmente, não dá pra falar de dancehall ou reggae hoje sem falar em Sly & Roobie, aqui representada com a sua produção minimalista (vocal, bateria, baixo e a marcação do ritmo feita pela guitarra) para a faixa "The Boom" de Chaka Demus and Pliers - uma das duplas de dancehall de maior sucesso fora da ilha. Ouça "The Boom" em
alta ou em
baixa velocidade.
Bem mais nervoso, em letra e musica, é "Boomin' In Ya Jeep", com Sreechy Dan, na produção de Kenny Dope. Dope, com Louie Vega, forma a dupla nova-iorquina Masters At Work, conhecida por suas fusões de música latina e afro com house. É hip hop, é ragga e é um caldeirão de samples. Ouça "Boomin In Ya Jeep" em
alta ou em
baixa velocidade.
O rapper J-Live, norte americano, ataca na faixa "Satisfied" e representa a fase atual de dancehall na compilação. Nesta faixa, há um sample do clássico "East of the River Nile", de Augusto Pablo, também sampleado pelo Damon Albarn para a sua banda paralela,
Gorillaz. Esta música foi lançada originalmente como single pelo selo underground de hip hop Coup d'Etat, nos EUA, e posteriormente incluída no álbum de estréia do nova iorquino J-Live, "All of the Above (Coup D'État, 2002). Ouça um dos mais letrados rappers da atualidade na faixa "Satisfied" em
alta ou em
baixa velocidade.
A música, "If I Know Jah", na voz do toaster inglês Singer Blue, é bem representativa do espírito de resgate desta compilação. A música é baseada em um sample dos anos 60, do lendário produtor de soul
David Axelrod, e, embora a sua cozinha seja bem picotada (copy and paste), faz um curioso contraponto com a letra, que é um louvor a Jah. Ouça "If I Know Jah" em
alta ou em
baixa velocidade.
Um dos primeiros grandes produtores de dancehall, o jamaicano
King Jammy, está bem representado na compilação com a música "Synthesizer Voice" com Pompidoo, um toaster de Kingston que tem o dom de fazer a sua voz soar como um sintetizador. Ouça "Synthesizer voice" em
alta ou em
baixa velocidade.
Como reggae e dub, o dancehall nasceu nos guetos de Kingston, resultado da influência de gêneros irmãos como rhythm and blues, soul e hip hop, apenas adaptado para o gosto e condições de feitura local. Dancehall é, como diz o nome, para dançar e, quando há letras, elas são, na maior parte, bem machistas. Assim como a maioria dos rappers norte-americanos, os toasters jamaicanos se gabam das suas proezas sexuais, da sua coleção de armas e de seus carros.
Mesmo assim, a seleção de repertório no "Nice Up the Dance" dá uma impressão menos machista que de costume, com a inclusão de músicas louvando Jah e a melancólica canção de amor na suave voz de Dawn Penn. "Nice Up The Dance" mostra também que a origem de uma música não é tão importante, o importante é o que você consegue fazer com ela. Para
quem se interessa pela história de reggae, dancehall e de hip hop, a compilação é um achado.
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