Atenção: este CD é um retrato de uma época e, além de poder causar danos com as suas baixas freqüências às suas caixas de som, causa sérios ataques de sentimentalismo. "Wild Dub - Dread Meets Punk Rocker Downtown" (SelectCuts/EchoBeach, 2003), como indica o título, traz 14 faixas (uma "escondida") de selvageria sonora.
"Wild Dub" é o retrato da primeira safra de dub-punk - uma fusão que se deu dos encontros do movimento punk com as culturas musical, mística e religiosa do reggae e dub dos imigrantes caribenhos, no final dos anos 70, em Londres. A coletânea é puro eco, reverberação, distorção e repetição - o dub -, em versões punk de artistas como The Clash, Killing Joke, The Slits, Grace Jones e Generation X.
A faixa-título, a mais punk da coletânea, é de Generation X, de 1977, e deixa claro que a banda fez bem mais do que fundo musical para Billy Idol. "Wild Dub" traz muita guitarra rasgada e distorcida e, de repente, no meio da música, parece que alguém descobriu como fazer os efeitos de eco e reverberação. Segundo a lenda, é a primeira faixa punk-dub da história. Ouça "Wild dub" em
alta ou em
baixa velocidade - é hilária.
Na coletânea há também produções que contam com a mão de veteranos do mundo do dub, como os jamaicanos Sly and Robbie, com uma linha de baixo mais autêntica ali e um efeito mais pesado acolá. A sensacional versão dessa dupla de ouro do dub para a música "Private Life", de Chrissie Hynde, inaugurava uma nova década e uma nova forma de fazer música pop. A música, gravada por Grace Jones no lendário Compass Point Studio, nas Bahamas, em 1980, é pesada e eletrônica. Apesar da batida downtempo, foi um sucesso nas pistas na época. Ouça "Private Life" em
alta ou em
baixa velocidade.
No encarte do CD, a jornalista, compositora e agitadora cultural norte-americana Vivien Goldman situa a coletânea e enfatiza o ineditismo das músicas. Disse ela: "Esta eclética coleção de lados Bs capta uma preciosa colisão cultural que ocorreu na Inglaterra durante os anos 70, quando reggae era a nossa religião e dub, o nosso sagrado sacramento".
Na época, Goldman morava em Londres, era vocalista do grupo Flying Lizards e escrevia para o semanário punk "Sounds" -e mais tarde para a "Melody Maker". Além disso, ela se aventurava no mundo do dub. A sua faixa, "Private Armies", de 1981, foi produzida por Adrian Sherwood e gravada no estúdio de John Lydon (ou Johnny Rotten). A música conta com colaborações da banda inglesa Aswad, de Robert Wyatt e de próprio John Lydon. Ouça e épica "Private Armies" em
alta ou em
baixa velocidade.
A arrastada versão dub de "Bankrobber", do Clash, é hipnótica e parece uma revelação sonora. A versão presente na coletânea é a de "Black Market Clash" (Epic, 1980), disco com faixas que "sobraram" das gravações dos hoje clássicos álbuns "London Calling" (1979) e "Sandinista" (1980). The Clash, aliás, fez uma versão do clássico reggae de Junior Murvin, "Police and Thives", logo no seu álbum de estréia "The Clash", de 1977. Na versão dub de "Bankrobber", a produção é do lendário locutor e artista jamaicano Mikey Dread, que trabalhou com fundadores do dub, como Lee Perry e King Tubby, antes de imigrar para Londres. Ouça "Bankrobber" em
alta ou em
baixa velocidade.
Outra revelação desse álbum é a versão de "Typical Girls (Brink Style Dub)", do trio de meninas The Slits, um dos mais influentes "girl groups" da época, considerado a versão feminina dos Sex Pistols. The Slits tratava feminismo de um forma até então inédita; não era político no sentido tradicional, era anárquico no sentido punk. O "dane-se tudo" revela-se não só nas letras gritadas, mas também ao tirar a roupa. A faixa aqui incluída é minimal, bem diferente da barulhenta versão original do seu álbum de estréia, "Cut", de 1979. Ouça "Typical Girls" em
alta ou em
baixa velocidade.
"Wild Dub" pode soar datado hoje, mas na época essas músicas mostravam o caminho para um novo mundo sonoro. Nesse álbum antológico, há participação também do produtor do Joy Division, Martin Hannet, além de Jaz Coleman e Youth, integrantes do grupo Killing Joke na época. Coleman continuou a fazer trabalhos de vanguarda na música pop nos anos 80 e 90 com
Natacha Atlas e Trans Global Underground. Youth também trabalhou com eles, além de ter produzido os grupos The Orb e KLF.
Parte importante do Killing Joke era o seu "roadie" Alex Paterson, que mais tarde virou o líder do Orb e KLF, além de mostrar o caminho para o industrial de Front 242, o techno de Derrick May e a mistureba louca de Primal Scream. Na época, a mistura de elementos do pop rock e do punk com música étnica e eletrônica seduzia fãs e fazedores de música mundo afora. Ouça a versão dub de "Turn to Red" com Killing Joke de 1979 em
alta ou em
baixa velocidade.
Por meio dessas e outras figuras seminais da cena, como Chrissie Hynde, Boy George, UB 40, Terry Hall e
Don Letts, o dub ganhou não só exposição maior e
nova geração de criadores não caribenhos, mas passou a ocupar uma posição importante na música pop. Até então, dub era algo tipicamente jamaicano, além da curtição de um pequeno grupo de punks em muquifos londrinos da moda. No final dos anos 70, a música da moda era punk, e quem o fazia só curtia dub.
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