Edilaine Cunha
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Jan Fjeld
Ao contrário do que argumenta o renomado filósofo francês, Philippe Dagen, que criação, no mundo contemporâneo, é inútil, não serve pra nada, "O Pulso" acha que vale sim criar, procurar novas saídas para velhos problemas. Há vários bons lançamentos de música pop com um pé na eletrônica em 2002 que provam esta tese.
O ano foi marcado pelo mimetismo e pela volta às pistas e as paradas do electro dos anos 80. Para o mundo da música pop isto é uma volta às raízes. Uma volta que, convenhamos, se mostrou bastante inspiradora e afirmou que a boa música não é um projeto impossível. Ou melhor, o pop caiu num saudosismo real e olhou o passado para criar um futuro melhor.
O meio em que você agora está procurando informação sobre os melhores lançamentos do ano é de massa. Este meio tende a, ao contrário do que parece, diminuir o seu julgamento pessoal. Apesar do acima exposto, "O Pulso" selecionou para você os cinco lançamentos que fizeram a diferença em 2002. Ouça: "O Pulso" garante.
Swayzak, "Dirty Dancing" (!K7, 2002)A dupla londrina de produtores bem espertos do
Swayzak lançou o sensacional "Dirty Dancing" (!K7 2002), que mostra o caminho e uma saída feliz para o techno e electro. Atualizaram tudo: a produção, instrumentação, as batidas e fizeram um excelente álbum cheio de grandes criações pop. Há grandes linhas de baixo, batidas cirúrgicas e refrões bem apelativos - tudo com um pé firme nos anos 80. A frenética faixa "I Dance Alone" tem borbulhantes sintetizadores e o seco "tss-que-tss-que-tss" (chimbal) do house, com uma voz meio Johnny Lydon (ex-Rotten) que grita frases sobre o "porque não quero a sua companhia nunca mais". Os vocais são da dupla Adult. (assim mesmo, com ponto no final), de Detroit, trazendo algo cru, histérico, além da credibilidade para os fãs de electro. Um marco no mar morto do pop ano 2002.
Missy Elliot, "Under Construction" (Elektra, 2002)A mais bem-sucedida mulher do hip hop atual, Missy Elliot (http://www.missyelliott.co.uk/), é uma artista que escreve, produz e apresenta as suas próprias criações. Ela figura no topo das paradas pop, tem credibilidade nas pistas do mundo techno e nunca deixou de ser respeitada na comunidade hip hop. Além do mais, Missy Elliot cria grandes músicas com a ajuda do seu fiel escudeiro e co-produtor Timbaland - juntos, eles pulsam. Os dois olharam para os raízes do hip hop, do soul e do r'n'b no seu quarto álbum, "Under Construction" (Elektra, 2002). Um tour-de-force de batidas funkeadas, efeitos digitais, vocais filtrados e letras fiéis aos pilares do hip hop, em que tamanho, peso, barulho e
maldade fazem toda a diferença. E, como é de costume em um bom álbum de hip hop, Missy Elliot convocou um bom número de colaboradores que incluem MC Lyte na "Funky Fresh Dressed" - sobre os prazeres da moda -, as meninas do TLC, na homenagem à Lisa "Left Eye" Lopez em "Can You Hear Me", além do alternativo Method Man, o contemporâneo Jay Z. O rapper
Ludacris mostra o porquê a Pepsi achou que as suas letras poderiam causar danos à imagem da marca na excelente "Gossip Folks". Até ressuscitou a velha guarda, representada por Guru.
Karsh Kale, "Redesign" (Six Degree's Records, 2002)Enquanto esperamos o novo disco do DJ e multi-instrumentista Karsh Kale, previsto para o início de 2003, ficamos com um dos melhores álbuns de remisturas lançado em 2002: "Redesign" (SexDegree's Records). É um generoso álbum com 12 faixas remixadas por pesos pesados na música contemporânea experimental como DJ Spooky, Mighty Junn e
Bill Laswell. A única faixa que não apareceu em versão original no seu álbum de estréia "Realiz" (Six Degree's Records de 2001) é "Detstroy the Icon", remixada por Bone Cruise. Um garoto
prodígio, Kale só tem um álbum solo lançado, mas já fez a sua marca no mundo com um bom produtor, DJ, arranjador e tablista supremo. A maioria das faixas em "Redesign" puxa para o drum'n'bass, algumas mais intensas como "One Step Beyond", remixado por DJ Spooky, e "Home", retrabalhado por Midival Punditz. Os arranjos são exuberantes, as batidas precisas e as sonoridades instigantes. Há uma pletora de pedaços de vocais e loops de
bansuri, sarangi e muitas tablas. "Redesign" traz a "tabla fever" para os nossos ouvidos, misturando o som milenar dos instrumentos tradicionais indianos com o que há de novo em tecnologia.
Boards of Canada, "Geogaddi" (WarpRecords, 2002)Gigantes no mundo da eletrônica, a dupla que forma Boards of Canada é formada por dois escoceses que, pelo que me consta, são bem tímidos. Michael Sandison e Marcos Eoin moram longe de tudo e todos num vilajejo na costa da Escócia e fazem música suscetível, para não dizer melindrada. O seu segundo álbum, "Geogaddi", saiu no início do mesmo ano em que foi relançado em CD o seu primeiro registro em vinil, "Twoism", de 1995. "Twoism" era , até então, um cobiçado objeto de desejo de colecionadores de música. Como em "Twoism", o mais
recente da dupla é cheio de vozes estranhas, vocais sutis, crianças chorando e batidas fofas e downbeat. Todas as faixas trazem uma estranha tensão. Músicas como "Music is Math" lembram a antológica "Turquoise Hexagon Sun", do seu primeiro álbum "Music Has the Right to Children", com suaves "bleeps" que formam a melodia em cima de uma batida de sons sintetizados. Lembra uma queda d'água. São psicodélicas e melancólicas paisagens sonoras de texturas digitais que se desenvolvem lentamente. É eletrônica ancestral e é lindo.
Darren Emerson & Tim Deluxe, "Underwater - Episode I" (Thrive Records, 2002) Continuou em 2002 a inundação de compilações com títulos como "Best of" qualquer coisa, "chill out" não sei onde, um nome qualquer com "lounge", "latin flavored" não sei o quê etc. Neste excesso, o álbum duplo "Underwater" - Episode I" mixado pelo ex-Underworld Darren Emerson e seu colega, o produtor/DJ/remisturador Tim Deluxe, está se destacando. Os dois CDs trazem um excelente mix que garante mais de duas horas de pista cheia com o melhor da eletrônica. Há desde remixes de house (clássico) francês com Alex Gopher até os mais progressivos dos ingleses, como Layo & Bushwacka. Lançado em novembro último, o álbum apresenta a inédita e funkeada "H2O" de Darren Emerson e três faixas de Tim Deluxe, entre as pérolas desta compilação. O destaque fica para "It Just Wont Do", que traz um toque latino e um ótimo remix de Mutiny para o recém-lançado "Dance You Down" dos islandeses Gus Gus. A maior parte do material até agora era disponível só em vinil. A gravadora
Underwater Records é do próprio Darren Emerson e o que esta compilação está tentando fazer é trazer a Disco para o século 21. "Underwater - Episode I" é uma ótima tentativa.