UOL Música

Publicidade

29/10/2007 - 04h16
Em São Paulo, público vibra com as atrações do jazz norte-americano

VINICIUS MESQUITA
Editor-assistente da Home Page do UOL


Publius Vergilius / UOL

O pianista norte-americano de jazz Cecil Taylor no Tim Festival do Rio

O pianista norte-americano de jazz Cecil Taylor no Tim Festival do Rio


O jazz engasgou com os representantes europeus durante a primeira noite paulistana do Tim Festival dedicada ao estilo, na sexta-feira, mas renasceu no domingo, com as atrações norte-americanas. O noneto do saxofonista Joe Lovano, o trio do tecladista Joey DeFrancesco aliado ao vibrafonista Bobby Hutcherson, o pianista Cecil Taylor e o septeto do trombonista Conrad Herwig ensinaram aos organizadores do evento que divisões continentais nunca são felizes, pois, inevitavelmente, levam a comparações injustas.

Traduzindo: imagine se alguém nos Estados Unidos organizasse um festival sobre samba em duas noites. Na primeira, somente com os brasileiros e, na segunda, com japoneses (que, aliás, sabem fazer o tal do samba direitinho). Seja lá qual fosse o resultado, não parece ser o procedimento mais recomendável.

O domingo do Auditório Ibirapuera começou com o irrequieto saxofonista Joe Lovano, instrumentista que segue os mandamentos mais conservadores do jazz, mas não deixa de inovar em seus projetos. Neste ano, por exemplo, gravou o disco 'Kids' em dueto com o pianista Hank Jones só para dar um tempo na usina sonora dos nonetos. Para o Tim, porém, Lovano preferiu não arriscar e trouxe o setlist mais empolgante e adequado a um festival que não dá trégua ao público (não é fácil, nem para o fã mais energético do jazz, agüentar cinco horas noturnas de espetáculos em um grande auditório).

Durante o show, não faltaram versões do álbum 'Streams of Expression', gravado em 2006, com arranjos do compositor alemão Gunther Schüller, um dos cérebros do 'third stream', movimento que aliou o jazz aos conceitos da música clássica. Destaque para as peças "Boplicity" (composta por Miles Davis) e a vibrante "Move" (do baterista Denzil Best).

Com exceção do baterista Steve Williams, os outros sete instrumentistas que participaram da excursão ao Brasil participaram da gravação de 'Streams of Expression': Steve Slagle (sax-alto e flauta), Ralph Lalama (sax tenor), Gary Smulyan (sax barítono), Barry Ries (trompete), Larry Farrell (trombone), James Weidman (piano) e Dennis Irwin (baixo).

Lovano também revitalizou outras composições notáveis, como "Ask Me Now", de Thelonius Monk, contrapondo agressividade à suavidade de seus solos.

Na seqüência, o trio do tecladista Joey DeFrancesco apresentou o vibrafonista Bobby Hutcherson, dono do pedaço e principal atração do conjunto.

A questão é que Hutcherson já fez de tudo em sua carreira de mais de 40 anos. Quando ainda não era ninguém, no início dos anos 60, tocava para relaxar com os amigos Les McCann, Charles Lloyd, Paul Bley, três músicos extremamente distintos em relação a preferências estilísticas.

Hutcherson experimentou o free, mas não foi muito longe; fez parte da intelectualidade do saxofonista e flautista Eric Dolphy, enfrentou o funk, foi doce e agressivo em seus arranjos, flertou com as óperas rock e chegou íntegro ao novo século, esperando ser redescoberto. Em São Paulo, mostrou que ainda está em forma, solando com agilidade semelhante à de seu ídolo Milt Jackson e fraseando com doçura nos momentos mais sublimes dos temas.

Joey DeFrancesco, organista da família Hammond B-3, fã de Hutcherson, talvez esteja cumprindo papel importante no renascimento de seu ídolo. O organista deixou o soul músic de lado e se dedicou somente ao jazz durante a temporada brasileira, passando por composições de John Coltrane e do próprio Hutcherson.

Free e 'Latin Side'

O pianista Cecil Taylor, adepto da polirritmia e do atonalismo, segue quase sozinho por décadas e mais décadas como expoente de um estilo que nasceu para a introspectividade e raramente funciona em grandes festivais. No show do Rio de Janeiro, por exemplo, boa parte do público não teve paciência e abandonou a sala. Em São Paulo, os espectadores acolheram as músicas do pianista com mais atenção e prazer.

Cecil Taylor nunca considerou o atonalismo de suas composições um grande problema e desafia qualquer um a evitar as regras mais castas da teoria musical citando sempre o pianista Thelonius Monk como exemplo a ser seguido. Estudante sensível e dedicado. Cecil Taylor, mesmo adepto do free jazz, também é fã da música de pianistas mais digeríveis, como Dave Brubeck, Art Tatum e Lennie Tristano.

Em São Paulo, sem sapatos, surpreendeu o público com suas peças intrincadas, cheia de clusters e acordes embaraçados. Foi ovacionado e retornou ao palco para o bis.

O septeto do trombonista Conrad Herwig, formado por Walter White (trompete), Craig Handy (sax tenor), Ruben Rodriguez (baixo elétrico), Pedro Martinez (percussão e voz), Bill O'Connell (piano) e Robby Ameen (bateria), executou basicamente as músicas dos álbuns "Another Kind Of BLue: The Latin Side of Miles Davis" e "Conrad Herwig & Brian Lynch: Que Viva Coltrane", trabalhos dedicados a elaborar arranjos sob a marcação dos ritmos caribenhos.

Um dos momentos mais notáveis foi quando Herwig anunciou seu convidado especial antes da execução de "So What" (Miles Davis). "É com grande satisfação que chamos ao palco um dos maiores trombonistas do Brasil e do mundo: Raul de Souza, Raulzinho!"

Raul ficou no palco até o final, promovendo duelos com Herwig durante solos revigorantes para a madrugada de segunda-feira, principalmente na composição de John Coltrane, "Lonnie's Lament".