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Em show com formato sinfônico, Gilberto Gil revisita sucessos do exílio e da Tropicália

Gilberto Gil toca ao lado da orquestra Petrobras Sinfônica no Theatro Municipal do Rio (28/5/12) - Fernando Maia/UOL
Gilberto Gil toca ao lado da orquestra Petrobras Sinfônica no Theatro Municipal do Rio (28/5/12) Imagem: Fernando Maia/UOL

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

29/05/2012 03h30

Prestes a completar 70 anos de idade (no próximo dia 26 de junho), o cantor e compositor Gilberto Gil comemorou em alto estilo os 50 anos de sua carreira, com uma apresentação ao lado da orquestra Petrobras Sinfônica no Theatro Municipal, no Rio de Janeiro, na noite desta segunda-feira (28). Em um espetáculo com arranjo magistral, misturando o erudito a elementos de percussão, com seu trio de cordas composto pelo violinista Nicolas Krassik, seu filho Bem Gil e no violoncelo, Jaques Morelenbaum, Gil revisitou sucessos de sua carreira e ainda apresentou uma canção inédita, “Eu Descobri”.

Versões das canções “Estrela”, “Domingo no Parque”, “Expresso 2222” e “Andar com fé” levantaram o público comportado que lotou o Municipal. Gil interpretou composições feitas em parceria com Caetano Veloso e Dominguinhos, passando por versões de Dorival Caymmi, Tom Jobim, sem esquecer de suas raízes e inspirações no começo da carreira, com Luiz Gonzaga e João Gilberto.

No repertório de 20 canções, houve lugar para surpreender a plateia com interpretações em inglês, “Up from the skies”, de Jimi Hendrix, além de espanhol e francês com “La renaissance africaine”, composta por Gil. O concerto de quase duas horas de duração foi filmado por Andrucha Waddington e será transformado em DVD. Por isso, o público ainda teve a oportunidade de ouvir de novo “Estrela” e “Domingo no parque”, que tiveram que ser regravadas. O show apresentado no Rio é um dos primeiros da turnê "Concerto de cordas & máquina de ritmo", que Gil irá levar a partir do mês de julho para 13 cidades europeias e deverá rodar o Brasil.

 

Mix de orquestra e sons de berimbau e pandeiro

Faltava uma hora para o começo do show de Gilberto Gil quando fãs já se aglomeravam em frente ao Municipal, na Cinelândia. O público era bastante diversificado, assim como o próprio repertório de composições de Gil. Desde jovens adolescentes acompanhados de seus pais a velhos amantes da música do baiano desde a época da Tropicália, movimento que marcou a inovação da música brasileira nos anos 60.

Marcado para às 20h30, o show começou com 20 minutos de atraso. Sem muitos adornos ou elementos decorativos, o palco do Theatro Municipal ficou pequeno para a trupe de peso que acompanhava Gil. Ao fundo, pelo menos, 50 músicos integravam a orquestra sinfônica e mais a frente, o trio de cordas e o percussionista Gustavo di Dalva que fazia arranjos como a bateria, instrumentos como pandeiro, tamborim e berimbau que deram toque especial nas versões interpretadas por Gil. Ao centro, o compositor posicionado com seu violão sobre um pequeno tablado de madeira vestia sandálias de dedo, calça caqui e uma bata tom meio marrom. Confortável que só ele. O palco já faz parte de sua vida.

Se sentindo em casa, Gil saudou o público com um “boa noite, um prazer enorme em receber vocês”. Apresentando os músicos, Gil logo deu início a canção que abriu o espetáculo ‘Máquina de ritmo’ com regência de Jaques Morelenbaum. Com um toque mais instrumental, a segunda música ‘Eu vim da Bahia’ destacou o violino de Krassik. Seguido de ‘Domingo no Parque’, cantada pela primeira vez em 1967, início que lançou o movimento tropicalista no III Festival da Música Popular Brasileira, em São Paulo, em outubro daquele ano. Esta versão, 45 anos depois de seu lançamento, ganhou um toque especial com o som do berimbau.

Um público ainda comportado ensaiava com a cabeça o ritmo. O acompanhamento da orquestra deu um tom ainda mais emocionante à música sendo aplaudida. A quarta música tocada foi ‘Estrela’ do CD Quanta, de 1997. “Há De surgir. Uma estrela no céu cada vez que ocê sorrir”, foi cantado e repetido pelo público. Gil interpretou em seguida ‘Quatro coisas’, “canção que eu fiz para a mãe dele”, diz Gil apontando para seu filho Bem, músico e filho de sua atual esposa, Flora Gil.

‘Quanta’ recebeu uma versão nova com a participação da orquestra sinfônica, seguida de ‘Futurível’, gravado pela primeira vez em 1969, canção tropicalista que se remetia a um futuro possível, no momento de auge da ditadura militar no Brasil. “Esta é uma canção antiga que eu fiz quando eu estive preso na cadeia com Caetano. Um dia na prisão o sargento Juarez me perguntou: ‘Você quer um violão?’. ‘É possível?’, perguntei. No dia seguinte me trouxe um violão que ele tinha. Com esse violão, eu fiz quatro músicas, uma delas é Futurível”, lembrou.

Foram alguns minutos de performance, quando Gil parou e pediu para regravar de novo. “Fazemos de novo. Já que estamos gravando, me disseram para fazer no final as que errarmos, mas fazemos agora”, anunciou, sendo acolhido com aplausos e risos pela plateia. Em meio a composições que marcaram época e um momento histórico do Brasil, Gil apresentou a inédita ‘Eu descobri’ que fala de descobertas pessoais com versos poéticos. “Quem me diz que a gente nunca poderá ser feliz...?”, versa a letra.

Dorival Caymmi foi lembrado com ‘Saudade da Bahia’ e Tom Jobim na canção ‘Outra vez’. Em performance solo, Gil interpretou ‘Não tenho medo da morte’ apenas com o ritmo feito pelas mãos num batuque sobre o violão. Com o seu trio de cordas, seguiu-se ‘Lamento sertanejo’, de Gil e Dominguinhos. Luiz Gonzaga foi homenageado com ‘Juazeiro’, e Jimi Hendrix, com ‘Up from the skies’, que introduziu um set de canções em outras línguas. ‘Tres palabras’ do mexicano Javier Solis foi seguida de ‘La renaissance africaine’, composta por Gil no álbum Banda Larga Cordel (2008).

O público pode ouvir ainda ‘Panis et Circensis’ composta por Gil e Caetano Veloso, a música que deu nome ao disco Tropicália ou Panis et Circensis, de 1968. A canção ganhou força com a interpretação de Os Mutantes e se tornou um hino do movimento tropicalista universalizando a linguagem da música popular brasileira com a inserção da guitarra elétrica, do rock psicodélico e de correntes jovens do mundo naqulea ocasião. ‘Panis et Circensis’, desta vez, ganhou uma versão sofisticada com a orquestra.

Para fechar o show, Gil tocou ‘Oriente’ e ‘Expresso 2222’ que teve destaque para o violino do francês Nicolas Krassik acompanhado pelo pandeiro. Gil ainda voltou para o bis com um chorinho composto em homenagem a João Gilberto. “Muito obrigado mesmo. É uma grande emoção”, falou Gil com voz engasgada. Creio que no seu segundo disco, João Gilberto gravou o choro ‘Um abraço do Bonfa’, que eu estou aprendendo a tocar só agora. Mas hoje vou tocar um choro que fiz que se chama ‘Um abraço do João’”, explicou Gil.

‘Conformidade conforme a idade’

Após o show, Gil recebeu a imprensa na sala vip do Theatro Municipal e deu umas palavrinhas de como se sentiu durante o espetáculo, apesar de algumas canções que precisaram ser regravadas para o DVD. “Os músicos estavam muito bem, a orquestra estava impecável, o público receptivo e atento. Foi uma noite muito interessante. Uma coisinha aqui, uma falhazinha acolá, mas o sentimento geral estava bom. Eu estava bem, não estava propriamente nervoso. As músicas mais exigentes do ponto de vista dos arranjos saíram bem e o público também demonstrou contentamento e surpresa”, avaliou.

Gil admitiu não ter sido fácil escolher as 21 canções num universo de mais de 500 músicas de seu repertório. “Muita coisa ficou de fora, coisas que já tinham amadurecido como ‘Esotérico’ (do álbum Um Banda Um, de 1982) com formato cello que eu tive que tirar, o ‘Seu olhar’ (1985) também. Mas em compensação entraram outras como ‘Panis et Circensis’ e ‘Domingo no Parque’”.

Para o compositor, a chegada dos 70 vem com maturidade e uma certa complacência. “Há mudanças que haviam se insinuando no plano físico há alguns anos. A conformidade conforme a idade, cada período da vida tem o seu conforme”. Na data do aniversário, Gil revelou que não pretende comemorar com uma festança e sim com um almoço em família.

O que eles falam de Gil

  • FotoRioNews

    Cissa Guimarães no Theatro Municipal do Rio

Entre os convidados ilustres que assistiram à gravação do DVD de Gil, estava a atriz Cissa Guimarães que recorda a “profunda amizade e admiração” pelo cantor. “Conheço Gilberto Gil desde muito pequena, nossos filhos eram amigos. Sou fã dele desde que eu me entendo por gente. Ele é um grande compositor e um grande ser humano”. Cissa conversou com a imprensa antes do show e afirmou esperar ver Gil “com corpinho de 25”. Ela lembra que a música que mais marcou é ‘Andar com fé’, ao recordar-se de sua superação após a perda do filho.

Antônio Pitanga foi um dos primeiros a chegar ao Municipal e disse que conheceu Gil aos 15 anos e que a trupe formada por Caetano, Gil e Torquato Neto, na década de 60, “fizeram uma revolução na música popular brasileira, depois do cinema novo”. Para Pitanga, Gil chega aos 70 com “altivez e genialidade”, disse ao UOL. “Vejo que ele está comemorando de uma maneira maravilhosa e cheio de vida. Mais 70, mais 100 anos de criação. Ele foi e é um marco, revolucionou a música brasileira, o seu protesto e a sua capacidade de comunicar através da música”, exaltou,

Para o rapper Gabriel O Pensador, a apresentação superou qualquer expectativa. “O Gil sempre supera as expectativas, ele e a orquestra arrebentaram, aproveitaram bem o destaque para um elemento de percussão, outra hora numa voz e violão, ou só um batuque no violão. Ele tem muita classe e bom gosto”. Gabriel curtiu ouvir pela primeira vez sua criação inédita além do chorinho que compôs para João Gilberto.

As atrizes Fernanda Torres e Patrícia Pillar também estiveram no espetáculo.