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"Parece que todos os anos Gil está fazendo 70", diz Flora, mulher do cantor há 32 anos

Flora e Gilberto Gil, no escritório da Gege Produções, na Gávea, zona sul do Rio (12/5/12) - Julio Cesar Guimarães/UOL
Flora e Gilberto Gil, no escritório da Gege Produções, na Gávea, zona sul do Rio (12/5/12) Imagem: Julio Cesar Guimarães/UOL

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

26/06/2012 07h00

Ao completar 70 anos nesta terça (26), Gilberto Gil não terá uma festança. A data será lembrada com um almoço em família, que deve reunir parte de seus oito filhos e oito netos. No dia seguinte, o cantor, em plena atividade, embarca para Londres, onde irá se apresentar no "Back2Black Festival" no dia 1º de julho e, ao lado da Orquestra Sinfônica de Londres, no dia 4. Quem acompanha o "agito" do cantor septuagenário nas turnês internacionais é sua mulher, Flora Gil, 51 anos.

“É tanto trabalho... parece que todos os anos o Gil está fazendo 70. Os 69 anos não foram diferente, é assim ano a ano. Tem sempre uma turnê anualmente na Europa, que é no verão de lá. Ele deu uma pequena reduzida no número de concertos pelo mundo na época em que foi ministro. Mas para essa geração de músicos como Caetano, Chico Buarque e Roberto Carlos, eu vejo que a música faz bem”, diz Flora, que recebeu o UOL para uma entrevista exclusiva no escritório da produtora em que trabalha, na Gávea, zona sul do Rio.

  • Julio Cesar Guimarães/UOL

    Flora Gil e Gilberto, em sua produtora na Gávea (maio/2012)

Juntos há 32 anos, Flora é a quarta esposa de Gil. Empresária, a paulista ajuda a cuidar da Gege Produções, uma empresa familiar que promove o São João Carioca, na Quinta da Boa Vista, e o camarote do Expresso 2222, no Carnaval da Bahia. A empresa, além de ajudar a produzir os shows de Gil e de seus filhos, também é gravadora e tem um braço de editora.

Em depoimento gravado no último dia 6 para o Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ), Gil se emocionou ao lembrar que foi a sua atual esposa quem “unificou” a família. “Convocou todas as mães para o seio desta transfamília que se formou. Ela ajudou profundamente a recuperar minha amizade com minhas ex-mulheres. E foi fundamental quando eu e Sandra perdemos nosso filho Pedro [morto em um acidente de carro em 1990]”, contou.

Quando foi morar com Gil, em 1980, Flora tinha 20 anos. Na época, ele tinha 38, já era um artista conhecido e tinha acabado de sair de seu terceiro casamento. Belina foi sua primeira esposa e teve Nara e Marília. Em 1967, Gil casou-se com Nana Caymmi, filha de Dorival Caymmi. Foram apenas dois anos de casamento. Já Sandra, sua terceira esposa, casou-se com Gil em 1969 e o acompanhou no exílio. Seu filho, Pedro, nasceu em Londres, e em seguida a Preta Gil nasceu o Rio. Maria foi a terceira filha de Gil e Sandra. O casal se separou no início de 1980, ano em que Gil começou a se relacionar com a paulista Flora. Com ela, são três filhos: Bem, de 1985; Isabela, de 1988, que hoje vive em Nova York; e José, de 1991.

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50 anos de carreira

Em 2012, Gil também comemora 50 de carreira e não pensa em deixar os palcos tão cedo. A agenda do artista baiano continua intensa. Em meio século, contabiliza 57 álbuns, 8 Grammys, e praticamente todo ano sai em turnê de cerca de um mês pelos festivais de música na Europa. Após comemorar o aniversário em casa com a família, ele sairá em mais uma turnê por sete países (Itália, França, Espanha, Alemanha, Suíça, Bélgica e Inglaterra) com o “Concerto de Cordas & Máquina de Ritmo”. O espetáculo com arranjo magistral da orquestra Petrobras Sinfônica e seu trio de cordas composto pelo violinista Nicolas Krassik, seu filho Bem Gil e, no violoncelo, Jaques Morelenbaum, foi gravado no Theatro Municipal, no Rio, sob a direção de Andrucha Waddington e será transformado em DVD até o final do ano.

Um dos fundadores do movimento tropicalista junto com Caetano Veloso, Gal Gosta, Maria Bethânia, Jorge Ben, Tom Zé, Torquato Neto e Os Mutantes, Gil sempre se inspirou na música de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e João Gilberto, tendo sido grande entusiasta de Bob Marley. Nos anos 60, ajudou a fundar a Tropicália que, com toda a irreverência, promoveu uma renovação musical e sincretismo entre vários estilos como o rock, a bossa nova, o baião, o samba e o bolero.

Hoje, o baiano vê a chegada dos 70 com maturidade e complacência: “A conformidade conforme a idade, cada período da vida tem o seu conforme”, disse Gil a jornalistas após sua última apresentação no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Um artista completo

“Ele já é um artista completo há mais de 40 anos”, analisa o produtor musical, crítico e jornalista, Nelson Motta. “O Gil é um músico e instrumentista extraordinário, além de grande violonista, ele é um letrista e está entre os nossos melhores letristas, tão bom quanto Caetano, Aldir Blanc e Renato Russo. Ele está entre os primeiros e tem letras profundas, filosóficas, místicas e políticas”, afirmou o crítico.

João Wainer/Divulgação
Até a prisão, ele era um cara, eu me lembro, gordão, usava barba, briguento, agressivo e combativo. Quando foi preso, ele pensou que ia morrer, então começou a fazer macrobiótica, meditação para enfrentar aquele desespero da prisão. Aí virou um outro homem. Quando saiu, já estava magrinho, não tinha mais barba e o cabelo era curto. Ele saiu um cara zen

Nelson Motta, sobre Gil

Gil começou a despontar no cenário musical no momento de efervescência quando apareciam nomes como Chico Buarque, Edu Lobo e Baden Powell. Tornou-se conhecido no programa de televisão "O Fino da Bossa", comandado por Elis Regina, e, com o sucesso, deixou o emprego na empresa Indústrias Gessy-Lever de produtos de limpeza. Assinou contrato com a Philips, em 1967, e lançou seu primeiro LP, "Louvação". No mesmo ano, ao lado de Caetano Veloso, deu o pontapé inicial do movimento tropicalista no Festival da Música Popular Brasileira. Eram tempos de ouro da Tropicália e também da mão de ferro da ditadura. A vida de Gil e de muitos jovens artistas já ícones da música brasileira ficou mais difícil quando no dia 13 dezembro de 1968, o governo militar edita o Ato Institucional nº 5, que suprimiu os direitos civis e a liberdade de expressão artística. Duas semanas depois, Gil e Caetano foram presos em São Paulo e levados para o quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio. Ali marcou a virada na vida de Gil, lembra Nelson Motta.

“Até a prisão, ele era um cara, eu me lembro, gordão, usava barba, briguento, agressivo e combativo. Quando foi preso, ele pensou que ia morrer, então começou a fazer macrobiótica, meditação para enfrentar aquele desespero da prisão. Aí virou um outro homem. Quando saiu, já estava magrinho, não tinha mais barba e o cabelo era curto. Ele saiu um cara zen”, contou Motta. Os versos de ‘Aquele Abraço’ foram escritos logo após Gil deixar a prisão em Realengo, no Rio, numa quarta-feira de cinzas de 1969. Vendo o centro do Rio ainda decorado para o carnaval, ele compôs essa canção. Esse dia marcou o seu “renascimento saindo da cadeia”, disse Motta.

O tempo de exílio na Europa, em 1969, foi outro momento importante de sua vida, ao passar por Lisboa, Paris até se fixar em Londres. Lá, ele ouviu o reggae pela primeira vez, era Bob Marley. Fora do Brasil, Gil entrou em contato com o cenário musical internacional, as novidades e estilos. Após a sua volta, começou a gravar canções em outros idiomas e projetou-se para o mundo. Nos anos 80, Gil e Jimmy Cliff fizeram uma turnê com shows pelo Brasil com o look de dread nos cabelos e cigarro artesanal na boca. O amor pelo reggae continuou e, em 2002, aos 60 anos, Gil fez um tributo a Bob Marley e saiu em turnê pela Europa para apresentar as músicas de seu álbum "Kaya n'Gan Daya", gravado nos estúdios Tuff Gong de Bob Marley, em Kingston, na Jamaica, com as vocalistas da banda de Bob.

Na política

O artista ingressou para a política no final dos anos 80, quando tentou disputar a prefeitura de Salvador em 1988 pelo PMDB, mas acabou ficando com uma vaga de vereador.

Gil assumiu o Ministério da Cultura no início do governo Lula, em 2003, e gerou mal-estar no governo por reclamar de verbas. Das receitas previstas para o MinC, em 2005, aprovadas pelo Congresso, 57% haviam sido cortadas.

Durante três anos, Gil fez história como ministro, criou os Pontos de Cultura e organizou o Ano do Brasil na França, a maior exibição de arte brasileira fora do país, com mais de 400 espetáculos, exposições, festivais, a maior exibição de arte brasileira no mundo.

Para aceitar o cargo no Ministério da Cultura, Gil disse que a decisão, na época, foi tomada após consultar seus amigos. “Fiz uma reunião na minha casa para pensar na proposta. Pensei em conjunto. Chico [Buarque] disse assim: ‘Para você pode ser uma complicação. Para nós vai ser ótimo [risos]’. Não tenho nenhum arrependimento. Pelo contrário: tenho muitas boas lembranças. Sou grato ao presidente Lula e a mim mesmo por ter tido essa experiência [risos]”, contou Gil em depoimento para o acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS).