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Em turnê, orquestra Mahler Chamber visita Heliópolis e ensaia com a Sinfônica

Marcio Weichert

17/11/2010 16h37

A Orquestra Sinfônica de Heliópolis vive um segundo momento inédito em pouco mais de um mês. E novamente ligado à Alemanha. No início de outubro, os jovens músicos --em sua maioria moradores da maior favela de São Paulo-- fizeram sua primeira turnê internacional, estreando no Festival Beethovenfest em Bonn, a convite da Deutsche Welle.
 
De convidados a anfitriões, nesta terça-feira (16) receberam no Instituto Baccarelli a Mahler Chamber Orchestra (MCO) para uma programação especial. Pela primeira vez, os músicos da Sinfônica interagiram com os convidados, tocando todos juntos ou participando de master classes por instrumento.
 
Organizada de forma autônoma, com seus membros participando das decisões --por exemplo, sobre onde e o que tocar--, e sem subsídios públicos regulares, a MCO foi fundada em 1997 por Claudio Abbado juntamente com músicos da Gustav Mahler Jugendorchester, que haviam ultrapassado a idade máxima para permanecer na orquestra jovem.
 
Com a MCO, seus integrantes tomaram um rumo mais amplo do que ser apenas uma orquestra para apresentações. Eles oferecem cursos na Renânia do Norte-Vestfália, estado alemão que lhes disponibiliza locais para ensaios e aulas, e, em viagens pelo mundo, levam conhecimento e estímulo para jovens músicos ligados a projetos sociais.
 
Interação entre orquestras
Na América do Sul, a MCO já esteve em 2005 e 2007 na Venezuela, numa parceria com o projeto El Sistema. Na atual turnê, a orquestra alemã -formada porém por uma minoria de alemães e tendo desta vez o maestro colombiano Andrés Orozco-Estrada à sua frente-- apresentou-se primeiro em Bogotá e Medellín, na qual o concerto angariou fundos para projetos de música com jovens.
 
Na capital paulista, a estada começou com uma apresentação no domingo na Sala São Paulo. Nestas terça e quarta-feiras, os músicos da Sinfônica de Heliópolis e da MCO estão interagindo. Os convidados chegaram quando a Sinfônica ensaiava a abertura da ópera Príncipe Igor, do russo Alexander Borodin.
 
O solo do trompista Thiago Rodrigues, de 27 anos, arrancou aplausos dos recém-chegados. "É um solo difícil. Sinto que neste momento todos torcem por mim. Faço como se fosse bater um pênalti. Só preciso colocar a bola no fundo da rede, sem enfeitar", contou. "Ele foi excelente", elogiou o dirigente Orozco-Estrada, que em seguida assumiu o comando das duas orquestras para executar a "Sinfonia Nº 4" de Antonín Dvorak.
 
O colombiano ficou admirado com o desempenho dos jovens brasileiros. "É um prazer reger assim. Estão todos muito bem preparados, com olhos abertos, tocando bem compactos". O celista alemão Philipp von Steinaecker, 38, ressalta o grande potencial do grupo brasileiro, que entretanto precisa "de instrumentos de cordas melhores, compatíveis com a qualidade" dos jovens músicos.
 
Após a primeira atividade conjunta, o primeiro violinista da Heliópolis, Pedro Almeida Andrade, 22, destacou o que aprendeu no encontro. "Aprendi a me manter em pé na frente de uma orquestra internacional", disse, referindo-se ao convite do maestro para que conferisse com seu violino a afinação de toda a orquestra, para o que ficou encabulado.
 
Para o vice-presidente do Instituto Baccarelli, Edilson Venturelli, a presença da MCO traz uma lição importante para os músicos da Sinfônica de Heliópolis após a turnê na Europa. "Ao tocarem lado a lado com músicos profissionais, com experiência internacional, nossos jovens estão verificando que, apesar do grande avanço que já vivenciaram, ainda há muito a aperfeiçoar. A cooperação com a MCO estabelece uma nova referência e abre um novo horizonte".
 
Músicos de verdade
A celista Natália Sena, 24, não escondia seu entusiasmo. Para ela, a viagem à Alemanha já foi uma experiência cultural extraordinária, inclusive por ficar hospedada numa família, sem que ela ou os anfitriões tivessem uma língua em comum. "Temos uma imagem de europeus frios, mas fui tratada calorosamente". Artisticamente, segundo ela, a Sinfônica teve a oportunidade de mostrar não ser apenas uma orquestra de comunidade carente, mas também sua música de qualidade.
 
A mesma sensação teve com a visita da MCO. "Somos tratados como músicos de verdade, embora ainda tenhamos muito o que aprender", observou Natália, que igualmente ficou impressionada com o envolvimento dos integrantes da MCO com a própria orquestra. "Eles mostram que realmente gostam do que fazem".
 
Após mais dois concertos em São Paulo e Guarulhos (na noite desta quarta-feira), a Mahler Chamber Orchestra encerra a turnê com uma apresentação na quinta-feira (18) no Teatro Carlos Gomes em Vitória (ES).
 
Revisão: Roselaine Wandscheer