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Prestes a vir ao Brasil, Dolores O'Riordan fala sobre volta do Cranberries e diz que não há pressa em lançar disco inédito

GARY GRAFF*

The New York Times Sindycate

16/11/2009 16h51

  • Cary "Slim" Richter/NYT

    A vocalista do Cranberries, Dolores O'Riordan, na divulgação de seu trabalho solo "No Baggage"

Quando deram um tempo na banda em 2003, os integrantes do Cranberries não disseram nada a respeito de que não voltariam a tocar juntos por nada no mundo. Em vez disso, os quatro músicos irlandeses só tinham palavras gentis, expressões de alta consideração e amizade uns pelos outros enquanto partiam em busca de seus próprios interesses.

Isso tornou a reunião, para uma turnê de outono pelos Estados Unidos e talvez um novo álbum, muito mais fácil, talvez até mesmo inevitável. "Foi uma coisa intuitiva", disse a vocalista Dolores O'Riordan, de 38 anos, que lançou dois álbuns solo nesse intervalo. "Eu pensei: 'por que raios estamos esperando? Faz sete anos desde que tocamos juntos e é o 20º aniversário da banda, porque nos formamos em 1990'".

Dolores conta que ela e os companheiros de banda até poderiam esperar mais, "mas eu tive essa compulsão. Nós não estamos ficando mais jovens, então eu disse: 'vamos fazer isso agora, porque eu não sei se vou estar viva daqui cinco anos, ou os rapazes'. Não dá para presumir. Então qual o sentido de adiar? Vamos voltar a tocar". E voltar não foi nada difícil, graças a um pouco de ajuda de forças externas.

Em janeiro, O'Riordan foi nomeada patrona honorária da sociedade filosófica universitária do Trinity College, em Dublin. A faculdade pediu que ela se apresentasse na cerimônia e ela convidou os irmãos e companheiros da banda, Michael e Noel Hogan, que moram em Limerick, para tocar com ela. "Eles disseram 'sim, nós adoraríamos', e foi a primeira vez que vi Mike e Noel desde 2003. Pareceu como se os tivesse visto ontem. Eu acho que, quando você fica junto por tanto tempo, por 13 anos, a sensação sempre será essa. Foi natural estarmos juntos de novo".

CRANBERRIES - "LINGER"

Sucesso aos 19 anos
Os Cranberries surgiram depois que os irmãos Hogans e o baterista Fergal Lawler, sob a alcunha de The Cranberry Saw Us, decidiram substituir o vocalista original, Niall Quinn, e colocaram um anúncio à procura de uma cantora. O teste de O'Riordan incluiu uma versão inicial do futuro sucesso "Linger" e ela ficou com o emprego.

O grupo se transformou no objeto de um leilão entre as gravadoras. No final, eles assinaram com a Island Records e o sucesso veio rapidamente: "Linger" (1993) entrou no Top 10 dos Estados Unidos e chegou ao 3º lugar na Irlanda, e "Dreams" (1994) manteve o embalo. O álbum de estreia dos Cranberries, "Everybody Else Is Doing It, So Why Can't We?" (1993), chegou ao 1º lugar no Reino Unido e conseguiu cinco discos de platina nos Estados Unidos.

O segundo disco do grupo, "No Need to Argue" (1994), chegou a sete discos de platina e ficou no topo das paradas em seis outros países. Ao todo, os Cranberries venderam mais de 14,5 milhões de cópias de seus cinco álbuns de estúdio apenas nos Estados Unidos, enquanto singles como "Zombie" (1994), "Free to Decide" (1996), "When You're Gone" (1996) e "Salvation" (1996) se destacaram em todo mundo.

Mesmo assim, diz O'Riordan, ela ainda fica surpresa quando olha para trás e analisa o que o quarteto conseguiu. "Até hoje 'Linger' não soa como um sucesso", ela diz rindo. "Quando eu tinha 18 ou 19 anos, eu estava na capa da revista 'Rolling Stone' e aquilo tudo era demais para mim, porque eu era uma garotinha que veio do meio do nada na Irlanda e, de repente, me tornei aquela imensa estrela do rock. Naquela época não havia muitas mulheres naquela posição. Nada prepara você para isso".

A própria O'Riordan reconhece que, no final, cansou da própria fama. "Eu estava realmente sofrendo com aquela situação, parecia um peixe em um aquário, por anos. Eu fiquei paranóica e odiava ser famosa. Surtei quando tinha 23 anos, tive um colapso nervoso e tudo mais, e desapareci na floresta". Começar uma família na zona rural da Irlanda ajudou O'Riordan a se recuperar.

A cantora se casou com o ex-diretor de turnê do Duran Duran, Don Burton, em 1994, e deu à luz em 1998 o filho do casal, Taylor, durante uma pausa entre o terceiro e quarto álbum do Cranberries. "Eu comecei a trazer meu cérebro de volta à realidade", lembra O'Riordan, "mas por muitos anos eu ainda permaneci apreensiva e construí esse muro ao meu redor. Não queria mostrar meus verdadeiros sentimentos, não queria que as pessoas vissem isso, que eu também tinha minhas fraquezas e problemas, como tudo mundo".

CRANBERRIES - "ZOMBIE"

Possível turnê mundial
Os Cranberries se reuniram para mais dois álbuns --o mais recente é "Wake Up and Smell the Coffee" (2001)-- mas ficou evidente que a banda estava esgotada. "Perdemos a vontade, ficamos indiferentes", diz O'Riordan. "Estávamos entediados. Isso acontece a muitos grupos que se tornam grandes muito jovens, que acham que isso é algo garantido e depois ficam cheios de tudo. Você perde a fome, a empolgação. Não rolou nenhuma briga, você apenas dá um tempo e vai fazer outras coisas, até sentir falta de novo. Foi uma sensação boa sair do Cranberries àquela altura".

O'Riordan, que tem duas outras filhas e um enteado, celebrou sua independência colaborando com outros artistas, gravando dois álbuns solo --"Are You Listening?" (2007) e "No Baggage", deste ano-- e fazendo um papel no filme "Secrets of Love". Noel Hogan formou grupos chamados The Mono Band e Arkitekt, e Lawler tocou em outras bandas e trabalhou como produtor. Uma reunião nunca foi especulada antes, em parte porque todos os quatro tinham agendas complicadas e, como diz O'Riordan, "no auge da banda nós fizemos um pacto que nunca tocaríamos como Cranberries a menos que fosse nós quatro".

A reunião no Trinity College fez os músicos se interessarem em fazer mais coisas juntos. Até as visitas para eventos familiares, como a crisma do filho de O'Riordan na metade do ano, fez com que as coisas avançassem. "Todo mundo tinha filhos e eu nem conhecia alguns deles", diz O'Riordan. "E me lembro dos três rapazes chegando com suas esposas e um bocado de 'Cranbabies'. E as crianças estavam empolgadas de se conhecerem, e diziam tipo: 'seria legal se nossos pais também se reunissem'. As crianças estavam animadas em nos ver porque elas não se recordam de nós (como Cranberries)".

O grupo agora está avaliando futuras atividades potenciais. "Uma turnê mundial seria ótima", diz O'Riordan. "Eu digo para excursionarmos até cairmos de cansaço. Nós estamos sentados há sete anos, então é empolgante estarmos animados com isso. Sentíamos falta". Ela também está animada para tocar as canções do Cranberries de novo com o grupo, após anos as interpretando com suas bandas solo. "A energia era diferente. A sensação e o som não eram iguais. Qualquer um pode tocar uma música, mas às vezes a energia que as pessoas têm quando compõem tem um certo sentimento que você só consegue com elas".

O Cranberries também pretende criar novas músicas --O'Riordan diz que Noel Hogan "me envia muitas músicas e eu estou continuamente compondo"-- mas ela é cautelosa em dizer se tudo isso resultará mesmo em um novo disco. "É uma daquelas coisas que temos que ver o que vai acontecer quando nos reunirmos e começarmos a tocar. Não há sentido em lançar um álbum ruim. Com sorte, a criatividade fluirá e as energias serão as certas. Estamos animados e empolgados. E temos aquela fome que tínhamos quando começamos. Parece que estamos prontos para ser o Cranberries de novo".

*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan

Tradutor: George El Khouri Andolfato