Ringo Star quer lançar uma "minibiografia" em cada disco; veja entrevista com o ex-Beatle
Ringo Starr começou a produzir seu novo disco, "Y Not", sem ter nenhuma música pronta. Algo novo para um homem que ganhou fama ao lado de três dos maiores compositores da história da música pop --seus companheiros nos Beatles George Harrison, John Lennon e Paul McCartney-- e trilhou um ótimo retrospecto próprio, com sucessos solo como "It Don’t Come Easy" (1971), "Photograph" (1973), "You're Sixteen" (1974) e "Oh My My" (1974).
Então, por que iniciar "Y Not" sem nenhuma canção composta? "Foi o disco mais maluco que já fiz", diz o veterano de 69 anos, que nasceu Richard Starkey Jr. em Liverpool e ingressou nos Beatles em 1962. "Comecei a fazer este álbum em casa, em Los Angeles. Transformei um quarto em estúdio, onde tenho um Pro Tools e alguns sintetizadores, e comecei a gravar padrões de ritmo e algumas notas. Estava tentando algo novo para mim", ele conta.
No processo de gravação, Starr separou seu material em duas categorias: "isso poderia ser uma canção" e "isso não está funcionando". "Mas eu não tinha letras, não tinha melodia. Estava só me divertindo e vendo o que aconteceria. Eu gostaria de dizer que tinha um grande plano profundo e expressivo, mas realmente não tinha".
Ringo Starr - "Walk With You" (em inglês)
Ainda assim, Starr conseguiu chegar a um de seus álbuns solo mais gratificantes e melhor recebidos: "Y Not" estreou no 58º lugar da parada Billboard 200, sua maior posição desde os anos 1970. Parte disso, ele reconhece, se deve a ajuda de seus amigos. À medida que suas ideias ganhavam forma, ele recrutou uma lista de convidados que inclui Ben Harper, McCartney, Van Dyke Parks, Joss Stone, Joe Walsh (cunhado de Ringo Starr), Don Was e os músicos da sua All-Starr Band, Richard Marx, Billy Squier, Edgar Winter e Gary Wright.
Apesar de Starr estar acostumado a ter convidados de peso em seus projetos, ele diz que "Y Not" se beneficiou de um elemento de acaso. "O ponto em que senti que havia música suficiente naquilo foi quando comecei a chamar as pessoas", lembra Starr, falando por telefone de Nova York. "Eu tocava duas faixas para elas e dizia: 'eu gostaria de compor uma música com você usando uma delas. Você pode escolher a faixa que quiser'. E foi assim que começamos a compor", conta.
Minibiografia musical
A faixa final do álbum, "Who's Your Daddy", gravada com Joss Stone, foi uma combinação de timing e sorte. "Nós não tínhamos letras, melodia, nada, mas eu continuava ouvindo o refrão, e isso estabeleceu o clima para que eu pensasse a respeito, como 'quem vai cantar isso é uma garota que está furiosa com você e você está tentando manter a paz', mas eu queria que a canção fosse da garota gritando com o namorado. Por um tremendo acaso, Joss Stone apareceu e ela estava furiosa com seu namorado na época, daí foi fácil de compor. Não dá para planejar uma coisa dessas".
McCartney tocou baixo em "Peace Dream" e contribuiu com o vocal de apoio em "Walk With You" enquanto esteve em Los Angeles --onde Starr vive com esposa há 29 anos, a atriz Barbara Bach-- para o Prêmio Grammy de 2009. "Eu sabia que queria a presença dele em 'Peace Dream'", diz Starr, que tinha escrito uma linha sobre o 'Bed-in for Peace' (em português, "na cama pela paz") de Lennon em Amsterdã, em 1969, mas "não planejava uma faixa quase-Beatles ou algo assim".
Starr lembra que McCartney trouxe seu baixo e "eu toquei a faixa para ele, e ele adorou e não teve problema em tocar nela. Depois disso eu mostrei algumas das outras faixas, e eu já tinha gravado a voz para 'Walk With You'. Ele a ouviu e disse: 'me dê os fones (de ouvido) e toque a faixa. Eu quero fazer algo nela'. E então ele fez aquela sequência, em que entra uma batida depois de mim".
Apesar de canções como "Peace Dream" e "Walk With You", entre outras, entrarem em um terreno sério, Starr argumenta que não foi sua intenção. "Eu não me sentei ali pensando que havia algo muito profundo que eu precisava dizer", ele insiste. "É apenas a emoção que eu estava sentindo no momento". Ele causou certa surpresa com "The Other Side of Liverpool", um olhar sentimental para sua própria criação no que descreve com um ambiente pobre, "frio e úmido", onde sua mãe trabalhava em um bar e seus pais se divorciaram quando Starr tinha 3 anos.
O ex-Beatle queria que "The Other Side of Liverpool" fizesse companhia à faixa-título mais alegre de "Liverpool 8" (2008), e essa não será a última vez que explora seu passado em busca de ideias para canções. "Meu plano é ter uma minibiografia em cada CD daqui para frente, uma música que fale sobre minha vida. Esta é um pouco mais sombria, mas fala sobre dois amigos com os quais cresci, a primeira banda na qual toquei e como (tocar música) foi a única forma de sair de lá. Não é como um livro, onde você pode escrever para sempre. Na música você precisa encapsular certos momentos de sua vida".
Beatles, Rock Band e baquetas
Starr passou 2009 imerso em seu passado graças a uma série de projetos relacionados aos Beatles, principalmente o videogame "Rock Band" dedicado à música do grupo e os CDs remasterizados que foram lançados no final do ano passado. "A grande emoção para mim é termos feito essas músicas há tanto tempo e elas ainda resistirem. Nosso senso de moda mudou, mas nossa música resiste e os garotos estão começando a gostar dela como se fosse nova. Trabalhamos arduamente naqueles álbuns e eles ainda são atuais", avalia.
O músico também se permitiu um pouco de satisfação indulgente ao escutar aos discos remasterizados. "Para mim, como baterista da banda, agora realmente dá para ouvir", ele diz rindo. "Há muita clareza nas novas mixagens. Isso não tira a vibração da gravação, mas o som está nítido por causa da tecnologia atual. É fascinante. Eu me lembro de quando fizemos a mixagem 5.1 de 'Yellow Submarine' (1968) anos atrás. Paul e eu escutamos e ambos ficamos como crianças pensando 'quem pôs aquilo ali? Quem está tocando isso?', porque finalmente dava para ouvir tudo".
Mas não espere encontrar Starr jogando "Rock Band" com frequência. "Minha habilidade no 'Rock Band' é uma droga", ele diz rindo. "A informação que vem é rápida demais, mas eu adoro os gráficos. O que é incrível é que meu filho [o baterista do The Who, Zak Starkey] tem três meninos, e ele sempre me diz: 'Sonny é o Ringo hoje'. Os meninos estão todos jogando, mas eu não sou nem um pouco bom nisso, obrigado".
Starr está feliz tocando sua própria música, o que ele fará ao longo de grande parte de 2010 com sua All-Starr Band. A formação deste ano contará com o retorno de Winter e Wright, além de Rick Derringer, Wally Palmar dos The Romantics e Richard Page do Mr. Mister. Starr espera incluir algumas canções de "Y Not", particularmente "Walk With You" e "The Other Side of Liverpool", no repertório. "Adoro tocar ao vivo. Eu me divirto muito e, até agora, todas as bandas demonstraram muito apoio e nos divertimos. Assim como o público. São só sucessos, então o que há para não gostar?".
A turnê passará por Nova York para uma apresentação no Radio City Music Hall, quando Starr completará 70 anos, em 7 de julho. Ele já passou há muito de "When I'm 64', mas o baterista não vê um fim à vista. "Sou abençoado. Estou numa rotina: gravo um álbum, saio em turnê, gravo um álbum, saio em turnê... Enquanto eu puder me sentar à bateria, pegar as baquetas e me levantar para fazer o show, eu estou nessa. Meu grande herói no momento é B.B. King. Ele tem 900 anos ou algo assim. Quero ter a mesma longevidade dele".
*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan
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