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Livro “rosa” de Marina Ruy Barbosa é meloso, sonolento e cheio de autoajuda

Rodrigo Casarin

12/12/2017 09h00

São nobres as razões que levaram a atriz Marina Ruy Barbosa a escrever e compilar "Inspirações", que acaba de lançar pela Objetiva. "A ideia de usar a minha rede social não apenas para inspirar quem admira meu trabalho, mas também para incentivar a leitura de poesia me atraiu muito. Se uma a cada cem pessoas que curtem meus posts for tocada por uma frase, um verso, uma ideia e dali se interessar por aquele ou por outros livros, já sentirei como se tivesse cumprido uma missão. Num país em que o acesso à leitura é posto em segundo plano, ser instrumento de mudança dessa realidade, semeando coisas boas, é uma sorte, e quero fazer a minha parte", registra na introdução da obra depois de lembrar que, ao completar 22 anos, era seguida por quase 20 milhões de pessoas – o número atualizado de seguidores de Marina já chega a quase 22 milhões.

Digo compilar porque no volume a atriz reúne trechos de poemas que lhe inspiram de diversos poetas brasileiros de reconhecido talento. Digo escrever porque também há muitos escritos da própria Marina. Há ainda fotos, muitas fotos da autora. E tudo isso em tons de rosa que se espalham pelas páginas. Aliás, está aí uma definição digna: "Inspirações", de Marina Ruy Barbosa, é um livro cor-de-rosa – e nada de rosa extravagante, mas pastel.

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"Gatos não fingem! São bichos independentes. Representam a liberdade. Curiosos, estão sempre em busca de algo novo. Gato não faz questão de agradar. Gatos vivem. Não temem a altura. Saem sem destino certo. Gatos não têm medo. Esqueçam a autoajuda. Foquem nos gatos", recomenda a atriz no final do volume. No entanto, ironicamente, a autoajuda permeia quase tudo o que ela escreve. Veja um exemplo:

"Eu sou muito intensa, canceriana, sensível, vivo à flor da pele. E sou também um pouco dramática! Quantas vezes fui dormir achando que era o fim do mundo e no dia seguinte o sol brilhava mostrando outro caminho? Hoje tento não sofrer por antecipação e procuro enxergar o lado bom das coisas. Todo fim pode ser um recomeço, uma descoberta, uma chance. Às vezes nos esquecemos disso, mas temos o dom e o poder de recomeçar todos os dias".

Mais um: "Quando eu era criança sempre ouvia: 'É caindo que se aprende!'. Foi assim quando estava começando a andar, quando aprendi a andar de bicicleta, quando cismei de patinar… O que a ingenuidade da infância não me permitiu saber é que, ao longo da vida, cairia muitas vezes e que essas quedas não trariam simples arranhões na pele ou hematomas. As feridas seriam mais profundas e invisíveis. O tempo de recuperação, incerto. Mas esses tombos ajudam a seguir em frente. Vamos ao chão, mas enxergamos novas perspectivas na vida. Importante é manter a vontade de seguir em frente, sabendo que, para levantar mais forte, precisamos antes aprender a cair".

O último, prometo: "Existirão sempre mil obstáculos para atrapalhar a nossa felicidade, mas o maior de todos somos nós mesmos. Apesar de a vida ser muitas vezes cercada por certo fatalismo, é importante aprender a desfrutar dos momentos genuinamente positivos que a rotina proporciona. E saber que muitas vezes as tormentas chegam também para colocar tudo no devido lugar. Em meio à ventania e à chuva, somos jogados no local onde precisamos estar. O motivo dessas reviravoltas nem sempre fica claro de início, mas quando as nuvens cinzentas se afastam, o tempo melhora, o sol aparece, entendemos perfeitamente por que fomos pegos pela tempestade. O segredo nessas horas é não tentar se proteger, mas sim aprender a dançar na chuva".

Não sofrer por antecipação e enxergar o lado bom das coisas, tombos que fazem crescer e encarar a tempestade dançando na chuva… Tudo muito profundo. É bom o leitor de Marina ter cuidado para não se afogar em uma piscininha de mil litros. Marina deveria focar mais nos gatos.

Cansativo e sonolento

Como prometido, "Inspirações" traz versos de grandes autores, muitos deles contemporâneos, que talvez nunca chegassem a certo público se não fosse por essa tentativa de intervenção pró poesia de Marina. Falo de gente como Alice Santana, Ana Martins Marques, Eucanaã Ferraz e Angélica Freitas. Mas mesmo os versos selecionados desse povo se tornam um tanto cansativos. Marina parece só ter olhos para poemas de tom meloso, principalmente aqueles que falam de amor. São trechos que, mesmo apurados e bem escritos, vão ao encontro do clichê, da caricatura que muitas pessoas fazem da poesia.

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Chama a atenção um detalhe das referências bibliográficas: dos 21 livros listados pela autora, apenas 2 não são do Grupo Companhia das Letras (do qual a Objetiva faz parte): "Dobradura", de Alice Sant'Anna, e "Beijo na Boca", de Cacaso, ambos editados pela 7Letras. Sei que isso facilita a edição – poupa o trabalho de liberação dos direitos -, mas também deixa a reunião do livro cor-de-rosa um tanto capenga; boa parte do que há de melhor em poesia hoje no país é editado por pequenas casas.

Ao cabo, três constatações sobre "Inspirações". É possível reunir gente como Hilda Hilst, Vinicius de Moraes e Paulo Leminski num livro e mesmo assim o volume ser cansativo e sonolento. Ler autores como Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Mario Quintana e Fernando Pessoa não faz do leitor necessariamente um grande escritor, óbvio – e, como Marina comprova, sequer lhe garante algum apuro estético para fugir de clichês, para fugir da autoajuda. Ainda assim, provavelmente muita gente conhecerá nomes como Paulo Henriques Britto, Armando Freitas Filho e Alice Ruiz graças à atriz – e pelo menos isso é bom.

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Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.