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Reunidos em livro, discursos de Obama parecem conselhos ao Brasil de hoje

Rodrigo Casarin

26/09/2017 09h17

Uma das principais virtudes de Barack Obama enquanto esteve em campanha e na presidência dos Estados Unidos, cargo que ocupou entre 2008 e 2016, foi a qualidade de seus discursos. Aliando carisma e domínio da retórica, com frequência trechos de seus pronunciamentos eram exaltados em todo o mundo. Essa característica do antigo mandatário ficou ainda mais evidente por conta de seu sucessor, Donald Trump, um truculento que não consegue emplacar em sermão sequer de qualidade. Pior do que isso, um sermão sequer no qual não se mostre como um troglodita à frente da maior potência econômica e bélica do planeta – vide ir à Assembleia Geral da ONU para prometer dizimar todo um país.

Sim, Obama tinha suas incoerências, vide a incompatibilidade entre o discurso e a prática no que diz respeito à Guerra do Iraque. Mas é inegável que muitas de suas palavras, ainda que não necessariamente aplicadas por ele mesmo, soam bem aos ouvidos. É isso que comprova o livro "Nós Somos a Mudança que Buscamos", recém-lançado no Brasil pela BestSeller. Organizado por E. J. Dionne Jr. e Joy-Ann Reid, a obra reúne 27 discursos de Obama em diferentes momentos de sua carreira política. O primeiro data de 2002, quando se projetou nas bases do Partido Progressista, enquanto o último é a sua mensagem de despedida da Casa Branca, no começo deste ano. São textos que, precedidos de contextualizações históricas, tratam de economia, desigualdade, violência, preconceito e direitos humanos, dentre outros assuntos.

Abaixo selecionei sete fragmentos dos pronunciamentos presentes na obra. Chama a atenção como algumas das passagens se encaixam perfeitamente no Brasil de hoje. Em 2002 ele já falava sobre lutas que nos são – ou deveriam ser – caras: "São essas as batalhas que precisamos combater. As batalhas contra a ignorância e a intolerância. A corrupção e a ganância. A pobreza e o desespero". Em dezembro de 2011, lembrou que Theodore Roosevelt, presidente dos Estados Unidos no começo do século 20 eleito pelo Partido Republicano, foi "acusado" de ser socialista e comunista por propor pautas como o imposto de renda progressivo. No final de 2016, por sua vez, lembrou que "Um mundo em que 1% da humanidade controla tanta riqueza quanto os outros 99% jamais será estável", análise que cabe perfeitamente nos dados divulgados ontem pela Oxfam, que dão conta que 5% dos brasileiros mais abastados concentram a mesma riqueza dos outros 95% da população.

Veja os trechos selecionados:

"São essas as batalhas que precisamos combater. As batalhas às quais aderimos de bom grado. As batalhas contra a ignorância e a intolerância. A corrupção e a ganância. A pobreza e o desespero. As consequências de uma guerra são terríveis e os sacrifícios, incomensuráveis. É possível que, no decorrer de nossas vidas, ainda precisemos nos levantar mais uma vez em defesa de nossa liberdade, pagando o preço da guerra. Mas não devemos – não vamos – mergulhar cegamente nesse caminho infernal. Nem devemos permitir que aqueles que estão disposto a marchar e assumir o maior sacrifício de todos, aqueles que provariam toda a sua dedicação com o próprio sangue, façam um sacrifício tão terrível em vão" – discurso contra a guerra no Iraque proferido em Chicago, em outubro de 2002.

"Afinal, os problemas da pobreza e do racismo, dos desempregados e dos carentes, de um sistema de saúde não são apenas técnicos à espera de que um perfeito plano em dez pontos seja traçado. Estão enraizados tanto na indiferença da sociedade quanto na frieza individual – nas imperfeições do homem.

Para resolver esses problemas serão necessárias mudanças na política de governo, mas também mudanças nos corações e nas mentes. Eu acredito que precisamos manter as armas de fogo longe dos nossos bairros pobres e que os nossos líderes precisam afirmá-lo diante do lobby dos fabricantes de armas, mas também acredito que, quando um membro de uma gangue sai atirando indiscriminadamente em uma multidão por achar que alguém o desrespeitou, temos um problema moral. Há um vazio no coração desse jovem – um vazio que o governo não pode consertar sozinho" – discurso sobre a importância da religião proferido em Washington, em junho de 2006.

"Podemos parar de dizer que os professores são maravilhosos e começar a recompensá-los por serem maravilhosos, melhorando sua remuneração e dando um apoio a eles. Podemos fazer isso com nossa nova maioria.

Podemos canalizar a criatividade de fazendeiros e cientistas, cidadão e empreendedores, para libertar nosso país da tirania do petróleo e salvar nosso planeta de uma situação irreversível.

E quando eu for presidente dos Estados Unidos, acabaremos essa Guerra no Iraque e traremos nossas tropas de volta.

Acabaremos com essa Guerra no Iraque. Traremos nossas tropas de volta. Concluiremos o trabalho – vamos concluir o trabalho contra a Al Qaeda no Afeganistão. Cuidaremos de nossos veteranos. Recuperaremos nossa posição moral no mundo" – discurso proferido durante as primárias de seu partido, em Nashua, em janeiro de 2008.

"A pergunta que fazemos hoje não é se nosso governo é grande demais ou pequeno demais, mas se funciona – se ajuda as famílias a encontrar empregos com salários decentes, assistência de saúde a um preço acessível, uma aposentadoria digna. Quando a resposta for sim, pretendemos ir em frente. Quando a resposta for não, os programas serão suspensos. E aqueles entre nós que se encarregam de administrar os dólares públicos terão que prestar contas, gastar com critério, mudar os mais hábitos e fazer as negociações às claras, pois só então poderemos reestabelecer a confiança vital entre um povo e seu governo" – discurso de posse em Washington, em janeiro de 2009.

"Enquanto nossas relações forem definidas por nossas diferenças, continuaremos a fortalecer os que semeiam o ódio e não a paz, os que promovem o conflito e não a cooperação capaz de ajudar todo nosso povo a alcançar a justiça e a prosperidade. E esse ciclo de desconfiança e discórdia precisa acabar" – discurso sobre a relação com países árabes e muçulmanos proferido em Cairo, em julho de 2009.

"Em 1910, Teddy Roosevelt veio a Osawatomie expor sua visão do que chamava de um Novo Racionalismo. 'Nosso país', disse, 'nada significa se não significar a vitória de uma democracia real […] de um sistema econômico no qual seja assegurada a cada homem a oportunidade de mostrar o que há de melhor nele'.

Roosevelt foi chamado de radical por isso. Foi chamado de socialista, até mesmo de comunista. Hoje, contudo, somos uma nação mais rica e uma democracia mais forte por causa daquilo por que ele lutou em sua última campanha: uma jornada de trabalho de oito horas com um salário mínimo para as mulheres; seguro para os desempregados, os idosos e os incapacitados; reforma política e imposto de renda progressivo" – discurso sobre economia em Kansas, em dezembro de 2011.

"Um mundo em que 1% da humanidade controla tanta riqueza quanto os outros 99% jamais será estável. Sei que a defasagem entre ricos e pobres não é uma novidade, mas, assim como a criança em uma favela pode ver o arranha-céu no bairro ao lado, a tecnologia dos dias atuais permite que qualquer pessoa com um smartphone veja como os privilegiados dentre nós vivem em contraste entre suas próprias vidas e as dos outros. As expectativas aumentam, assim, com uma rapidez que não está ao alcance dos governos, e um disseminado sentimento de injustiça solapa a confiança no sistema" – pronunciamento na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2016, pouco antes de terminar seu segundo mandato.'

Sobre o autor

Rodrigo Casarin é jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário. Vive em São Paulo, em meio às estantes com as obras que já leu e às pilhas com os livros dos quais ainda não passou da página 5.

Sobre o blog

O blog Página Cinco fala de livros. Dos clássicos aos últimos sucessos comerciais, dos impressos aos e-books, das obras com letras miúdas, quase ilegíveis, aos balões das histórias em quadrinhos.