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Figura improvável em Cannes, Adam Sandler lança mais um filme da Netflix

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes (França)

21/05/2017 09h05

Adam Sandler não é exatamente o tipo de estrela que se espera ver no tapete vermelho de um festival como o de Cannes. No entanto, na manhã deste domingo, ele foi um dos destaques na Croisette, na condição de protagonista de um filme em competição: "The Meyerowitz Stories", dirigido por Noah Baumbach. É, inclusive, um dos candidatos ao prêmio de melhor ator no evento.

No filme, uma comédia bem mais sofisticada que as habituais na carreira do astro, Sandler interpreta um dos membros de uma família de artistas judeus novaiorquinos, os Meyerowitz, mas sem o mesmo talento artístico do pai (Dustin Hoffman) e o tino para ganhar dinheiro do irmão (Ben Stiller). Com direção de Noah Baumbach (de "Frances Ha"), o longa é um agridoce acerto de contas familiar, que foi aplaudido pela imprensa ao final. 

O filme é a segunda produção da Netflix apresentada na disputa pela Palma de Ouro (a outra foi "Okja", exibido na última sexta), e o assunto obviamente voltou a ser pauta da coletiva de imprensa. A polêmica de a Netflix ter se restringido a lançar seus filmes em salas tradicionais - os longas produzidos pela empresa terão praticamente lançamento só em tela pequena (para computadores, celulares e TVs) - tem sido o grande tema desta edição do festival.

"Fiz o filme com dinheiro independente, como sempre, com expectativas de que vai ser mostrado na tela grande. Porque acredito nisso, que é único, de que [ver na tela grande] não é uma experiência vai embora. Mas o Netflix prestou grande apoio e sou muito grato a isso", disse Baumbach, sem se prolongar muito no tema. A princípio, "Meyerowitz" terá lançamento apenas na tela pequena.

Emma Thompson, o director Noah Baumbach, Ben Stiller, Dustin Hoffman, Adam Sandler e o CEO da Netflix Ted Sarandos no tapete vermelho de "The Meyerowitz Stories", em Cannes - AP - AP
Emma Thompson, o director Noah Baumbach, Ben Stiller, Dustin Hoffman, Adam Sandler e o CEO da Netflix Ted Sarandos no tapete vermelho de "The Meyerowitz Stories", em Cannes
Imagem: AP

"Não pude acreditar"

Sandler foi indagado sobre sua reação ao ser convidado para o projeto, pequeno para seus padrões. "Não pude acreditar [quando fui chamado], achei a coisa mais extraordinária. Sabia que era um papel engraçado, emocional, me senti atraído por todo o filme e fiquei desde o início fiquei muito ligado [ao projeto]", disse Sandler. "Tivemos uma ótima hora trabalhando juntos. Conheço Ben [Stiller] desde sempre, quando tinha 22 anos, e Dustin [Hoffman] também, que sempre foi muito bom para mim, veio ao meu casamento", disse o ator.

"Interpretar irmão de Sandler foi uma das melhores experiências da minha vida", disse Stiller, ao que Sandler respondeu: "Eu também, companheiro".
Ícone de um humor propenso a vulgaridades e escatologias de vários tipos, em joias do blockbuster de gosto duvidoso como "Little Nicky, um Diabo Diferente" (2001) e "Cada um Tem a Gêmea que Merece" (2011), Sandler já havia aparecido na Croisette em 2002, quando defendeu "Embriagado de Amor", que renderia ao prestigiado cineasta Paul Thomas Anderson o prêmio de melhor diretor na ocasião.

Mas desde então, sua carreira quase que se restringiu aos filmes comerciais sem maior interesse artístico. Em "The Meyerowitz Stories", ele está mais contido do que de hábito - embora tenha seus instantes maneiristas (seu personagem manca de uma das pernas o tempo todo). Mas no geral, consegue mostrar que traz em si um ator capaz de sutilezas, quando direcionado para esse caminho.

"É diferente para um comediante ter ofertas em dramas como esses. Trabalho duro ao máximo para que em cada material eu seja tão bom quanto eu conseguir", disse Sandler. "Não quis decepcionar ninguém. Houve elementos sobre os quais já pensava há tempos e tudo se juntou nesse filme", disse Noah Baumbach. Ele se referiu às habilidades musicais de Sandler como forma de trazê-lo ao projeto - em algumas cenas, o ator toca piano e canta composições caseiras. "Ter no filme elementos como música e piano foi uma das maneiras de justificar a presença dele no filme". .

Sandler poderia ter tido uma carreira em filmes mais autorais se quisesse. Mas a grande questão é: seria a grande estrela que se tornou caso tivesse se dedicado basicamente apenas a projetos autorais como o filme exibido em Cannes. É improvável. Após um começo meteórico no stand up comedy de Nova York, Sandler se especializou em comédias vulgares que o tornaram um saco de pancadas dos críticos.

Em 2015, Sandler foi ridicularizado pelo próprio estúdio que bancava seus filmes, a Sony, quando hackers divulgaram e-mails do grupo em que um alto funcionário apontava o ator como um dos motivos de vergonha da casa: "Ainda vamos continuar bancando Adam Sandler? Por quê?". O mesmo texto ainda atacava os longas do comediante por serem por demais "ordinários e presos a fórmulas".

Fracasso de críticas, sucesso de público

Mas se o prestigio de Sandler por ali não era dos melhores, seu valor de mercado continuava alto: seus filmes, apesar de fracassos retumbantes de críticas, continuam sendo grandes êxitos de público.

De olho nessa capacidade de atrair espectadores, a Netflix resolveu ignorar os narizes torcidos dos especialistas e resolveu investir em um pacote gigantesco com o astro: nada menos que oito produções originais do serviço de streaming (alguns ainda em fase de produção) são encabeçados por ele.

O primeiro título, "The Ridiculous 6", bateu um recorde quando lançado: teve mais visualizações nos primeiros 30 dias no catálogo que qualquer outra produção já exibida na plataforma. Atualmente, a comédia "Sandy Wexler" é um dos grandes destaques em cartaz no serviço de streaming.

Como que retribuindo a gentileza da boa audiência de seu astro, a Netflix trouxe, com a inserção em Cannes, um pouco de prestígio à carreira de Sandler.