Topo

Louis Garrel vira um dos favoritos ao prêmio de melhor ator em Cannes

Diretor do filme "Le Redoutable", Michel Hazanavicius finge um beijo para brincar com o galã Louis Garrel, um dos favoritos ao prêmio de ator em Cannes pela interpretação de Godard - Reuters
Diretor do filme "Le Redoutable", Michel Hazanavicius finge um beijo para brincar com o galã Louis Garrel, um dos favoritos ao prêmio de ator em Cannes pela interpretação de Godard Imagem: Reuters

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes (França)

21/05/2017 15h19

O francês Louis Garrel saiu na frente na disputa pelo prêmio de interpretação masculina no Festival de Cannes deste ano. O galã foi bastante elogiado pela performance no longa “Le Redoutable”, de Michel Hazanavicius (de “O Artista”), exibido na tarde deste sábado (20);

No filme,  Garrel  interpreta o cineasta franco-suíço  Jean-Luc Godard, um dos mais importantes da história do cinema. A trama se inspira nos anos em que Godard viveu junto com a atriz e escritora Anne Wiazemsky e é uma comédia conjugal que também aborda o período criativo do diretor no fim dos anos 1960, época em que a França vivia um efervescente período político e cultural.

A caracterização do ator é um dos pontos altos do longa: os cinéfilos vão facilmente reconhecer na figura dele a do autor de clássicos como “Acossado” (1960) e “O Demônio das Onze Horas” (1965) – além de recorrer a seus característicos óculos de grau escuros, Garrel também aparece em cena semicalvo, com os cabelos ralos como os de Godard. O ator ainda incorporou uma fala com a língua “presa”, que lembra peculiar dicção do cineasta.

“No começo, não quis fazer o papel porque não tive vontade”, revelou o ator, na conversa com a imprensa, neste domingo. “Só [aceitei] depois que li o roteiro e percebi o jogo que Michel [Hazanavicius] propõe. Já é a terceira vez que interpreto um personagem que viveu o Maio de 1968, e foi bom porque pude mais uma vez reviver aquele período, mas agora de maneira mais irônica e terna”, completou o galã.

Na vida real, o ator é filho do cineasta Philippe Garrel, um dos herdeiros artísticos do movimento Nouvelle Vague, que Godard capitaneou nos anos 60 ao lado de François Truffaut, Claude Chabrol e outros.

Garrel  interpreta Jean-Luc Godard e a trama se inspira nos anos em que o cineasta franco-suíço ele Godard viveu junto com a atriz e escritora Anne Wiazemsky no fim dos anos 60, época em que a França vivia um efervescente período político e cultural - Divulgação - Divulgação
Garrel interpreta o cineasta Jean-Luc Godard e a trama se inspira nos finais dos anos 60, época em que a França vivia um efervescente período político e cultural
Imagem: Divulgação
No entanto, apesar de um grande contato desde a infância com o universo cinematográfico francês, o astro diz que jamais sequer viu Godard pessoalmente (o cineasta vive, há décadas, em voluntário semi-isolamento com a mulher, na Suíça).

“Mas desde que eu tinha 14 anos, eu sempre vejo entrevistas e assisto aos filmes dele, inclusive aqueles em que aparece como ator. Então tenho sua voz na minha cabeça, como uma melodia. Como uma canção de Bob Dylan, que eu adoro escutar”, comparou o ator.

A riqueza da atuação de Garrel vai além da mímica; ele consegue se tornar um personagem interessante por si só, independentemente da  imitação física. O longa mostra o quanto Godard, apesar de ter um humor vivo e momentos de afetividade, era (e ainda deve ser) uma pessoa de difícil convívio, seja por sua sinceridade excessiva, seja pelas dificuldades em compreender as limitações dos outros.

Diretor assume que criou um personagem próprio

O Godard do filme é divertido e veloz nas tiradas, muitas vezes de comicidade menos cerebrais que se esperaria (por vezes, lembra mais Woody Allen que o diretor franco-suíço em si). Mas também é intransigente, afeito à misantropia e, sobretudo, ciumento. Ou seja: o Godard do filme guarda muita semelhança com a imagem que biografias e testemunhos costumam compor do cineasta. Mas Hazanavicius diz que, a certo ponto, abandonou o da vida real e criou um personagem próprio.

“Chegou uma hora em que me enchi do Godard verdadeiro e passei a cuidar do meu, que eu inventei, uma figura ao mesmo tempo engraçada e humana. Não hesitei em trair [o realismo] e reinventá-lo”, disse Hazanavicius que revelou ter convidado o diretor para assistir a uma sessão do filme, mas que ele sequer se deu ao trabalho de responder se compareceria.

O filme traz diversos códigos visuais (como as cores e o excesso de palavras que aparecem na tela) do cinema de Godard, mas isso tudo surge no filme antes como uma alusão à arte do biografado do que propriamente uma tentativa de reproduzi-la ou aplicar a filosofia cinematográfica godardiana ao filme.

“Le Redoutable” é antes de mais nada uma celebração da obra do cineasta – e da relação entre um homem e uma mulher, um de seus temas preferidos – por meio de um filme leve, sem peso ou o caráter revolucionário da filmografia de Godard. Em seu tratamento lúdico do cinema godardiano, acaba sendo, inclusive, uma boa porta de acesso aos que desconhecem o universo do cineasta – é uma espécie de Godard para dummies.

Muitos jornalistas talvez não tenham compreendido isso e achado o filme uma tentativa frustrada de “ser Godard” – a coletiva de imprensa teve poucos repórteres presentes, talvez em protesto. Mas Hazanavicius, que desde que ganhou seu discutível Oscar por “O Artista” é uma persona non grata entre grande parte da crítica, não parece se importar muito com a rejeição. “O filme rende homenagem a Godard, mas também é irônico. Mas como o cinema de Godard também o era, então não me senti desconfortável em relação a isso”, disse.

Susto em Cannes antes da exibição do filme

O longa foi exibido na tarde de sábado, em uma sessão que começou com atraso de quase uma hora por conta de uma suspeita de bomba na sala Debussy, no complexo do Palácio dos Festivais, onde as atividades de Cannes se concentram.

Seguranças e policiais encontraram um objeto abandonado no local e, temendo que pudesse ser algum objeto de poder explosivo, talvez de motivação terrorista, acharam por bem evacuar a sala. Após verificação de que não havia riscos, a Debussy foi liberada, e a sessão transcorreu normalmente.