O punk de saco cheio

João Gordo está farto de shows, haters, políticos e de uma gritante "ameaça nazista". Solução? O aeroporto

Por Leonardo Rodrigues Do UOL, em São Paulo
Lucas Lima/UOL

De mãos dadas com a mulher Vivi, João Gordo anda cuidadosamente pela rua 13 de maio, na região central de São Paulo, como que desviando de um buraco invisível a cada metro percorrido. O andar de monstro é resultado de uma cirurgia de hidrocele testicular, que retirou acúmulo de fluido em seus testículos. “Meu saco estava igual aqueles bagulhos de pancada de boxe. Coisa de velho”, brinca o vocalista do Ratos de Porão.

Sou o maior RoboCop. Fiz um monte de cirurgia fodida. Estômago, bariátrica, já tirei a safena. Já operei os dois joelhos. Sou um Franksteinzinho.

Aos 53 anos, casado e pai de um casal de adolescentes, Gordo conserva a língua afiada dos tempos de TV aberta e admite um incômodo cansaço. Das turnês internacionais (“hoje é só para comprar discos”), dos haters (“se eu não gosto de alguém, não vou na página encher o saco”), dos políticos (“Bolsonaro no seu rabo, meu irmão”) e de um certo levante moralista que vem fazendo barulho no campo das artes (“pode esperar, daqui a pouco vai ter uma suástica na bandeira do Brasil”). 

Solução? Talvez o aeroporto. “Quem sabe a gente vá para a Europa, sei lá. Eu não sei como vai estar este país daqui a um ano ou dois. Um monte de playboy armado, dando tiro para cima. A gente não sabe o que vai fazer. É uma dúvida cruel.”

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Ameaça nazista

Como punk clássico que é, João Gordo se diz adepto da anarquia. Mas algo está fazendo brotar outro posicionamento político, mais à esquerda: a nova "escalada conservadora" brasileira. "Nunca votei no Lula, mas agora vou votar. Porque, do jeito que a coisa está indo, em 2039 a suástica vai ser moda, cara. Vai ter pijaminha de suástica. Óculos de suástica. A bandeira do Brasil vai ter uma suástica vermelhona. Depois que fizeram um monte de bosta, o brasileiro está complemente tomado, manipulado por isso aqui [aponta para o celular]. Está tudo polarizado. Os idiotas se juntaram", entende.

"O que o cara fala no celular hoje é o que falava sozinho em casa, no bar com o amigo. De repente começaram a ver que tinha um monte de gente que pensava igual. Eles começaram a se juntar nesse movimento fascistão. Você vê o monte de babaca que tem por aí. E o negócio é isso aí. Bolsonaro no seu rabo, meu irmão. Não duvido nada que daqui a pouco haja suástica para tudo que é lado. Em boca fechada não entra mosquito. Nego vai começar a sumir."

Marlene Bergamo/Folhapress Marlene Bergamo/Folhapress

Empreender para sobreviver

Com o fim do contrato com a TV Record, em 2013, João Gordo se viu no vermelho. Daí veio a ideia do Panelaço, um canal no YouTube sobre culinária vegana em que cozinha para convidados como Alex Atala e Mano Brown. “Com o Ratos, dá para um solteiro sobreviver e só. Tem que pagar muito imposto, uma conta horrível”, diz João Gordo, cujo perfil passa longe do de poupador. 

Com os filhos crescendo e as contas apertando, ele e a mulher abriram há dois anos uma loja de produtos vegetarianos, discos, brinquedos, presentes e o que mais encontrarem em casa ou pela rua. O espaço funciona no segundo andar de um imóvel no bairro do Bixiga, cedido "na brodagem" por Alberto Hiar, o "Turco Loco", cofundador da grife Cavalera.

"Era para ser uma puta loja louca, mas o dinheiro acabou completamente dois anos atrás. Então começamos a usar as coisas nossas que a gente tinha. Aí começou a crescer. É um conceito alternativo que veio sem querer. As pessoas estão vindo e gostando. Mas não sei o que vai acontecer com o negócio. Não sei se eu vou estar vivo daqui a cinco, dez anos, cara.”

"Dá pra ser vegano sem ser chato"

"Não vejo canal de culinária"

Tenho o meu canal e até conheço a Bela Gil. Ela é gente boa e tal. Fui uma vez no programa dela, mas não assisto ao que ela faz. Rita Lobo nem sei quem é. E o que é esse Larica Total? Nunca vi. Acho que eu devia estar assistindo vídeo do "My Name is Earl" na hora que passou."

João Gordo, seguidor contumaz do "faça você mesmo"

Traidor do movimento?

Enxadrista habilidoso na adolescência, João Gordo conheceu a rebeldia roqueira em meados dos anos 1970, antes mesmo de entender o que é punk. Se hoje ele é uma figura pública, isso se deve à uma ditadura familiar.

Eu era espancado dentro de casa, velho. Meu pai era policial militar e tinha problema psiquiátrico, e tudo lá em casa era vezes três. Os castigos, as humilhações. O estilo patriarcal de ele comandar a família foi difícil pra caralho.

A resposta veio na forma de banda punk, o Ratos de Porão, formada pelos amigos Jão, Betinho e Jabá, todos loucos pelo programa de Kid Vinil na rádio Excelsior. Fo iKid quem apresentou oficialmente a novidade à molecada.

“Em 1977, com 13 anos, eu já era roqueiro. Fui abraçar o punk em 79, como fuga, bem na época do Kid", afirma Gordo. "Mas era uma falta de informação geral. Vi muita parada horrível. Racismo. Pessoal homofóbico ao extremo. Briga. Era coisa de ganguismo mesmo. Foi por isso que a gente saiu fora do punk e foi para o metal. E aí chamaram a gente de 'traidor do movimento'. Mas foda-se, cara. A gente sempre fez o que queria fazer.”

Por exemplo: tocar drogado para Angélica

Outras loucuras punk

  • Surrupiando o Capital Inicial

    "Eles deixaram equipamento marcando no ônibus deles num show, e a gente [Ratos de Porão] foi embora com tudo. Aí ele pegaram táxi e foram atrás. A gente já estava dividindo o "saque". Eles chegaram e pararam o ônibus na avenida Brasil. 'Pô, vocês roubaram!'. 'Roubamos nada. O motorista saiu e a gente estava com sono'. Mas na real a gente queria roubar mesmo. (risos)"

  • Roubando dinheiro de boate

    "Numa época eu trabalhei como barman naquela boate Napalm. E era aquela coisa de brasileiro mesmo, cara. Que gosta de levar vantagem em tudo, certo? [imita sotaque carioca] A gente está ali para levar vantagem, certo? A gente fazia um esqueminha e pegava no caixa. Como faz em todo lugar juiz, presidente, deputado. A gente estava ali como bom brasileiro pilantra."

Treta com Dado Dolabella: "Ele devia estar doidão"

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

Salvo pela família

Com 1,85 de altura, João Gordo está com 127 kg, mas já chegou a perigosos 210 kg. Foi por volta de 2000, quando ficou 25 dias internado em uma UTI. Nascia ali um processo interno de reavaliação da própria vida, que coincidiu com o início de seu relacionamento com a jornalista argentina Viviane Torrico. João Gordo só está vivo, e ele faz questão de frisar, por causa de Vivi.

"Tive derrame pleural, cara. Tinha quebrado uma costela, mas não arrumei. Aí eu estava na van da MTV e ela passou por um quebra-mola. Deu ‘crack’. Foi horrível, eu não conseguia respirar. Eu não tinha muito interesse de ficar vivo, ter família. Eu só queria era endoidecer e morrer, e quase consegui. A Vivi me salvou."

A argentina se declarou enquanto havia tempo, logo depois de Gordo passar por uma overdose. "Eu estava loucão e não havia internet, telefone. Minha mãe achou por umas duas, três horas que eu tinha morrido. Depois me acordaram lá, e eu “mãe!”. Da outra vez eu tive alucinações. Não sei o que foi. Se foi Jesus (risos), gás carbônico na cabeça, remédios. Eu tive umas alucinações muito loucas.”

Drogas

Minha saúde está beleza. Só o pulmão que não está tão assim. Andei dando umas pitadas de tabaco. Quando você viaja, você acaba fazendo isso. Cigarro é uma bosta. Eu fumo, tomo café para caralho, toda hora. Bebo cerveja também. Cocaína e outras coisas? Não tenho muita vontade não. De repente uma vez ou outra, em ocasião especial. Mas nada que me deixe transtornado."

João Gordo, que não abandonou totalmente os aditivos (legais ou não)

Um "doidão", o outro "abstêmio": como ficou amigo desses caras?

  • Kurt Cobain

    "Quando o Nirvana veio, em 93, a gente saiu para uma balada muito louca num bar grunge. Também foi a Courtney e um povo que parecia sonho, sabe? O que mais me marcou foi o olhar dele. A camiseta escrito 'I hate myself I wanna die'. Com a gente ele até teve um pouco de alegria. Sorriu, ganhou camiseta, disco. Cheirou pra caralho. Fiquei triste quando ele morreu. Ele teve uma deprê monstro. Tinha raiva de ter ganhado US$ 30 milhões. Ele não queria isso."

    Imagem: AP Photo/Robert Sorbo - Getty Images
  • Ronnie Von

    "Tive que entrevistá-lo, e a gente ficou amigo. É o tiozão mais legal do mundo. Também sou amigo do filho dele, que mora em Miami. Ele rasga mil sedas pra mim que eu fico até encabulado, cara. Quando ele começa a falar que sou o melhor pai do mundo, melhor marido do mundo, que sou a pessoa mais decente. Eu fico 'ah, que vergonha!'. Mas ele é demais. Eu já era fã dele na Jovem Guarda, na fase da macumba dos anos 1970. O cara ser meu amigo pessoal é muito legal. Fico feliz."

    Imagem: Leonardo Benassatto/Futura Press/Estadão Conteúdo

Como o "diabo" foi trabalhar na Record

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