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Autora de Mulher-Maravilha: Mundo das HQs está melhor para as mulheres

Gail Simone, autora de "Mulher-Maravilha" - André Conti/Galpão de Imagens
Gail Simone, autora de "Mulher-Maravilha" Imagem: André Conti/Galpão de Imagens

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

11/12/2017 04h00

Gail Simone é um dos primeiros nomes que vêm à mente quando se pensa em mulheres nos quadrinhos. Mesmo antes de começar a escrever HQs, ela criou um site que se tornou referência ("Women in Refrigerators", em português "mulheres na geladeira") ao apontar como as personagens femininas eram muitas vezes usadas apenas para motivar os heróis, como acontecia em uma história do Lanterna Verde em que sua namorada era assassinada e seu corpo colocado em uma geladeira.

Tempos depois, Simone se tornou responsável por escrever as histórias de várias personagens marcantes dos quadrinhos, como Mulher-Maravilha e Batgirl, e poderia colocar em prática aquilo que acreditava: abrir um espaço melhor para as personagens femininas e para as criadoras que trabalham na indústria. E, desde então, ela acredita que as coisas melhoraram.

"Meu Deus, as coisas estão muito melhores do que eram no fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000. Naquela época, eu perguntei a uma pessoa importante de uma das duas grandes editoras [Marvel e DC] se eles sabiam quantas leitoras mulheres tinham. Ele respondeu: 'Não, e não importa'. Eles não estavam nem tentando conquistar esse mercado, o que eu achei o plano de negócios mais esquisito que já tinha ouvido, automaticamente cortar 50% dos compradores em potencial. E também, por que não receber mulheres talentosas na indústria, que poderiam fazer o mesmo trabalho que os homens estavam fazendo e adicionar um pouco de uma nova perspectiva?", conta ela, uma das convidadas da CCXP (Comic Con Experience), em São Paulo.

"Wonder Woman" - Reprodução - Reprodução
Capa de "Wonder Woman: A Celebration of 75 Years"
Imagem: Reprodução

"Mas, com o tempo as coisas mudam, e a perspectiva muda. Há tantas mulheres criadoras, editoras e que fazem parte da indústria, e isso está fazendo uma enorme diferença. Somos levadas a sério agora", diz.

Outra questão que sempre é levantada quando se fala em mulheres nas HQs é a maneira nada realista como as personagens muitas vezes são desenhadas. "Tivemos muitas conversas sobre seios em painéis [de eventos de quadrinhos], imagina só", conta Simone, rindo. "É interessante que, quando as mulheres artistas se juntam em um painel e começam a falar sobre desenhar mulheres sensuais e coisas assim, falam sobre gravidade e como um peito de verdade deveria parecer em determinada posição, em vez de simplesmente flutuar no ar, e coisas assim. Acho incrível porque, quando você vê isso nas páginas, fica tão glorioso, bonito e sensual. E acho que os caras também estão ouvindo um pouco algumas dessas coisas. E desenhar uma variedade de corpos diferentes também é muito importante", acredita.

Mulher-Maravilha

Como uma das autoras que escreveu Mulher-Maravilha, Simone diz ser uma fã do filme da heroína, lançado este ano. "O filme Foi bem-sucedido em tentar mostrar uma personagem feminina complexa e completa. Quando eu estava escrevendo e pesquisando diferentes eras dela, percebi que enquanto Batman e Superman podiam ser mais de uma coisa, a Mulher-Maravilha não. Suas histórias eram sempre focadas na parte de super-heroína, ou na parte amazona, ou na parte diplomática. Nunca, ou quase nunca, era o pacote completo. Então, quando eu estava escrevendo as HQs, queria mostrar que ela era digna de todas essas coisas. E o filme fez isso muito bem".

"Eu chorei com todas as decisões que foram tomadas nesse filme, porque sei quantas decisões você tem que tomar quando senta e olha para uma página em branco", confessa. "Os momentos em que ela mostra compaixão, humor... que foi uma coisa nova, também tentei introduzir um pouco de humor quando eu estava escrevendo, e o filme capta isso muito bem. E as amazonas quebrando tudo, a variedade das amazonas, e aquela cena na terra de ninguém. Não tem nada mais heroico que eu jamais tenha visto do que aquela cena".

Simone acredita que o filme pode ter um impacto profundo em quem assistir, ajudando a mudar alguns aspectos negativos que ainda persistem na nossa cultura. "Acho que é um momento de virada para o público jovem que está assistindo isso agora, e tenho certeza que os afetou profundamente ver algo assim. E também para a indústria do cinema. Sim, podemos ter um filme bem-sucedido com uma heroína, e um filme ótimo. Patty Jenkins e toda sua equipe vão ser meus heróis por causa disso".

"Acho que meninos e garotos adolescentes precisam assistir esse filme também, porque pode mudar suas atitudes, e algumas das más atitudes que vemos na nossa cultura", continua.

E por falar em má atitude, o mundo das HQs não passou imune pela onda de denúncias de abuso e assédios que tomou Hollywood --o editor Eddie Berganza foi demitido da DC depois que denúncias que circulavam há anos vieram finalmente a público. "Infelizmente, para algumas pessoas, precisa pesar no bolso, ou afetar a imagem pública, para que elas realmente se importem. Mas um dia, essas atitudes velhas não vão mais estar lá, e novas atitudes vão ser adotadas", comenta Simone.

"Até lá, acho que teremos algumas oscilações, mas temos que realmente lutar por isso, porque não são só as mulheres que são abusadas, há muitos abusos, e precisamos acabar com isso. Predadores não podem ser aceitos", conclui.