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“Destino de Uma Nação” é coisa rara no cinema atual: diversão para adultos

André Barcinski

19/01/2018 08h59

Nenhum filme sobre Winston Churchill estaria completo sem o célebre discurso "We shall fight on the beaches" ("Nós lutaremos nas praias"). Proclamado em 4 de junho de 1940 diante de um Parlamento que ainda duvidada da competência de Churchill (1874-1965), então recém-empossado ao cargo de Primeiro-Ministro do Reino Unido, para frear o monstruoso avanço das tropas de Hitler na Europa, o discurso foi um momento capital da história da Segunda Guerra.

Você certamente já ouviu esse discurso, seja em aulas de História, em documentários dos History Channels da vida ou, mais provavelmente, na abertura de "Aces High", do Iron Maiden. É uma obra-prima da oratória, uma convocação às armas, cujo trecho mais famoso é: "Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas… nunca nos renderemos!".

O discurso é o clímax de "O Destino de uma Nação" ("Darkest Hour"), drama de guerra dirigido pelo britânico Joe Wright e que tem Gary Oldman no papel de Winston Churchill.

Se no início da semana eu reclamei aqui no blog sobre a infantilização do cinema, dou a mão à palmatória: aqui está um filme que pode ser descrito como diversão para adultos.

"O Destino de Uma Nação" não é um filme esteticamente ousado. Pelo contrário: lembra o "cinemão" de outrora, com uma narrativa manjada e muitos clichês. Por outro lado, tem algumas qualidades que o tornam muito acima da média: um roteiro esperto, que consegue contar a história de um período crucial do mundo sem parecer didático; uma reconstituição de época muito bem feita e, especialmente, uma atuação brilhante de Gary Oldman.

"O Destino de Uma Nação" é um filme de guerra que não mostra a guerra. Toda a ação se concentra nos bastidores, em manobras e discussões políticas que definiram o rumo do Reino Unido na guerra.

O filme começa com a destituição do Primeiro-Ministro Neville Chamberlain e sua substituição pelo controverso Churchill. O candidato mais cotado para o cargo era Lorde Halifax, mas este declinou e passou a pressionar Churchill a assinar um tratado de paz com Hitler. O centro de "O Destino de Uma Nação" é a disputa interna entre Churchill, que defendia o enfrentamento aos nazistas, e a dupla Halifax e Charberlain, que preferia uma "solução negociada".

O roteiro, escrito pelo neozelandês Anthony McCarten (indicado ao Oscar pelo roteiro de "A Teoria de Tudo", cinebiografia de Stephen Hawking), consegue equilibrar fidelidade histórica com algumas "licenças poéticas" que não comprometem a narrativa. Exemplo: uma das cenas mais dramáticas e emocionantes do filme envolve uma aparição de Churchill no metrô de Londres, cena inteiramente inventada por McCarten.

Mas o destaque é mesmo Gary Oldman. Sua performance de Churchill é daquelas feitas por encomenda para ganhar o Oscar, com uma transformação física impressionante e mimetismo absoluto.

Um ótimo fim de semana a todos.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.