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Da macumba à Grécia Antiga: 10 justificativas usadas para censurar a MPB

Chico Buarque, Luiz Melodia, Adoniran Barbosa e Raul Seixas, que tiveram obras censuradas Imagem: Reprodução/Montagem

Do UOL, em São Paulo

03/08/2017 04h00

A ação da censura é histórica no Brasil e ganhou um capítulo à parte durante o período de ditadura militar (1964-1985). O cerco à liberdade de expressão mudou a cara do país a partir de 1968, quando o Ato Institucional número 5 deu a agentes, por força de lei, poderes de perseguição a "inimigos políticos".

A era da repressão coincidiu com um dos períodos mais férteis da música brasileira, com a ascensão da MPB e de nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento. Como tantos outros, parcial ou inteiramente, eles tiveram obras proibidas pela censura prévia obrigatória.

Havia dois grandes eixos nesse processo. Nenhum artista poderia atentar à ordem vigente nem à moral e aos chamados bons costumes. “Os militares tinham suas preferências. E, muitas vezes, os costumes não eram totalmente dissociados de uma avaliação político do trabalho artístico", diz ao UOL a historiadora Cláudia Heynemann.

"Por exemplo, naquele período, a pornochanchada prevaleceu no nosso cinema. Apesar de todo conteúdo explícito dos filmes, muitos não enxergavam ali um comportamento transgressor, uma ruptura do Estado e da família.”

Hoje, no aniversário de 29 anos da votação da Constituição de 1988, que marcou o fim oficial da censura brasileira, várias daquelas justificativas parecem paranoicas, beirando o esdrúxulo. Vão da divulgação do "homossexualismo" ao simples ato de trazer à contemporaneidade um comportamento típico da Grécia Antiga.

Veja abaixo dez desculpas usadas pela ditadura para cercear a liberdade de expressão dos músicos brasileiros. Os documentos foram disponibilizados pelo Arquivo Nacional.

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Bolsa de valores não se adapta à mulher

    Acredite, foi assim que censura vetou o samba "Bolsa de Amores", composto por Chico Buarque, o artista mais perseguido pela ditadura. Na letra original, de 1971, escrita para o cantor Mário Reis, Chico comparava uma garota às ações da bolsa: "Moça fria, ordinária, ao portador". A música foi censurada integralmente, e a gravação, apagada dos estúdios EMI-Odeon. "Vetado por ter o autor empregado palavras comuns ao linguajar da Bolsa de Valores, mas que não se adaptam a uma mulher principalmente em letra de música popular. O autor parece estar de uns tempos para cá muito preocupado em denegrir a reputação de todas as mulheres, vide uma de suas últimas composições, "Minha História", que relata a vida de um homem filho de uma prostituta", escreveu a censura.

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Proibido divulgar o "homossexualismo"

    Outro samba proscrito na época, "Homossexual" (1972), de Luiz Ayrão (do sucesso Porta Aberta), também foi vedado pelos agentes do Estado. A gravação jamais foi lançada. O cantor e compositor buscou inspiração em estilistas que vinham fazendo sucesso na mídia nos anos 1960 e 1970, como Dener e Clodovil. "Não aprovo, pois a divulgação do homossexualismo é proibida pela lei censória", escreve o parecer.

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Comportamento decadente da Grécia Antiga

    Chico Buarque foi censurado inúmeras vezes e em vários do que hoje são considerados clássicos. Em maio de 1976, ele viu sua "Mulheres de Atenas", composta em parceria com Augusto Boal, ser barrada. "E quando eles voltam, sedentos Querem arrancar, violentos/Carícias plenas, obscenas", canta Chico em uma das estrofes mais famosas. No documento, assinado pelas técnicas Selma Chaves e Odete Martins Lanziotti, o veto é justificado "por considerarmos apologia ao relacionamento homem e mulher em comportamento decadente daquela epoca da Grecia [sic], opinamos S.M.J. pela INTERDIÇÃO da letra." Leia mais

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Sadismo

    Em tempos de funk proibidão, "Surra de Chicote", de Luiz Melodia, soa como conto erótico adolescente. Mas, em 1972, não caberia nem na pornochanchada. "Uma arte, um prazer/Corpo nu de você/Virgem ser, pra querer/Uma surra de chicote, de chicote", escreveu o músico. A referência à violência era um dos grandes tabus para os militares. A censora Odette justificou: "Não aprovada por considerar, a letra em pauta, sádica." Um segundo censor acrescenta: "Sou da mesma opinião da colega. Não aprovo". Leia mais

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Falta de gosto

    "Tiro ao Álvaro", de Adoniran Barbosa e Oswaldo Moles, se tornou clássica na gravação do sambista com a cantora Elis Regina, incluída no álbum "Adoniran Barbosa e Convidados" (1980). Sete anos antes, a faixa não foi nem um pouco bem-vista por oficiais. O motivo: o estilo coloquial e os erros propositais de português. Preconceito linguístico? O parecer censório, datado dezembro de 1973, era sucinto: "A falta de gosto impede a liberação da letra". Leia mais

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Divulgação da macumba

    A gravadora Polydor pretendia lançar "Tambor de Crioula", de Oberdan Oliveira Cleto Junior, na voz de Alcione. Inspirada no candomblé, a música tinha trechos como "Cambono tá inspirado e Ogan cantando pra ela/Requebra com peneirado/ôlêrê, rosa amarela/Ô vira a boca cheia de dentes pra outro lugar. Palmito meu tu não". Os versos foram tidos como incabíveis em um país de grande maioria católica. "A letra musical em epígrafe fala do "Tambor de Crioula ......... a coice e chão", trecho de conotação maliciosa e grosseira. Quando se refere a cachaça, que é abundante no terreiro de macumba, vê-se a divulgação de um hábito condenável", escreveu a censura.

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Revolta à submissão do povo

    Povo bom é povo submisso, pensavam os dirigentes do país. Esse pensamento guiou o veto a "La Festivida", de Gonzaguinha, que escreveu: "E o resto do gado então Brada/Da entorpecida geral/Olé rescendendo a cachaça/Jogando teus chifres pro herói/Después de la fiesta la siesta". Submetida a censura em 1973, a música não passou e teve como resposta: "Ode satírica que desfaz a figura da autoridade, texto de revolta à submissão do povo".

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Sentido dúbio de liberdade

    Liberdade era bom, mas só até certo ponto. "Tá Chegando a Hora", de Raul Seixas e Mauro Motta, seria gravada por Jerry Adriani caso não tivesse se perdido no caminho da censura. A letra fala de um homem que decide terminar um relacionamento ao qual se vê preso. No parecer do censor Reginaldo: "Seguindo a orientação adotada por este TCDP; recomendo a não liberação da letra acima, pois uso da expressão 'liberdade' pode ser tomado em sentido dubio[sic]".

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Protestar pode, mas sem "ameaça"

    "Nós, Essa Criança", de Taiguara, foi proibida em abril de 1974. Os versos poéticos descrevem uma metafórica criança que quer ser livre, com a boca armada de dentes. Alguém que "não morre e não perde e voz". Foram interpretados como afronta e jamais lançados. "O protesto não deixa às vezes, de ser construtivo, quando feito nos termos legais. Quer nos parecer no entanto ser a letra um alerta, uma ameaça, logo o protesto aqui, torna-se subversivo no que tange a ordem e disciplina. Dessa forma, VETAMOS a letra."

  • Imagem: Arquivo Nacional
    Imagem: Arquivo Nacional

    Cabelo não é bandeira

    "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer", dos Mutantes, nasceu com outro nome e letra: "Cabeludo Patriota", uma paródia ao nacionalismo exacerbado e ao rito de hasteamento da bandeira. Foi censurada em julho de 1971, antes de entrar no álbum "Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets", último da banda com Rita Lee. De acordo com o censor, a letra era "uma sátira desairosa ao símbolo nacional". Leia mais

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