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Após 65 anos, a mais antiga música criada por computador é restaurada

A gravação acaba de ser restaurada por Jack Copeland, professor da Universidade de Canterbury, e pelo compositor Jason Long - AFP PHOTO / UNIVERSITY OF CANTERBURY / STR
A gravação acaba de ser restaurada por Jack Copeland, professor da Universidade de Canterbury, e pelo compositor Jason Long Imagem: AFP PHOTO / UNIVERSITY OF CANTERBURY / STR

26/09/2016 16h29

Pesquisadores acabam de restaurar a mais antiga gravação conhecida de música criada por computador, uma interpretação chilreante de "God Save The King" concebida em 1951 no laboratório do gênio britânico Alan Turing. 

Turing é o mesmo cientista retratado recentemente no filme "O Jogo da Imitação", em 2015, com Benedict Cumberbatch. A gravação pode ser ouvida aqui

A gravação dura dois minutos. Nela se sucedem três peças, de inquietante tonalidade: o próprio hino britânico, a canção para crianças "Baa Baa Black Sheep", e "In The Mood", o grande êxito de jazz de Glenn Miller.

Sobre esta última peça, uma alegre apresentadora comenta as falhas do computador, rindo: "Desde já a máquina não estava no clima (em inglês "not in the mood")", um jogo de palavras com o título deste grande êxito do gênero "big band".

Esta gravação excepcional havia sido redescoberta em 2008 quando a comunidade científica preparava o 60º aniversário do nascimento de "Baby", considerado o primeiro sistema informático com programa integrado.

A música acaba de ser restaurada por Jack Copeland, professor da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, e pelo compositor Jason Long.

A história desta gravação "antepassada" de todas as músicas eletrônicas está intimamente vinculada aos primeiros passos da informática e às pesquisas da Universidade de Manchester e de seu cientista mais famoso, o matemático Alan Turing (1912-1954).
 

Um simples "bravo"

Anos depois de ter contribuído para decifrar na Segunda Guerra Mundial os códigos nazistas produzidos pela máquina Enigma, Alan Turing prosseguiu em Manchester com suas pesquisas pioneiras nas máquinas Mark 1 e Mark 2, herdeiras de "Baby".

"O trabalho de Alan Turing no fim dos anos 1940 para transformar o computador em instrumento de música foi bastante ignorado", relatam Copeland e Long em um blog no site da "British Library".

Copeland, que dirige um fundo de arquivos dedicado ao matemático, explica que o computador do Computing Machine Laboratory de Turing estava programado para indicar mediante sons precisos os progressos de suas pesquisas.

"Turing não estava tão interessado na ideia de programar o computador para interpretar peças convencionais de música: utilizava as notas para indicar o que o computador fazia", afirmam os dois pesquisadores.

Foi um jovem professor, Christopher Strachey (1916-1975), que seria um dos maiores informáticos do Reino Unido, que se encarregou de elaborar um programa informático musical, com base no manual de utilização do computador de Turing.

Em uma entrevista em 1974 a uma revista especializada, este pianista de talento relatou esta noite de 1951, na qual dedicou a passar pacientemente a esta enorme máquina, que ocupava quase todo o térreo do laboratório, o programa que havia escrito.

"Na manhã seguinte, para nossa grande surpresa, o computador expeliu ruidosamente o hino nacional", relata Strachey.

"Turing, sem abandonar sua habitual sobriedade, limitou-se a murmurar um lacônico 'bravo'", acrescenta.
 

65 anos de mão em mão

A gravação restaurada não é a que foi revelada agora, mas outra realizada tempos depois por uma equipe da BBC que se dirigiu a Manchester.

Copeland e Long ignoram quem foram os programadores das outras duas peças gravadas pela BBC no disco acetato de 12 polegadas, que passou de mão em mão há 65 anos.

"Depois do êxito de Strachey, vários funcionários começaram a escrever programas musicais", explicam.

Um importante trabalho de restauração foi necessário para que a gravação fosse audível, com o objetivo de ouvir "o verdadeiro som do computador".

Alan Turing morreu em 1954 por envenenamento de cianureto, dois anos depois de ter sido condenado a seguir, devido a sua homossexualidade, um tratamento de castração química. A tese geralmente admitida de suicídio nunca foi formalmente provada.