Loalwa Braz e Kaoma conquistaram o mundo com plágio de canção boliviana
A cantora Loalwa Braz Vieira, 63 anos, gostava de contar em suas entrevistas que, quando estava em Berlim por ocasião da queda do Muro, em novembro de 1989, só se via gente cantando e dançando pelas ruas da cidade para comemorar a reunificação das duas Alemanhas a música "Chorando Se Foi", que ela gravou à frente do grupo franco-brasileiro Kaoma.
"As pessoas do lado ocidental dançavam lambada com as do lado oriental. Essa música serviu de hino para a união de um povo", costumava dizer com orgulho a cantora carioca, que foi encontrada morta na quinta-feira em Saquarema, no Estado do Rio de Janeiro. Seu corpo estava carbonizado dentro de um carro incendiado. A polícia investiga o caso.
Maior sucesso da carreira de Loalwa, "Chorando Se Foi" é um daqueles fenômenos que acontecem de tempos em tempos na música popular brasileira. Gravada pelo Kaoma no álbum Worldbeat (1989), a canção fez sucesso no mundo inteiro, ganhou versões em inglês e espanhol e foi revisitada por diversos artistas.
Ivete Sangalo, Fafá de Belém, Nando Reis, Calcinha Preta e Aviões do Forró são apenas alguns deles. Até a cantora Jennifer Lopes usou trechos da música em "On the Floor" (2011).
O musicólogo Ricardo Cravo Albin, criador do site Dicionário Cravo Albin da MPB, diz à BBC Brasil que um dos méritos da música foi ter dado origem à lambada, gênero musical que, no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, disputou espaço nas rádios brasileiras com a música sertaneja e o rock nacional.
"Atribuo esse sucesso a dois fatores: o ritmo caribenho e a sensualidade da dança. No entanto, arriscaria dizer que a música fez mais sucesso lá fora do que aqui", observa o pesquisador.
Estima-se que tenham sido vendidas 15 milhões de cópias de Worldbeat, algo que se deve em boa parte à faixa, que abria o álbum e teve um videoclipe gravado em Porto Seguro, na Bahia.
A canção alcançou o primeiro lugar nas paradas de sucesso dos EUA, Reino Unido, Canadá, Rússia e Japão, entre outros países. Na França, o single de "Chorando Se Foi" vendeu 700 mil cópias e ficou no topo do ranking por 12 semanas seguidas.
No auge do sucesso, o grupo saiu em turnê por 116 países. O jornalista e escritor Nelson Motta lembra que morava em Roma quando a música estourou por lá.
"Chorando Se Foi" teria feito tanto sucesso no exterior quanto "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, "Garota de Ipanema", de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e "Ai Se Eu Te Pego", de Michel Teló?
Motta acredita que sim. "Mas por um tempo mais curto. Aos poucos, foi sendo esquecida", diz.
Versão não autorizada
"Chorando se Foi" não ficou famosa apenas por sua repercussão internacional. A canção é uma versão não autorizada de "Llorando Se Fue", composta pelos irmãos bolivianos Ulisses e Gonzalo Hermosa e gravada pelo grupo de música andina Los Kjarkas no álbum "Canto A La Mujer De Mi Pueblo" (1981).
No Brasil, a versão em português foi escrita por José Ari e gravada pela cantora mineira Márcia Ferreira em ritmo de lambada, em 1986.
Passados dois anos, o produtor francês Olivier Lorsac estava de férias em Porto Seguro, na Bahia, quando a ouviu pela primeira vez em uma rádio local. Na mesma hora, teve a ideia de formar um grupo de lambada.
De volta à França, não perdeu tempo e, sob o pseudônimo de Chico de Oliveira, rebatizou "Chorando Se Foi" de Lambada e registrou a música em um cartório de Paris como se fosse de sua autoria. O próximo passo foi selecionar os integrantes da banda.
De Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, Loalwa nasceu em uma família de músicos. O pai, Walter, era maestro, e a mãe, Diva, pianista. Desde 1985, ela morava na França, onde chegou a dividir os palcos com Sarah Vaughan.
Foi nessa época que ouviu falar que dois produtores franceses, Olivier Lorsac e Jean Karacos, estavam à procura de uma cantora entre 19 e 25 anos para assumir os vocais de um grupo de lambada. Embora já tivesse passado dos 30, resolveu arriscar. Loalwa não só passou nos testes - eram mais de 20 candidatas - como deu nome ao grupo.
Acusação de plágio
Com tamanho sucesso, logo chegou aos ouvidos de Márcia Ferreira a nova versão de "Chorando Se Foi". Em 1991, ela e a editora EMI Songs, que representava os autores da música, entraram na Justiça contra os produtores do Kaoma e ganharam a ação.
"Não foi plágio. Foi pior que plágio. Foi mão grande", disse Loalwa, no Programa do Gugu, da Record, em junho de 2015.
No mesmo programa, a ex-vocalista do Kaoma chegou a revelar que, no auge do sucesso, foi sequestrada e sofreu tortura. "Passei por momentos muito difíceis", limitou-se a dizer.
Loalwa saiu do grupo em 1999. Em dez anos de estrada, o Kaoma gravou três álbuns: além de "Worldbeat", "Tribal Pursuit" (1991) e "A La Media Noche" (1998). Juntos, venderam mais de 25 milhões de cópias e conquistaram 80 discos de ouro e platina. Em carreira solo, Loalwa lançou mais dois álbuns: "Recomeçar" (2003) e "Ensolarado" (2011).
Nos últimos anos, Loalwa se dividia entre a França e o Brasil. Morava no Vallé de Chevreuse, a 40 km de Paris, e tinha uma pousada em Saquarema, no Rio de Janeiro.
Ao longo da carreira, chegou a se apresentar com outros artistas, como Janet Jackson e Tina Turner, e a participar de festivais de jazz como o de Montreux, na França. Entre outros projetos a que se dedicava quando morreu, ela preparava um CD só de samba, escrevia sua biografia e planejava a volta do Kaoma, com nova formação.
A cantora Gaby Amarantos usou seu perfil no Instagram para lamentar a morte de Loalwa: "Cresci dançando lambada ao som de sua voz e tive a sorte de dividir os palcos e aprender muito com você, Loalwa. Obrigada por tudo. Eu sei que sua luz brilhará por toda a eternidade".
Em tratamento contra um câncer no ovário, Loalwa deixa seu marido, o empresário francês Eric Levesqueau, e dois filhos.
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