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O ousado projeto de Gilberto Gil: uma ópera sobre o amor do deus Krishna

Gilberto Gil encarnará a divindade hindu nos palcos em Negro Amor, ópera que compôs ao lado do maestro italiano Aldo Brizzi - Reprodução
Gilberto Gil encarnará a divindade hindu nos palcos em Negro Amor, ópera que compôs ao lado do maestro italiano Aldo Brizzi Imagem: Reprodução

Lígia Mesquita - Da BBC Brasil em Londres

11/11/2017 09h10

Vishnu, o deus de quatro braços protetor do universo no hinduísmo, pode vir ao mundo em diferentes formas: como humano, animal ou até uma combinação dos dois. Em 2018, ele aparecerá como Gilberto Gil.

O cantor baiano de 75 anos encarnará a divindade nos palcos em Negro Amor, ópera que compôs ao lado do maestro italiano Aldo Brizzi.

O espetáculo é baseado em O Gitagovinda de Jayadeva: Cantiga do Negro Amor, poema do século 12 de Jayadeva traduzido do sânscrito para o português pelo artista gráfico e um dos mentores da Tropicália, Rogério Duarte, morto em 2016. A obra narra a história de Krishna, o deus do amor, e da camponesa Rhada.

Caberá a Arnaldo Antunes uma das representações de Krishna e à cantora portuguesa Ana Moura, a de Rhada. O deus Vishnu, de Gil, será um dos narradores.

O projeto era um sonho antigo do hare krishna Duarte, criador, entre outras imagens clássicas, do pôster de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.

"Em 2010, o Rogério me chamou um dia lá em Salvador e perguntou se eu poderia transformar em uma ópera o livro que ele tinha adaptado. Eu só respondi: você está maluco?!", lembra Brizzi, diretor do Núcleo de Ópera da Bahia.

Loucura

A proposta "descabida" surgiu depois que Duarte pediu a alguns amigos, como Caetano Veloso e Gil, que transformassem em música algum dos poemas cheios de erotismo. Após ouvir a composição feita por Brizzi, que tinha um jeito operístico, Duarte pensou em algo mais ambicioso.

"Falei que era uma loucura, porque montar uma ópera é algo insano como fazer um filme, é um processo longo", diz Brizzi à BBC Brasil.

Um tempo depois, o maestro contou a ideia a Gil e perguntou se ele toparia ter um papel nessa ópera e mostrou o material que já havia composto. O cantor topou e passou a ir à casa de Brizzi em Salvador para trabalharem juntos. Começaram então a criar a ópera, que tem 45 canções - faltam apenas cinco a serem compostas.

"Essa ópera fala do amor em todos os graus possíveis, de paixão, erotismo, ciúme, solidão, raiva. Só que aqui o amor, a paixão, é de um ser humano por um deus. E o grande lance é que quando o deus se apaixona por ela, ela não quer mais ele. E esse deus fica desesperado. Então os elementos são mais sutis do que em uma história tradicional", adianta Brizzi.

Orquestras locais

Há alguns dias, no Barbican, em Londres, no show Prelúdio, em que Gil se apresenta com o Cortejo Afro sob regência de Brizzi, eles apresentaram pela primeira vez canções do espetáculo.

Apresentaram três peças da ópera que tem elementos da música popular brasileira. O resultado agradou ao público não só de Londres, mas também de Helsinque e Basel, cidades em que se apresentaram na sequência. "Muitas pessoas vieram perguntar do projeto querendo entender como fizemos essa mistura de estilos", conta Brizzi.

Após o show em Londres, Gil disse à BBC Brasil estar muito animado com o projeto, diferente de tudo que fez nos últimos anos, e em poder cantar essa história que mistura amor com divindade.

A ópera está prevista para estrear no Brasil no segundo semestre de 2018, no Theatro Municipal do Rio. Segundo Brizzi, 70 músicos farão parte do espetáculo e a ideia é que haja a participação das orquestras locais das cidades onde eles vão se apresentar.

O inglês John Dew fará a encenação da ópera, que terá duração prevista de 2h20 e produção da Gegê, de Flora Gil. "Haverá cenário, coro, balé, todos os elementos da ópera", conta Brizzi. A ideia é que o espetáculo faça uma turnê pela Europa após a estreia.

Mistura de estilos

"A grande diferença de Negro Amor para as óperas tradicionais é que nossos cantores são de música popular atuando como cantores de ópera. E que adicionaremos elementos da música popular brasileira como toques de candomblé, alujá", diz o maestro.

Em uma das partes de maior sedução do espetáculo, segundo o maestro, deus Vishnu de Gil cantará uma bossa-nova para a amada. Também terá toques de candomblé, alujá", diz o maestro.

A encenação contará também com dois bailarinos indianos encarnando os avatares de Radha e Krishna - este será Raghunat Manet, nome famoso da dança na Índia.

"O espetáculo começa com uma pergunta às pessoas: 'O que é o amor para vocês?' Esperamos que ao final cada espectador possa dar sua resposta após ouvir a história de amor de Krishna e Radha", diz Brizzi. "É uma ópera para abrir os corações."