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Janis Joplin ficou com o último bagel: Conheça Woodstock da forma que foi

A cantora Janis Joplin em foto de 1968 - AP
A cantora Janis Joplin em foto de 1968 Imagem: AP

GARY GRAFF

The New York Times Sindycate

22/06/2009 15h42

 Foram três dias de paz, amor e música.

 

E chuva, lama e caos.

 

O Festival de Música e Artes de Woodstock completa 40 anos neste ano, montado em uma onda renovada de lembranças –frequentemente seletivas– sobre o que aconteceu entre sexta-feira, 15 de agosto, e segunda-feira, 18 de agosto de 1969, na fazenda de Max Yasgur em Bethel, uma cidade no interior de Nova York.

 

Alguns lembram da desorganização, dos campos repletos de sujeira, das tempestades pesadas e da programação aparentemente aleatória de música, que esticou o festival previsto para três dias até uma inesperada quarta manhã, na qual Jimi Hendrix tocou sua famosa versão de “The Star-Spangled Banner”.

 

Outros, entretanto, lembram de outras coisas: o espírito comunal de uma geração de jovens que mostrava ao mundo que era capaz de se reunir, ouvir sua música, protestar contra a guerra e, sim, tomar drogas, tudo com resultados genuinamente positivos. Foi, como o “Boston Globe” escreveu em um editorial na época, “um evento de massa de grande e positiva importância na vida do país (...) Em uma nação acossada por uma violência crescente, este é um sinal vibrante de esperança”.

 

Para o guitarrista Carlos Santana, que tocou no sábado, Woodstock foi “um oceano de colares, cabelos, dentes, olhos e mãos... um oceano de carne em movimento”.

 

“Se fechar os olhos, é possível esquecer o impacto de ver um oceano de carne em movimento”, prossegue Santana. “Então é possível apenas sentir o som, que tinha uma reverberação diferente quando rebatia nas pessoas e voltava para você.”

 

Tantos anos depois, o co-fundador de Woodstock, Michael Lang, ainda se alegra com seu contínuo impacto e notoriedade.

 

“É sempre interessante o quanto repercute atualmente e quão presente ainda está nas vidas de tantas pessoas”, diz Lang, 64 anos, que também produziu as sequências de Woodstock em 1994 e 1999. “Foi como um encontro de tribos, se quiser, os jovens do mundo se reunindo para ouvir ótima música e estar juntos, pacificamente. Foi uma espécie de utopia, e acho que as pessoas ainda anseiam por isso.”

 

Lang e outros com uma participação em Woodstock certamente esperam que ainda exista um apetite pelas lembranças do festival original, porque possuem uma série de souvenires sendo lançados nos próximos meses para comemorar o aniversário.

 

“Foi um ponto crítico no tempo”, diz Cheryl Pawelski, uma vice-presidente da Rhino Records, cuja empresa relançou os álbuns originais “Music From the Original Soundtrack and More: Woodstock” (1970) e “Woodstock 2” (1971), e em 18 de agosto lançará “Woodstock -- 40 Years On: Back to Yasgur's Farm”, uma caixa com seis CDs contendo 38 gravações não lançadas anteriormente.

 

“Meio milhão de jovens se reuniram pacificamente para curtir sua música”, diz Pawelski, “e tudo deu certo e ninguém se machucou. Eu sinto que esse é o atrativo. Foi um momento no tempo que meio que validou todo o movimento jovem de contracultura da época. Foi histórico”.

 

A divisão Legacy da Sony BMG está se juntando à festa dos CDs, com as edições “Woodstock Experience” de álbuns de 1969 de cinco atrações do festival –Jefferson Airplane, Janis Joplin, Santana, Sly & the Family Stone e Johnny Winter– cada um acompanhado de um segundo CD contendo pela primeira vez a apresentação completa do artista em Woodstock.

 

Uma nova edição em DVD de “Woodstock: 3 Dias de Paz, Amor e Música” saiu no início de junho, ao mesmo tempo em que um novo site Woodstock.com foi lançado. Uma série de livros –incluindo o livro de memórias de Lang, “The Road to Woodstock”, “Roots of the 1969 Woodstock Festival: The Backstory of Woodstock”, da editora Woodstock Arts, e um livro infantil chamado “Max Said Yes!: The Woodstock Story”, de co-autoria da prima de Yasgur, Abigail–  estão sendo lançados ou sairão ao longo da celebração.

 

Parte da fazenda de Yasgur agora abriga o Bethel Woods Center for the Arts, um anfiteatro que se tornou um espaço ativo de concertos assim como lar do Museum at Bethel Woods, que celebra o festival e também a experiência geral da contracultura dos anos 60. O local também receberá um concerto “Heróis de Woodstock” em 15 de agosto, com a participação de veteranos do festival como Country Joe McDonald, Mountain e Ten Years After.

 

O Rock and Roll Hall of Fame + Museum, em Cleveland, também está planejando uma exposição especial para o aniversário de Woodstock, e a documentarista premiada Barbara Koppel criou um novo filme para os canais VH-1 Classic e History Channel. Até mesmo Hollywood está participando: “Taking Woodstock” de Ang Lee, que será lançado nos Estados Unidos em 14 de agosto, vê de modo cômico Elliot Tiber, um artista e designer de interiores que ajudou a levar Woodstock para Bethel após o festival ser expulso da vizinha Walkill, Nova York.

 

Mas alguns sentem que toda a badalação é desnecessária, é claro.

 

“Foi ótimo, mas foi há 40 anos”, diz Graham Nash, que tocou no festival com a então nova banda Crosby, Stills & Nash (& Young). “Quem é que ainda se importa?”

 

Resposta: muita gente, principalmente Lang.

 

Ele teve a idéia de Woodstock após se mudar para o interior de Nova York vindo de Coconut Grove, Flórida, onde dirigia uma loja para usuários de drogas e produziu o festival Miami Pop, em 1968. Em Woodstock, ele foi ao regular Sound-Outs, encontros de música ao ar livre que ocasionalmente contavam com grandes nomes que viviam na área.

 

“Eu pensei: ‘Este é o modo de ver música. É simplesmente o paraíso’”, lembra Lang. “Não havia restrições. Não havia pressão, nem policiais nem nada. Era apenas curtição, estar junto com ótimas pessoas ouvindo ótima música.”

 

Lang, que diz que seu instinto é “sempre busque algo maior”, conheceu Artie Kornfeld, um executivo da Capital Records, que ficou intrigado com a visão de Lang.

 

“Conversando”, lembra Lang, “ele e eu simplesmente dissemos certa noite: ‘Por não nos unimos, trazemos todo mundo que gostaríamos de ver e trazemos todas as pessoas com as quais nos sentimos conectados para ver o que acontece?’”

 

Seus futuros parceiros, o jovens empresários de formação universitária, John Roberts e Joel Roseman, eram estranhos parceiros, mas o festival de Woodstock se tornou uma realidade, mesmo após ser forçado a encontrar um novo lar restando apenas seis semanas para a data marcada para o evento. Os organizadores superaram um problema aparentemente intransponível atrás do outro, da retirada de último minuto dos policiais fora de serviço de Nova York que tinham sido contratados para compor a segurança do evento –eles acabaram sendo contratados sob pseudônimos– até batalhas com as fornecedoras de alimentos e os problemas contínuos com a construção do espaço, que no final fez com que o festival fosse gratuito, simplesmente porque os portões e catracas não foram concluídos.

 

“Foi um caos, não foi?” diz Pete Townshend, do Who. “Quero dizer, o que aconteceu fora do palco foi simplesmente além da compreensão –macas, corpos, pessoas vomitando e pessoas tendo viagens ruins. E tudo o que diziam era: ‘Isto não é fantástico? Isto não é lindo?’”

 

“Eu achei que toda a América tinha enlouquecido naquele momento.”

 

“Eu simplesmente fiquei nervoso o tempo todo em que estive lá”, diz John Fogerty, do Creedence Clearwater Revival. “Não havia regras. Não havia profissionais de verdade organizando aquilo, nenhuma segurança real preparada. Eu me lembro de ver um sujeito vendendo água, cinco galões por um dólar. Eu considerei a coisa mais comercial e repulsiva que já tinha visto.”

 

Steve Bartley, que estava se preparando para seu último ano na Universidade de Michigan quando foi a Woodstock, concorda que certamente teve um lado negativo.

 

“Eu não gosto quando leio artigos que dizem que era o melhor lugar do planeta”, diz Bartley. “As pessoas esquecem que a maioria das pessoas não levou comida ou água, que estava quente, úmido e lamacento, e não havia toaletes suficientes.”

 

“Mas todo mundo se entendeu”, ele acrescenta. “Talvez seja o que o tenha tornado tão mágico. Mas não foi o Jardim do Éden.”

 

A música foi o legado mais duradouro de Woodstock, vinda de superastros como Joan Baez, Creedence Clearwater Revival, Grateful Dead, Hendrix, Jefferson Airplane e Janis Joplin, ou artistas emergentes como Joe Cocker, Melanie, Santana, Sha Na Na e Ten Years After, cujas carreiras foram impulsionadas por sua participação no festival e, frequentemente, no filme lançado posteriormente.

 

Quando Crosby, Stills & Nash (& Young) subiram ao palco em Woodstock, aquela era apenas a segunda apresentação pública da banda.

 

“Todo mundo que conhecíamos ou com que nos importávamos na indústria da música estava lá”, lembra David Crosby. “Eles eram heróis para nós, The Band, Hendrix e o The Who (...) Todos eles estavam atrás de nós em um círculo, tipo, ‘Ok, vocês são os novos garotos no pedaço. Mostrem’.”

 

Até mesmo Townshend, que famosamente expulsou o ativista Abbie Hoffman do palco quando ele tentou falar para o público durante a apresentação do Who, reconhece que Woodstock ajudou sua banda.

 

“Ele nos enriqueceu”, ele diz. “‘Tommy’ (1969) já tinha encerrado seu ciclo, tinha vendido talvez um milhão e meio de cópias. Woodstock nos colocou de volta nas paradas e então saiu o filme, e ‘Tommy’ vendeu outras 4 milhões de cópias.”

 

Richie Havens teve a honra duvidosa de abrir o festival em 13 de agosto. Apesar de programado como a quinta apresentação do dia, ele foi transferido para primeiro quando a banda prevista para abrir o festival, o Sweetwater, não pôde porque seu caminhão de equipamento ficou preso no enorme congestionamento causado pelo tráfego para o festival. Quando a notícia se espalhou de que poderiam ser requisitados a se apresentarem antes do programado, outros artistas fugiram de cena, mas Havens foi lento demais e acabou tendo que se apresentar primeiro.

 

“Eu pensei: ‘Deus, três horas de atraso! Eles vão atirar latas de cerveja em mim. Eles vão me matar’” diz Havens, que na verdade subiu ao palco quase uma hora após o horário de início planejado. “Felizmente a reação foi ‘Graças a Deus, alguém finalmente vai fazer algo’ e ficaram felizes.”

 

Baez, que fechou a primeira noite do festival, posteriormente fez uma aparição surpresa no palco livre, em outra área do festival.

 

“Aquilo foi muito engraçado”, ela lembra. “A pessoa que estava anotando os nomes oficialmente e colocando as pessoas em ordem de apresentação não me reconheceu. Eu era apenas mais uma. Eu acho que apenas disse que meu nome era ‘Joan’.”

 

Os músicos ficaram pasmos com o tamanho do festival, que a maioria percebeu ao ser trazida ao local por helicóptero.

 

“Era como formigas em um morro ou algo assim”, lembra o tecladista do Santana, Greg Rolie. “Era difícil conceber. Todo mundo já tinha tocado em vários festivais mas... nada como aquilo.”

 

Quando o Creedence Clearwater Revival tocou na madrugada de domingo, diz o baixista Stu Cook, os membros da banda não conseguiam enxergar além da beira do palco. O público estava na total escuridão.

 

“Nós subimos e tocamos”, ele diz, “e após as primeiras canções, nós ainda não sabíamos ao certo se havia alguém lá. Ocasionalmente alguém acendia um isqueiro lá longe. A certa altura um sujeito muito, muito longe, gritou: ‘Nós estamos com vocês!’ e sentimos, tipo, ‘Ok, o concerto é para aquele sujeito’.”

 

A apresentação do Grateful Dead foi atrapalhada pelo técnico de som –e famoso químico e fabricante de LSD– Owsley Stanley, que decidiu mudar os cabos do palco para a apresentação do grupo. Não apenas foram necessárias três horas para isso, lembra o guitarrista Bob Weir, mas ele estragou tudo.

 

“Ele fez tudo errado, o mais errado que já vi”, diz Weir. “Nada estava aterrado, assim toda vez que um dos guitarristas encostava no seu instrumento, eles recebiam um choque de baixa voltagem, cerca de 15 volts. Era o suficiente para sacudir seu sistema nervoso.”

 

“E toda vez que me aproximava do meu microfone, havia uma grande descarga azul que me erguia do chão e me atirava para trás contra meus amplificadores. Quando eu voltava eu estava com o lábio inchado, mas simplesmente voltava e continuava cantando a canção, mas eu não estava 100% enquanto estava lá.”

 

O restante do festival foi mais do agrado de Weir, entretanto.

 

“Nós ficamos acampados lá por vários dias e realmente relaxamos com a lama, música e tudo aquilo”, diz Weir, que nadou nu nos lagos existentes no local. “Foi muito divertido.”

 

Arlo Guthrie também curtiu a experiência fora do palco.

 

“Eu caminhei em meio à multidão e subi até o lado de trás do morro”, ele lembra. “Eu fiquei estupefato simplesmente por estar na multidão. Não havia para onde ir, nada a fazer exceto estar lá.”

 

Antes de sua morte em 2002, o baixista do The Who, John Entwistle lembrou de ter bebido uísque e Coca-Cola com cubos de gelo batizados com LSD.

 

“Eu passei um tempinho viajando”, ele disse. “Eu bebi o restante do uísque e desmaiei. Quando acordei eu estava bem grogue, mas em condição suficiente para tocar... Nós finalmente tocamos e a parte mais incrível foi que, enquanto cantávamos ‘I’m Free’, o sol nasceu, e foi o máximo.”

 

Os artistas se recordam dos bastidores como “um bom local onde estar”, segundo o baterista Mickey Hart, do Grateful Dead.

 

“Todos estavam curtindo as coisas que gostavam e batendo papo com todos seus pares”, ele recorda. “Era um clima bem amistoso e todo mundo estava feliz por estarmos vendo uns aos outros.”

 

“As coisas transcorreram muito bem nos bastidores”, concorda Cook. “Havia muitos confortos. Havia amigos, comida, bom fumo, álcool, de tudo. Nós não estávamos experimentando o mesmo ambiente que as demais pessoas.”

 

Santana lembra de ter chegado ao local e ter visto Jerry Garcia, o guitarrista do Grateful Dead, “tocando sua guitarra no morro, com um belo sorriso feliz em seu rosto”.

 

Mas ocorreram alguns problemas com o abastecimento. Leslie West, o guitarrista do Mountain, reclama que Janis Joplin “matou o último bagel antes que eu chegasse aos bastidores”, e Alvin Lee, do Ten Years After, que foi imortalizado pela versão de 10 minutos de “Goin’ Home” que aparece no filme, passou por uma crise de abstinência de tabaco.

 

“Nós ficamos sem cigarros nos bastidores”, lembra Lee. “Então alguém disse: ‘Eu vou até lá ver se descolo alguns do público’. E ele voltou com uns 20 baseados! Ninguém tinha cigarros.”

 

A apresentação de encerramento de Hendrix, diante de um público estimado de apenas 40 mil que permaneceram até a manhã de segunda-feira, se tornou um dos momentos icônicos do festival, mas Lang tentou ao máximo colocar o guitarrista diante de um público maior.

 

“Àquela altura Jimi era o maior astro de rock do mundo”, diz Lang, que pagou US$ 5 mil a Hendrix para se apresentar no Miami Pop e US$ 50 mil para Woodstock. “Eu queria que ele abrisse o show com um set acústico e fechasse com a banda.”

 

O set acústico nunca aconteceu e, quando ficou claro que o festival estava bastante atrasado, Lang ofereceu a Hendrix tocar à meia-noite de domingo, em vez de ser a última apresentação.

 

“O empresário dele disse, ‘Não, não, não. Jimi tem que encerrar o show’”, conta o promotor. “E eu disse: ‘Tem certeza que você quer fechar o show?’ E ele disse: ‘Absolutamente’.”

 

“Então ele se apresentou às 9 horas da manhã”, diz Lang, “e o que me impressionou em sua apresentação foi que ele não se alterou. Aquilo não o incomodou nem um pouco”.

 

(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan.)