Topo

Com filme, banda de garotas The Runaways recebe agora atenção que lhe foi negada quando estava ativa

Joan Jett (esq) e Cherie Currie das Runaways em foto de divulgação - Divulgação
Joan Jett (esq) e Cherie Currie das Runaways em foto de divulgação Imagem: Divulgação

GARY GRAFF<br>The New York Times Sindycate

16/03/2010 15h10

É justo dizer que as Runaways não foram um sucesso desenfreado. 

Formado em 1975 e extinto quatro anos depois, o grupo foi inovador –uma banda de rock com cinco mulheres, ainda mais adolescentes– mas por muitos anos não teve muito o que mostrar. A banda nunca teve um álbum que chegasse acima do 172º lugar na parada da "Billboard". Não havia sucessos e os críticos as odiavam: a guitarrista e compositora Joan Jett lembra de uma jornalista desprezando a banda como “vagabundas inúteis”. 

“Não havia respeito”, diz Jett. “Todo mundo achava que aquilo era um artifício, não uma coisa real.” Trinta e cinco anos depois, essa percepção mudou. 

Graças a um novo filme sobre a banda, “The Runaways”, estrelado por Kristen Stewart como Jett e Dakota Fanning como a vocalista Cherie Currie, o grupo está recebendo a atenção que lhe foi negada quando estava ativo. 

Uma nova versão da autobiografia de Currie, “Neon Angel: A Memoir of a Runaway” (1989), na qual o filme em parte se baseia, acaba de ser publicada, e Jett aprontou uma nova compilação de sucessos “Greatest Hits”, que inclui uma regravação de 1984 do primeiro single das Runaways, “Cherry Bomb” (1976), e novas versões de “You Drive Me Wild” (1976) e “School Days” (1977) do grupo. A trilha sonora do filme inclui três gravações das Runaways, uma faixa solo de Jett e quatro canções das Runaways gravadas por Fanning e Stewart, com Jett e Currie ajudando no estúdio. 

Trailer de "The Runaways"

“É simplesmente irreal”, diz Currie, 50 anos. “Eu ainda preciso me beliscar. Eu não acredito que isso está acontecendo. Isto é algo que fiz por pouco mais de dois anos e foi muito bacana na época, mas agora parece ter adquirido toda uma vida própria.” 

“Certamente me faz sorrir”, diz Jett, 51 anos, que conseguiu maior sucesso como artista solo, mais notadamente com o hino “I Love Rock ‘n’ Roll” (1982). “Isso reforça meu amor pela banda e o fato de considerá-la uma banda muito importante, independente do nível do nosso sucesso nos Estados Unidos. Apenas reforça meu amor por toda aquela época, pela banda e pelo que fizemos.”

Narrativa paralela
Uma co-produtora do filme, Jett é rápida em apontar que “The Runaways” não é um documentário. 

“Não é uma reencenação dos fatos”, ela diz. “O que fizemos foi basicamente pegar elementos da história das Runaways e criar uma narrativa paralela.” 

A história real, como contada em “Neon Angel” e no documentário “Edgeplay” (2004), certamente está repleta de drama ao estilo de Hollywood. 

A banda começou quando Jett, que cresceu em Long Island antes de se mudar para Los Angeles, foi apresentada a baterista Sandy West pelo produtor Kim Fowley, cujos créditos incluem sucessos com Hollywood Argyles, Napoleon XIV e outros. Elas começaram a tocar como um trio, com a futura baixista das Bangles, Micki Steele, até que Fowley –convencido das possibilidades comerciais de uma banda de rock só de garotas– assumiu o comando da formação da banda e de seu som. A guitarrista Lita Ford foi rapidamente acrescentada e Currie foi contratada após um teste, durante o qual Jett e Fowley compuseram “Cherry Bomb” na hora para que ela cantasse. 

Com Jackie Fox no lugar de Steele, o grupo começou a ganhar certo impulso no mercado, mas rapidamente se transformou em uma presença polarizadora, devido ao que a “The Rolling Stone Encyclopedia of Rock & Roll” chama de “badalação, manipulação e por estarem ligeiramente à frente de seu tempo”.

“Nós éramos sensuais demais para as feministas”, diz Jett, “mas por outro lado nós não podíamos fazer aquilo porque (a cena de rock) era um espaço dominado pelos homens. As pessoas simplesmente não sabiam lidar com esta banda de garotas”. 

Kenny Laguna, um antigo companheiro de Jett e co-produtor de “The Runaways”, concorda que o gênero foi fundamental para o fracasso da banda. 

“Os jornalistas, o pessoal das rádios e os executivos... eles estavam muito irritados a respeito”, ele diz. “Eles estavam furiosos. Era como se não gostassem da ideia de garotas invadindo um espaço masculino. Até mesmo as mulheres jornalistas –elas estavam irritadas pela simples existência (das Runaways).” 

Mas Fowley conseguiu uma considerável atenção da mídia para a banda, principalmente explorando Currie, 16 anos, como isca. O figurino da cantora, com espartilhos reveladores e macacões agarrados, segundo a revista “Bomp!”, faziam com que ela se parecesse a “filha perdida de Iggy Pop e Brigitte Bardot”. Em grande parte ignoradas em casa, as Runaways foram abraçadas pelos punks na Europa e no Japão, onde eram populares o bastante para gravarem um álbum ao vivo em 1977.

Separação
Dentro da banda, entretanto, os problemas só cresciam. O uso de drogas era desenfreado e a postura autoritária de Fowley mantinha todos irritados. Algumas integrantes da banda se ressentiam da atenção dada a Currie como vocalista, e não ajudou o fato do gerente de turnê ter engravidado Currie. Era apenas questão de tempo para as coisas começarem a se desfazer. 

“Eu me arrependo bastante de ter deixado a banda”, diz Currie, que abandonou as companheiras em 1977 durante uma sessão de fotos promocionais. “Foi apenas recentemente que Joan me disse que ficou muito chateada com minha saída. Eu achava que todos queriam que eu saísse. Você meio que dá um suspiro de alívio ao perceber que não era a única descontente com a situação.” 

Currie iniciou uma carreira solo e de atriz –ela co-estrelou com Jodie Foster em “Foxes” (1980)– e as Runaways seguiram em frente, com Jett assumindo os vocais. O grupo posteriormente rompeu com Fowley, gravou mais dois álbuns e trocou várias vezes de baixista antes de se separar em abril de 1979. Posteriormente, as integrantes da banda e suas famílias processaram Fowley por uma participação mais justa nos ganhos das Runaways. 

O grupo caiu rapidamente na obscuridade e as integrantes seguiram seus próprios caminhos. Jett foi a mais bem-sucedida, ao emplacar uma série de sucessos, foi a primeira artista do sexo feminino a abrir seu próprio selo, a Blackheart Records, e também co-estrelou com Michael J. Fox em “Luz da Fama” (1987) e apareceu na remontagem da Broadway de “The Rocky Horror Show” (2000). Ford também teve uma carreira solo brevemente bem-sucedida, incluindo um dueto com Ozzy Osbourne, “Close My Eyes Forever” (1988). 

A estrada de Currie foi mais turbulenta. Ela gravou um álbum solo e gravou com sua irmã gêmea, Marie, e conseguiu mais alguns papéis como atriz, mas também lutou contra o vício em drogas, que ela finalmente superou nos anos 80. Ela se tornou uma conselheira sobre vício em drogas, uma personal trainer e uma escultora com serra, além de ter tido um filho, Jake, durante seu casamento com o ator Robert Hays. 

Currie escreveu originalmente “Neon Angel: The Cherie Currie Story” em uma forma contida, como um livro para os jovens, mas recentemente decidiu revisar o livro, incluindo os detalhes mais lascivos deixados de fora da versão original e o direcionando para leitores adultos. 

Dakota Fanning e Kristen Stewart cantam "Cherry Bomb"

“Eu cresci”, explica Currie, que trabalhou com o escritor Tony O’Neill. “Eu escrevi aquele primeiro livro quando tinha 27 anos e, de repente, me vendo quarentona e com um filho adolescente, eu quis fazer isso de novo, mas de uma perspectiva diferente. Foi realmente difícil. Eu voltei de novo àqueles lugares. Eu mal podia acreditar em quanto deixei de fora, e tudo voltou em detalhes vívidos, assustadores." 

“Eu percebi que ao fazer isso e escrever todas as histórias, eu estava me purgando de tudo.” 

Isso também ajudou a renovar seu apreço pela música das Runaways, ela diz. 

“Eu comecei a ouvir os discos de novo e a assistir aos vídeos”, diz Currie, “e fiquei espantada em quão boa era a banda, quão mágicas nós cinco éramos e o que realizamos. Eu senti que não fomos apenas algo fugaz e que realmente significamos algo”. 

Tanto ela quanto Jett eram presenças regulares no set de filmagem, trabalhando estreitamente com as atrizes que as interpretavam. 

“Kristen estava totalmente imersa nisso”, diz Jett. “Eu acho que ela sentiu um peso e uma responsabilidade em me interpretar corretamente. Ela levou muito a sério, me observando e fazendo todo tipo de pergunta, sobre meu modo de falar, e até imitar minha linguagem corporal, vendo minha postura, o modo como toco guitarra. Ela realmente se esforçou para fazer direito.” 

Currie diz que Fanning já era sua atriz favorita antes mesmo de ser escalada para “The Runaways”. 

“Nós passamos muito tempo juntas”, lembra a cantora. “Ele foi até minha casa. Nós cantamos cada frase juntas para assegurar que ela pegasse meu modo de cantar, meus maneirismos. Ela estudou todos os vídeos e passamos muito tempo juntas discutindo como eu realmente me sentia na época.” 

“Ela é brilhante”, diz Currie. “Ela pegou tudo rapidinho. Ela foi impressionante.” 

“The Runaways” também colocou Jett e Currie juntas em um estúdio pela primeira vez desde 1977. 

“Foi como se o tempo tivesse parado, como se os últimos 30 anos não tivessem acontecido”, lembra Currie. “Nós estávamos no ponto. Foi incrível. Nós nos divertimos bastante.” 

Para ambas as mulheres “The Runaways” é mais do que um filme –é uma chance das Runaways receberem o apreço e o respeito que lhes foi originalmente negado. 

“É um alívio e uma bênção”, diz Cherrie, “porque nós passamos por tanta coisa juntas e sermos reconhecidas agora, 35 anos depois, é algo tremendo”. 

(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan)