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Iggy Pop quer gravar músicas rejeitadas pelas gravadoras entre "Fun House" e "Raw Power"; leia entrevista

Iggy Pop durante show com os Stooges no Planeta Terra, em São Paulo (07/11/2009) - Lucas Lima/UOL
Iggy Pop durante show com os Stooges no Planeta Terra, em São Paulo (07/11/2009) Imagem: Lucas Lima/UOL

GARY GRAFF*

The New York Times Sindycate

04/05/2010 09h00

Quando os Stooges entraram para o Salão da Fama do Rock and Roll, em março, Iggy Pop não escondia sua satisfação. "Sai fora, Woodstock!", ele bradou, com os dois dedos médios em riste. "Nós vencemos! Nós só não vencemos muito no começo". Foi revelador. Iggy e os Stooges estão finalmente recebendo o reconhecimento como ícones do rock and roll, mas a sensibilidade underground permanece intacta.

A reunião do grupo de Michigan em 2003, que passou quase 30 anos separado, foi saudada com uma atenção que a banda de rock protopunk nunca sonhou durante seu amado ou odiado período de atividade, entre 1967 e 1973. Mesmo após a morte do guitarrista Ron Asheton, em 2009, os Stooges permanecem com o retorno do guitarrista James Williamson e a atual celebração de "Raw Power" (1973), um álbum presente em quase todas as listas de "melhores discos de rock de todos os tempos" e que em abril foi relançado em duas edições especiais.

Iggy & The Stooges - "Search and Destroy"

Agora, os Stooges --incluindo o baterista original Scott "Rock Action" Asheton, o antigo saxofonista Steve McKay e Mike Watt, o baixista do grupo desde 2003-- estão no meio de uma longa turnê, que pode trazer novas músicas. "Alguma coisa nesse grupo toca pessoas de um jeito diferente", diz Iggy, de 63 anos, por telefone de sua casa na Flórida. "Tenho notado isso com jovens de 12 anos que nos descobriram, com seus pais e até mesmo avôs. Algo aconteceu, não sei bem o quê, mas as pessoas parecem gostar de nós".

E foi uma luta para chegar até este ponto. Os Stooges foram tanto repudiados quanto defendidos quando lançaram seus dois primeiros álbuns, "The Stooges" (1969) e "Fun House" (1970). Formado em Ann Arbor por Iggy --cujo nome de batismo é James Osterberg Jr.--, pelos irmãos Asheton e pelo baixista original, Dave Alexander, que morreu em 1975, o grupo tinha um som que era brutal e distintamente fora de lugar na contracultura do paz e amor do final dos anos 60.

"Eles simbolizavam a destruição do 'flower power'", disse Billie Joe Armstrong, do Green Day, quando os Stooges foram para o Salão da Fama. "O nome da banda parece de uma gangue de rua. Suas canções são como armas". Iggy --que já se lambuzou em pasta de amendoim e rolou sobre cacos de vidro-- não discorda e se orgulha disso. "Eu acho que ajudou a erradicar os anos 60. Nós éramos os bad boys e talvez estivéssemos um pouco à frente de nosso tempo".

E o tempo os alcançou. Os Stooges são rotineiramente citados como precursores da revolução punk que explodiu em Nova York e em Londres no final dos anos 70. "Search and Destroy" (1973) se tornou um hino punk, interpretado por Black Flag, Dead Boys, Ramones e Sex Pistols. O impacto da banda é sentido até hoje: Josh Homme, do Queens of the Stone Age e Them Crooked Vultures, chama os Stooges de "maior banda de rock ando roll de todos os tempos".

"Raw Power" foi feito como salvação do rock
Os Stooges estavam em pedaços antes de "Raw Power". "As drogas não foram nossas amigas", reconhece Iggy. A banda também esgotou-se com desentendimentos internos que lhe custaram seu primeiro contrato de gravação e levaram à separação em 1971. Mas Iggy não desistiu de sua banda. "Todo mundo com quem eu conversava, de Londres, Nova York, Detroit ou Los Angeles, diziam a mesma coisa: 'nós gostamos de você. Livre-se do grupo'. E eu não queria fazer isso".

Ao fazer amizade com o então astro em ascensão David Bowie, Iggy assinou com a mesma empresa que estava encarregada pelo cantor, a Main Man, que mudou a banda para Iggy and the Stooges. "Eles queriam um artista solo, mas pouco a pouco eu trouxe os Stooges de fininho", conta Iggy, que chamou Williamson --que tinha tocado com os Ashetons em uma banda pré-Stooges chamada Chosen Few-- como segundo guitarrista.

Ron Asheton passou para o baixo em "Raw Power", o que na época foi como um tapa na cara --"equivocadamente", diz Iggy. "As pessoas subestimam a contribuição dele. O que ele tinha a dizer em nossos dois primeiros álbuns continuou em 'Raw Power', mas ele o fez com o baixo. Está apenas atualizado e usado de forma mais sutil", defende.

Iggy & The Stooges - "Kill City"

Gravando nos estúdios da CBS em Londres, os Stooges deram início a "Raw Power" com algumas metas musicais elevadas. "Ele começou e terminou como se fosse a salvação do rock", diz Iggy, que produziu a fuzilaria de oito faixas. "Mas, para mim, era preciso fazer uma declaração de vanguarda que ultrapassasse o que estavam fazendo Marc Bolan, David Bowie, Jimmy Page ou os Stones".

Para Iggy, todos eles estavam fazendo boa música na época, mas estavam recombinando elementos da Broadway até Bob Dylan, ou apenas voltando para as áreas de Chuck Berry, Howlin' Wolf e Otis Redding. "E eu vi uma abertura para nossa banda, para que fôssemos um grupo importante. Não podíamos superar aqueles caras em instrumentação e canto, então precisávamos fazer algo mais radical, sermos indispensáveis e artisticamente necessários".

Williamson, que estava gravando seu primeiro álbum de verdade, acha que a preocupação da gravadora com Bowie deu aos Stooges a liberdade para gravarem o álbum que queriam. "Eles não estavam mais prestando atenção em nós, e foi bom porque tudo o que tínhamos apresentado para eles, como as demos, foi rejeitado. Eles não conseguiam se relacionar com a gente ou com nossa música, não achavam que tínhamos potencial de gravar sucessos. E não era disso que estávamos atrás".

Os executivos estavam certos: "Raw Power" não foi um sucesso. O álbum --que foi mixado por Bowie, e por muito tempo considerado suave demais para a música que continha-- chegou ao máximo ao 182º lugar na parada Billboard. Os Stooges se separaram um ano depois, após uma breve turnê que incluiu uma parada em Atlanta e rendeu um registro inédito que está incluído nas novas edições do álbum.

"Raw Power" lançou uma longa sombra. A revista "Rolling Stone" o classificou em 125º lugar em sua lista dos 500 maiores álbuns de rock, e Kurt Cobain e Johnny Mar, dos Smiths, o consideravam seu disco favorito. Steve Jones, dos Sex Pistols, disse que aprendeu a tocar guitarra tocando junto com "Raw Power". E o ex-vocalista do Black Flag, Henry Rollins, tatuou "Search and Destroy" nas costas.

Um passo para trás
Iggy e Williamson permaneceram juntos por um breve período após a separação dos Stooges, e algumas gravações que fizeram com John Cale do Velvet Underground foram lançadas, para desalento de Pop, como "Kill City" (1977). Williamson também contribuiu para os álbuns-solo "New Values" (1979) e "Soldier" (1980) de Iggy, antes de desentendimentos criativos durante o segundo levarem a um longo racha entre os dois.

Iggy teve uma carreira solo de sucesso antes de se reunir com os Ashetons para "Skull Ring" (2003). Williamson trocou a música pela tecnologia --ele se tornou vice-presidente de padrões tecnológicos da Sony. A morte de Ron Asheton levou ao retorno de Williamson ao grupo, que tinha alguns shows marcados para 2009. "Foi tudo feito aos poucos", diz Iggy. "Eu acho que ambos começamos sendo educados, e então ficamos à vontade para trabalharmos de novo um com o outro".

Williamson, que se aposentou da Sony em 2009, chama seu retorno aos Stooges "uma coisa inesperada de acontecer a esta altura da minha vida", mas não se queixa. "É uma sensação boa", diz o guitarrista. "Quando as pessoas morrem, como aconteceu com Ronnie, muita água que estava sob a ponte é deixada de lado, porque há coisas mais importantes do que uma pequena discussão insignificante que você possa ter tido há 35 anos".

Esta versão dos Stooges começou com o que Iggy chama de "data de aquecimento" no Brasil, em novembro passado, e passará pela Europa esse ano. A banda deverá tocar "Raw Power" na íntegra em 3 de setembro, no festival All Tomorrow's Parties em Monticello, Nova York. Depois disso, Iggy prevê uma turnê americana em 2011 ou 2012. "Vamos dar um empurrão nos próximos três anos", diz Iggy, "e então daremos um passo para trás para ver onde estamos e o que podemos fazer. Com sorte, poderemos ser algo que se reúne para certas ocasiões".

Quanto a músicas novas, há uma possibilidade. Iggy gostaria de gravar formalmente algumas canções pirateadas dos Stooges que foram rejeitadas pelas gravadoras entre "Fun House" e "Raw Power", enquanto Williamson está preparando uma nova versão de "Kill City" e, segundo Iggy, "já está em cima de mim com novo material potencial para a banda. Ele me enviou os riffs e eu coloquei alguns vocais em duas delas. Estão começando a soar como algo", diz Iggy.

"Assim que comecei a trabalhar de novo com Ron e Scott era importante para mim intelectualmente que o grupo fosse ressuscitado, não apenas reunido. Tínhamos que compor e lançar material novo. Eu gostaria de entrar com a banda no estúdio e talvez gravar umas canções antigas, outras novas, ter algum tempo para improvisar e ver o que acontece".

Williamson gostaria disso. "Eu acho que estamos tocando bem juntos e todo mundo está curtindo", diz o guitarrista. "Nós continuaremos fazendo isso enquanto for assim. Quando deixar de ser assim, eu acho que pararemos". De sua parte, Iggy espera que isso nunca aconteça. "É uma boa sensação desfrutar de algum sucesso com este grupo após todo esse tempo", ele diz. "Não me sinto como alguém que teve validação adiada. Nós cedemos um pouco e o mundo também".

*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan