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John Legend regrava canções sociopolíticas dos anos 60 e 70 e diz que são "mais relevantes agora"

John Legend durante apresentação com The Roots no Bowery Ballroom, em Nova York (30/08/2010) - Getty Images
John Legend durante apresentação com The Roots no Bowery Ballroom, em Nova York (30/08/2010) Imagem: Getty Images

GARY GRAFF*

The New York Times Syndicate

25/11/2010 08h00

Há quase exatamente dois anos, John Legend e a banda The Roots começaram a trabalhar no novo álbum do cantor, "Wake Up!". É fácil lembrar, porque foi inspirado pelo trabalho de Legend para a campanha presidencial do então senador Barack Obama. "A ideia original era 'vamos fazer algo que reflita musicalmente o momento em que estamos'", lembra o cantor.

O projeto levou dois anos para ser lançado, mas Legend diz que ele não perdeu nada de sua força ou atemporalidade. "É quase mais relevante agora", diz o cantor, compositor e produtor de 31 anos, falando por telefone de Nova York. "Acho que as pessoas estão mais frustradas do que nunca, em parte por causa da economia, em parte por acharem que os políticos e as elites estão fora de contato com o que está ocorrendo em suas vidas".
 
As canções em "Wake Up!" são em sua maioria covers de canções de R&B com letras sociopolíticas de artistas como Marvin Gaye, Donny Hathaway, Curtis Mayfield, Nina Simone e Bill Withers. Ele estreou no oitavo lugar na parada Billboard 200 quando foi lançado em setembro e recebeu críticas em sua maioria positivas, mas Legend diz que o feito criativo do projeto significa mais para ele e para o The Roots do que seu sucesso comercial.
 
"Mesmo se a missão fosse apenas fazer música com consciência política e social, é possível fazê-la em todos os gêneros, de Bob Dylan, John Lennon e Stevie Wonder, aos artistas que cobrimos neste projeto", diz Legend, nascido em Ohio e que ganhou fama em meados dos anos 2000 com o lançamento de três álbuns Top 10 e a conquista de três prêmios Grammy. "Também é possível cobrir todas as diferentes épocas. Não é preciso que todas as faixas sejam dos anos 60 ou 70, apesar desse ter sido um período fértil para esse tipo de música, tanto na soul music quanto no rock e folk".
 
Assim que ele e o baterista do Roots, Ahmir "Questlove" Thompson, começaram a pesquisar possíveis canções, "descobrimos que o que mais gostávamos era desse tipo de funk-soul de tom 'blaxploitation', porque vocalmente casava bem comigo e sonoramente era o certo para a banda. E aquela foi uma era de músicas e letras de grande inspiração para nós. Nos limitamos àquele período, mas mesmo ali é possível pegar 'What's Going On' (1971) ou coisas mais obscuras, e escolhemos fazer algumas coisas menos batidas".
 
Eles iniciaram imediatamente por esse caminho, começando com "Hard Times" (1975) de Mayfield, originalmente gravada por Baby Huey & the Babysitters, "Compared to What" (1969) de Les McCann e Eddie Harris, e "Little Ghetto Boy" (1972) de Hathaway. "Essas deram o tom". Mas "Wake Up!" logo se transformou em uma preocupação de prazo para ambas partes: Legend teve que sair em turnê para promover seu terceiro álbum, "Evolver" (2008), enquanto os Roots iniciaram seu período como banda da casa no programa "Late Night with Jimmy Fallon" da NBC e também gravaram seu próprio álbum, "How I Got Over" (2010).
  
Grande parte da seleção de canções foi feita antes da pausa, ele acrescenta, assim como a gravação de algumas bases e até mesmo de alguns vocais. "Tínhamos muito o que ajustar e conviver com aquilo um pouco mais", diz Legend. "Voltamos no final de 2009 e no início de 2010 e dissemos: 'vamos concluir o álbum'. Então recomeçamos a trabalhar nele de modo intermitente, pela primeira metade do ano, e desenvolvemos o álbum um pouco mais".
 
Apesar de saberem que "este álbum não iria se enquadrar tão bem nas rádios mais populares", diz Legend, ele e os Roots não tinham nada contra gravar material conhecido para "Wake Up!". De fato, a faixa-título --"Wake Up Everybody", com os convidados Common e Melanie Fiona-- chegou ao 12º lugar na parada Billboard Hot 100 com Harold Melvin & the Blue Notes em 1975.
 
"Sentimos que precisávamos de uma ou duas daquela no álbum", reconhece Legend, "e nós a escolhemos como primeiro single porque sentimos que era a canção mais dentro do gosto popular e boa para rádio no álbum. E Teddy Pendergrass tinha acabado de falecer, foi meio que um tributo a ele, um dos maiores vocalistas daquela época. E como os Roots são da Filadélfia e eu já estudei lá (na Universidade da Pensilvânia), também fez sentido gravarmos um cover de um daqueles grandes grupos do Som da Filadélfia[ .
 
O cancioneiro prodigiosamente político de Marvin Gaye também era rico em opções. Os parceiros escolheram "Wholy Holy" e incorporaram aspectos da versão da canção com toques gospel de Aretha Franklin, gravada para seu álbum "Amazing Grace" (1972). "Eu achei que seria bacana realizar uma versão que unisse parte do tom da versão de Marvin com parte do tom da versão de Aretha", diz Legend.
 
A canção mais provocativa de "Wake Up!" é "I Can't Write Left Handed" de Bill Withers, um poema de quase 12 minutos contado pelo ponto de vista de um soldado ferido voltando da guerra para casa --o Vietnã quando Withers a cantou em 1973, mas Legend sente que ela serve igualmente bem para os soldados feridos no Afeganistão ou Iraque.
 
"É uma canção poderosa e queríamos fazer coisas que falassem de guerra, porque é um assunto político importante e, infelizmente, as pessoas não estão prestando atenção. Eu acho que elas optaram por dar as costas porque é confuso e complicado, talvez porque não tenham nenhum parente envolvido e não há uma convocação obrigatória para tornar o país coletivamente preocupado a respeito da guerra"
  
Também há uma nova canção em "Wake Up!" que encerra o álbum, "Shine", que Legend compôs originalmente para o documentário "Waiting for Superman". O foco do filme nos fracassos do sistema educacional americano certamente se encaixa na estrutura conceitual do álbum, mas Legend e os Roots ainda assim ajustaram "Shine" um pouco antes de a adicionarem ao álbum. "Nós a abordamos como nosso cover de Stevie Wonder sem de fato ser uma canção de Stevie Wonder", Legend diz rindo. "Em termos de tom e arranjo, tentamos canalizar parte do trabalho de Stevie dos anos 60 e 70, nos perguntando o que Stevie faria em relação a alguns dos arranjos com sintetizadores e percussão".
 
MC Black Thought --nome verdadeiro, Tariq Trotter-- dos Roots aparece em algumas das faixas de "Woke Up!", mas não todas, o que Legend diz ter mais a ver com logística do que qualquer outra coisa. "O desafio era que estavam concluindo 'How I Got Over' ao mesmo tempo em que estávamos finalizando ('Wake Up!')", diz Legend. "Por mais talentoso e produtivo que seja, pedir a Black Thought para concluir todos seus versos para 'How I Got Over' e adicionar versos neste álbum é um bocado de trabalho para um compositor. E demoraria muito mais para concluir se tivéssemos um verso de Black Thought em cada canção, apesar dele claramente acrescentar muito tempero a cada canção em que está e ser sempre bem-vindo"
 
Legend e os Roots já fizeram vários concertos juntos para divulgar "Wake Up!" e esperam fazer mais no futuro. Ele também incorporou algumas das canções em seu shows, apesar disso funcionar apenas de forma limitada. "Não há uma ligação entre algo como 'Green Light' e 'Hard Times'", diz Legend. "É preciso programar o show do modo certo, para que flua bem e faça sentido, mas funciona".
 
Quanto ao futuro, o próximo álbum de Legend ainda está nos estágios iniciais, em parte por causa de seus muitos compromissos: ele está trabalhando com seu mentor, Kanye West, e também colaborando com muitos outros artistas, incluindo uma passagem por Nashville para trabalhar com compositores como James Otto, John Rich e integrantes dos Rascal Flatts. Ele também está compondo canções para os futuros álbuns de Mary J. Blige e Jennifer Hudson.
 
"Tem sido um período fértil para mim", diz Legend. "Como não tive que compor nenhuma canção (para 'Wake Up!'), eu tive a chance de fazer muitas outras coisas e trabalhar com pessoas que sempre admirei e com as quais queria trabalhar. É claro, eu poderia reservar para mim mesmo algumas das canções que compus para outras pessoas, então veremos onde isso vai dar".
 
*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan