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Kid Rock minimiza libertinagem e lança primeiro álbum sem conteúdo impróprio para menores

Kid Rock durante apresentação durante intervalo do jogo entre New England Patriots e Detroit Lions no Ford Field, em Detroit (25 /11/2010) - Getty Images
Kid Rock durante apresentação durante intervalo do jogo entre New England Patriots e Detroit Lions no Ford Field, em Detroit (25 /11/2010) Imagem: Getty Images

GARY GRAFF

The New York Times Syndicate

15/12/2010 09h00

Kid Rock está um pouco atrasado para o início de sua entrevista. Com a equipe de vídeo aguardando para começar a gravar o videoclipe para "Born Free", a faixa-título de seu mais recente álbum, ele entra na cozinha de seu estúdio no subúrbio de Detroit com um sorriso encabulado. "Bebi demais na noite passada", ele fala dando de ombros.

O autoproclamado "Cafetão Chapado da Madrugada" e "Diabo Sem Causa" bebeu demais? Imagine só. Houve um tempo em que se atrasar o faria entrar em pânico, mas Rock, de 39 anos, pensa diferente agora. Ele ainda gosta de ser profissional --"não gosto de deixar as pessoas esperando", ele diz-- mas ainda assim toma seus cereais matinais com mirtilo sem pressa para só então se preparar para o dia.

Kid Rock - "Born Free"


Tudo se resume a um trecho chave no final da letra de "Born Free", em que Rock canta: "Pela primeira vez em muito tempo eu acabei de pagar o que devia, pela primeira vez em muito tempo eu não me sinto usado". "Isso não poderia ser mais honesto", diz ele ao se sentar no sofá. "Você não ganha um manual sobre como agir quando fica um pouco famoso. Você precisa aprender a andar por conta própria", teoriza.

E, como todo mundo que passou por isso, Rock diz que por vezes se cercou de pessoas ruins. "Eu sinto como se agora toda a tolice e drama saíram da minha vida, desde garotas e amigos até tudo mais. E não vou deixar que voltem", diz Rock, cujo nome real é Bob Ritchie.

Ao lançar seu oitavo álbum de estúdio --o primeiro desde o triplamente platinado "Rock N Roll Jesus" (2007)-- Rock parece ter atravessado bem as armadilhas da profissão. Os momentos de drama na vida real, incluindo seus muito falados romances e brigas públicas, foram ofuscados por seu retrospecto de sucessos, interesses comerciais ambiciosos (como a grife Made In Detroit e a cerveja American Badass) e envolvimentos comunitários, como a compra do jantar do Dia de Ação de Graças para 1.000 famílias carentes de Detroit.

Em outras palavras, ele está misturando o estrelato do rock e a vida real, como é adequado a um garoto que foi o terceiro de quatro filhos de um revendedor de automóveis em Romeo, Michigan, não distante de Detroit, e cresceu em meio à decadência da indústria automotiva e da economia de Michigan.

"Kenny Chesney me enviou uma mensagem no celular outro dia, e era muito cedo", conta Rock. "Depois que eu respondi, ele disse: 'caramba, não vou falar para ninguém que Kid Rock acordou tão cedo'. Então mandei uma mensagem de volta: 'Kid Rock não acordou tão cedo. Bob Ritchie acordou cedo. É o primeiro dia de escola do filho dele. Não se engane: Kid Rock está desmaiado no momento em um quarto de hotel com mulheres seminuas, mas Bob Ritchie está tirando fotos de seu filho indo para a escola'".

Leve na libido
Com "Born Free", Rock aproxima um pouco mais os dois aspectos de si mesmo. O álbum com 12 faixas é leve na libido e minimiza a libertinagem. O único rap vem do convidado T.I., que forma uma dupla improvável com a cantora country Martina McBride na socialmente consciente "Care", para a qual Mary J. Blige gravou o vocal em uma versão para as rádios.

Kid Rock - "Collide"


Rock exibe seu mau comportamento em canções como  "God Bless Saturday" e "Rock Bottom Blues", mas em grande parte do tempo isso fica em segundo plano, dando lugar a uma reflexão séria como a do compositor John Mellencamp e do amigo e herói de Rock, Bob Seger, que toca piano em "Collide".

E, de modo revelador, é o primeiro álbum dele lançado sem o alerta para os pais da presença de conteúdo impróprio para menores. Rock já percorreu terreno mais sério no passado, é claro, em faixas como "Only God Knows Why" (2000), "Lonely Road of Faith" (2002), "Picture" (2002), "Amen" (2007) e "Roll On" (2008), mas elas pareciam adendos à sua personalidade "Cowboy" e "American Badass" descomunal.

Agora o seu lado sério está em primeiro lugar. "É meio que a direção em que eu estava seguindo", concorda Rock. "Eu meio que olho para meu álbum autointitulado ('Kid Rock', 2003) e 'Rock N Roll Jesus' como uma preparação para a gravação deste disco", diz.

Ele dá muito crédito ao produtor ganhador do Grammy Rick Rubin gravando seu primeiro álbum com Rock após vários anos de conversa sobre a possibilidade. "Para ele tudo se concentrava na composição", diz Rock, que foi co-autor de todas as faixas com o guitarrista do Twisted Brown Trucker, Marlon Young.

"Rubin fez com que me concentrasse em compor canções boas, relevantes, que viessem do coração. Ele não nos disse sobre o que escrever ou como compor. Ele disse: 'eu sei que você consegue fazer isso e que já testemunhou muito disso. Você pode fazer a música que você ama. Vá lá. Vamos, mantenha o foco, permaneça focado, componha essas canções'", ele lembra.

O álbum foi gravado em apenas duas semanas com sessões de quatro horas por dia na Califórnia, uma grande mudança em comparação às sessões árduas e longas que Rock estava acostumado quando fazia seus álbuns em casa. Outra diferença foi a ausência da Twisted Brown Trucker Band, substituída por um grupo de músicos estelares, como o baterista do Red Hot Chili Peppers, Chad Smith; Benmont Tench, o tecladista dos Heartbreakers de Tom Petty; e David Hidalgo, dos Los Lobos, na guitarra.

"É inacreditável quão fácil foi", diz Rock. "Eu estava acostumado a arrancar cabelos, dentes, 15 horas por dia no estúdio. E, mesmo não sendo igual ao que estou ouvindo na minha cabeça, é melhor. Eles são talentosos. Eu me tornei melhor apenas por estar por perto daqueles caras".

Mesmo assim, ele reconhece, precisou se acostumar. "Marlon e eu éramos como criancinhas, perguntando ao Chad: 'o que vai rolar?'", lembra Rock rindo. "No primeiro dia no estúdio, nós perguntávamos: 'como isso funciona?' E ele: 'nós vamos nos sentar e improvisar as canções. E eu: 'como assim improvisar as canções? Quem faz isso?' Eu estava apavorado".

Mas assim que começaram as sessões, Rock pensou: "saquei. Bastou uma canção e eu entendi. Eu vinha batendo cabeça há 20 anos, fazendo isso de um modo mais difícil do que realmente é", ele lembra.

Nova turnê a partir de janeiro
Se parece estranho ter T.I. e Martina McBride trabalhando na mesma canção, bem, também pareceu para eles. "T.I. não conhecia nenhuma canção de Martina e vice-versa, mas os filhos dela conhecem. Eu senti que não seria bacana colocar uma cantora country cheia de classe com um rapper para que as pessoas dissessem: 'oh, ele colocou uma cantora country com um rapper na canção', mas sim porque funciona".

Kid Rock - "Care"


Quanto a Seger, isso não aconteceu sem que Rock suasse um pouco. "Eu telefonei e ele adorou a canção, e não tive notícias dele por três semanas. Achei que ele tinha ficado com dúvidas e não queria me dizer. Então ele finalmente me ligou em um sábado e disse: 'ei, posso ir ao estúdio para fazer minha parte daquela canção?' Ele veio, e eu parecia um garotinho. Lá estava Bob Seger tocando piano em uma das minhas canções".

Rock também dividirá "Born Free" com as plateias dos shows, é claro. Ele cairá na estrada em meados de janeiro, começando por um show de estádio no Ford Field de Detroit para celebrar seu 40º aniversário. Até lá, ele espera, "Born Free" terá tido uma chance de ter sido absorvido pelos fãs, permitindo a ele apresentar um tipo diferente de show do que os apresentados anteriormente.

"Sempre subi no palco para mostrar minha música apenas. Talvez tenha usado alguns panos de fundo e vídeos, mas só. Desta vez minha ideia é: 'eu tenho a música, agora me permita dar às pessoas algo para ver'. Estamos tentando criar este cenário onde é possível acender as chamas e aparecer strippers para 'Bawitdaba' e 'So Hott', mas onde também possa chegar em 'Care' e 'Amen' e apresentar um set acústico no meio com nosso lado country".

Kid Rock diz que quer apenas conduzir as pessoas por esta jornada musical em uma noite. "É algo difícil de planejar. Isso está nos forçando a ser criativos e pensar".

Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan

Tradutor: George El Khouri Andolfato