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Steven Tyler diz que não é preciso envergonhar e humilhar alguém para ser jurado do "American Idol"; leia entrevista

Steven Tyler durante apresentação no 46º Academy of Country Music Awards, em Las Vegas (03/04/2011) - Getty Images
Steven Tyler durante apresentação no 46º Academy of Country Music Awards, em Las Vegas (03/04/2011) Imagem: Getty Images

GARY GRAFF*

The New York Times Sindycate

24/05/2011 06h00

É um dia ensolarado em Los Angeles e Steven Tyler --o vocalista do Aerosmith, jurado do "American Idol", exemplo do vício em drogas do rock and roll e, agora, escritor-- está desfrutando os arredores da região de Laurel Canyon. "É por aqui que Janis Joplin andava, onde os Byrds fizeram 'Mr. Tambourine Man' (1965), e Joni Mtichell e os Mamas and the Papas e... eu preciso continuar?".
 
Não. Mesmo por telefone, o entusiasmo de Tyler transparece. "Para mim, é como caminhar por onde Jesus carregou a cruz. Bom, eu provavelmente não devia dizer isso”. É esse tipo de comentário espontâneo, controverso, que entretém os norte-americanos durante suas avaliações a respeito dos candidatos no reality show "American Idol".

E são esses comentários que preenchem também sua nova autobiografia, "Does The Noise In My Head Bother You? - A Rock 'n' Roll Memoir", com cerca de 400 páginas. "Eu tenho tanto para falar e informar as pessoas sobre o que se passa e como tem sido a vida nos últimos 40 anos do Aerosmith. E me diga, por favor, como alguém acaba como você, Steven?", questiona a si mesmo o cantor de 63 anos.
 

Steven Tyler - "(It) Feels So Good"

Suas atividades atuais, que também inclui um novo single solo, "(It) Feels So Good", é resultado de um período turbulento, durante o qual o Aerosmith passou a procurar ativamente por um novo vocalista. Mantido fora de cena após uma cirurgia na garganta e um diagnóstico de hepatite C em meados dos anos 2000, várias operações nos pés para corrigir um neuroma de Morton causado pela dança, e também pela morte de sua mãe em 2008, Tyler teve recaída com as drogas.
 
Suas mais recentes desventuras ocorreram, ironicamente, no processo de desintoxicação. "Eu me sentia mal", lembra Tyler, que cresceu em Yonkers, Nova York, e formou o Aerosmith em 1969 com amigos de seus verões em New Hampshire, onde sua família era dona de um resort. "Eu estava sentado na clínica de reabilitação pensando que o mundo me achava um [palavrão]".
 
Tyler diz que não quer minimizar o fato de que tem uma personalidade propensa ao vício e que se encrencou de novo. "Foi o que aconteceu e a culpa é minha. Mas o mundo sabe que sou um alcoólatra e um viciado em drogas em recuperação. É um processo diário e tenho que manter meus olhos abertos. Há um gorila de 250 quilos me aguardando no estacionamento toda vez que me viro, preciso ter cuidado".
 
Mas se alguma coisa redimiu Tyler, foi "American Idol". Chegando cercado de ceticismo após a saída do áspero, mas popular Simon Cowell, Tyler (ao lado da também recém-chegada Jennifer Lopez e do remanescente Randy Jackson) conquistou o público com seu entusiasmo e calor, mesmo quando deixa escapar palavrões nas gravações. "Acho que o que aconteceu em 'Idol' é que o mundo passou a ver um outro lado meu, que não mostro como aquela figura sinistra do rock. As pessoas adoram o bad boy", ele diz rindo. 
 
E quanto às queixas de que os jurados deste ano são brandos demais, especialmente após a saída de Cowell? "Você atrai mais moscas com mel do que vinagre", diz Tyler. "Acho que é um bom espetáculo de vaudeville envergonhar e humilhar alguém, e o público adora, mas se alguém está realmente tentando ser o 'American Idol' e levando aquilo a sério, é bom dar palavras de encorajamento. Não precisa humilhar alguém, especialmente sem motivo".
 
"Você não diz para as pessoas que não gosta delas por causa da canção que estão cantando, sabe? É isso o que outro cara fazia, em várias ocasiões. É bom para a TV, eu entendo. 'Cultivar' é a palavra chave para mim, e sim, cheguei assustado, achando que talvez poderia não funcionar, por causa do que fizeram antes, ao Simon, e por tudo ter funcionado tão bem até então. Mas até o momento, o que estamos fazendo também está funcionando".
 
Amor e ódio no Aerosmith, uma banda disfuncional
"American Idol" ajudou Tyler a colocar em perspectiva eventos recentes com o Aerosmith. Em 2008 o grupo, ainda irritado devido ao breve flerte de Tyler com os integrantes sobreviventes do Led Zeppelin, começou a trabalhar em seu primeiro álbum desde "Honkin' on Bobo" (2004). Ele e o guitarrista Joe Perry voltaram a usar drogas, diz Tyler, e não conseguiram entrar em sintonia com o produtor Brendan O'Brien. As sessões foram abandonadas, algo que, publicamente, foi atribuído a Tyler ter contraído pneumonia.
 
Em 2009, a banda decidiu cair na estrada apesar da oposição de Tyler, que estava preocupado com seus pés, mas a turnê teve um fim abrupto em 5 de agosto, quando ele escorregou em uma rampa e caiu do palco, levando aos rumores de que tinha voltado às drogas. Seus companheiros de banda falaram abertamente em substituí-lo, chegando até mesmo a contatar Sammy Hagar e Lenny Kravitz, que recusaram.
 
Tyler usa seu livro para explicar tudo o que aconteceu após o incidente em Dakota do Sul, incluindo seu retorno ao Betty Ford Center para lidar com o vício nos analgésicos que lhe foram prescritos após suas cirurgias nos pés. "Fui fundo naquilo, porque amo aqueles caras [do Aerosmith], mas houve um momento em que, no interesse da turnê e do dinheiro, eles não ficaram do meu lado. Eu precisava deles naquele momento e eu queria dizer ao mundo que às vezes, quando precisamos daqueles que mais amamos, eles não estão lá".
 
Mas isso foi naquele momento, ele enfatiza, e agora é outra história. "Todos eles pediram desculpas, disseram que estavam passando por seus próprios problemas, me disseram o motivo e eu aceitei. É mais fácil aceitar o comportamento de uma banda disfuncional quando estou sóbrio do que quando estou tomando medicamentos para a dor nos meus pés".
 
Novo álbum e turnê na América do Sul
Apesar desse senso de recriminação, diz Tyler, escrever "Does The Noise In My Head Bother You?" na verdade o levou a ter um maior apreço pelo Aerosmith e seus colegas de banda. "Nunca percebi o quanto realmente amo minha banda. É uma das bandas mais disfuncionais do planeta, mas mesmo assim a mantivemos junta. Por quê? Essa é a pergunta. Eu queria que o mundo soubesse que, sim, eu brigo com o Joe Perry, mas quando estamos juntos em uma sala, nós compomos canções que embalam gerações", diz ele citando "Walk This Way" (1975), "Sweet Emotion" (1975), "Dream On" (1973) e "Jaded" (2001).
 
"Rola mágica ali. E espero que o livro aperte alguns botões na banda que façam ligar um entusiasmo talvez dormente. O engraçado a respeito do Aerosmith é que, quando estamos no palco, somos animais diferentes. Nós voltamos imediatamente a ser as mesmas pessoas que éramos quando estávamos no estúdio compondo. É como se fossem as cinco chaves certas que abrem a tranca daquilo que é".
 
O Aerosmith está de volta ao modo ativo, diz Tyler, com novas músicas em seus estágios iniciais. O grupo --com exceção de Perry, que está ocupado com um álbum solo-- se reuniu recentemente em Los Angeles com o compositor/produtor Marti Frederiksen para iniciar os trabalhos no novo álbum. Ele enviou "um punhado de canções" para Perry e, em troca, recebeu "um punhado de frases de guitarra".
 
A banda planeja continuar trabalhando no álbum nos próximos meses e tem shows agendados no Japão e na América do Sul mais à frente no ano. Depois disso... bem, é difícil dizer. "Às vezes outras pessoas tentam nos manter separados, então é um pouco difícil. Eu estou com um empresário diferente, eles têm o empresário deles, os advogados deles, e eu tenho os meus. Mas quando estamos juntos em uma sala, rola a mágica. As coisas se acertam".
 

*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan

Tradutor: George El Khouri Andolfato