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Por trás de uma complexa ópera, Damon Albarn mostra que não tem medo de experimentar

Damon Albarn durante show do Gorillaz no Sydney Entertainment Centre, na Austrália (16/12/2010) - Getty Images
Damon Albarn durante show do Gorillaz no Sydney Entertainment Centre, na Austrália (16/12/2010) Imagem: Getty Images

TARA MULHOLLAND

De Manchester (Inglaterra)

11/08/2011 06h00

Uma entrevista com Damon Albarn --líder do Blur, co-criador do supergrupo virtual Gorillaz e, mais recentemente, compositor de uma nova ópera sobre a vida de John Dee, um místico do século 16-- é uma tarefa que deve ser enfrentada com cuidado. Desdenhando de qualquer coisa que cheire a badalação ou simplificação pela mídia --os alvos recentes de seu desprezo incluem a série de televisão "Glee" e o jurado do programa "X-Factor", Simon Cowell-- Albarn, de 43 anos, não é conhecido pelo seu amor pela imprensa.
 
Em uma entrevista para o apresentador de talk show britânico Jonathan Ross, em 2003, ele respondeu a uma pergunta sobre a partida repentina do guitarrista Graham Coxon do Blur com um sorriso malicioso e um duro "non sequitur": "Você tem olhos adoráveis, Jonathan". Após a premiação da "New Music Express" em 2010, quando o Blur ganhou o prêmio de melhor apresentação ao vivo por seu show de retorno no Hyde Park, Albarn informou a um repórter que responderia apenas monossilabicamente às perguntas.
 
Mas enquanto "Dr. Dee: An English Opera", que Albarn criou com o diretor Rufus Norris, estava em sua segunda semana no Festival Internacional de Manchester (a ópera esteve em cartaz até 9 de julho e deverá estrear em Londres em junho de 2012), Albarn parecia inclinado falar e a se entusiasmar. "Foi um período empolgante. As pessoas eram muito mágicas, acreditavam em muita coisa que tratamos como tolice agora. Tentei me inserir naquele mundo e me orgulho", ele fala sobre a era elisabetana em que a ópera se situa, com sua voz mais grave agora do que nos primórdios do britpop com o Blur, e com um indício de fadiga, devido a quase duas semanas de interpretação e supervisão de "Dr. Dee".
 
As críticas à ópera foram, até o momento, elogiosas. "Talvez seja um desserviço chamar o alquimista e astrólogo do século 16, John Dee, de um homem renascentista, da mesma forma que se referir a Damon Albarn como ex-vocalista do Blur", disse o jornal "The Guardian". A complexidade de “Dr. Dee", que combina 13 cantores de ópera e atores (incluindo Albarn), a orquestra Filarmônica da BBC, músicos de instrumentos de corda medievais, percussionistas africanos e efeitos especiais dramáticos (em um momento uma Elizabeth 1ª, em um manto dourado, é suspensa acima do palco), mostra um músico que não tem medo de expandir seus horizontes e experimentar.
 
Blur, Suede, Oasis e a guerra do britpop
Nascido em 1968 em Leytonstone, um subúrbio no leste de Londres, Albarn fez um curso de música na faculdade Goldsmiths antes de fundar o Blur no final dos anos de 1980 com dois outros estudantes de arte --Graham Coxon na guitarra, e Alex James no baixo-- e Dave Rowntree na bateria. Desafiadoramente inglês em suas influências musicais, referências e no estilo de cabelo "desgrenhado", Albarn foi saudado como uma nova face do pop britânico e uma alternativa refrescante ao grunge de Seattle.
 
Quando o álbum de estreia da banda, "Leisure", com suas letras atrevidas, irritadas e melodias estridentes, foi lançado em 1991, ele chegou ao 7º lugar nas paradas britânicas, um triunfo para um disco de estreia. Mas então a banda começou a ser comparada desfavoravelmente em relação ao Suede, outro grupo de estudantes de arte de Londres, cujo estilo de britpop era considerado mais sério e ousado do que o do Blur.
 
Após uma desastrosa turnê pelos Estados Unidos --"Nós nos colocamos em risco para perseguir um ideal inglês pelo qual ninguém estava interessado", disse Albarn na época-- a banda lançou "Modern Life Is Rubbish" (1993), uma resposta à experiência da turnê, que se concentrava explicitamente em temas ingleses: a capa do álbum mostra um trem a vapor; as canções incluem referências a chá, almoços de domingo e veteranos de guerra ao estilo do coronel Blimp. O novo álbum chegou ao 15º lugar nas paradas e foi um sucesso de crítica. "Você já pode deixar de lado aquelas comparações idiotas com o Suede", escreveu a revista "New Music Express".
 

Damon Albarn no "Andrew Marr Show"

"Parklife", lançado em 1994, entrou direto no primeiro lugar na parada de álbuns britânica. O Blur tornou de novo bacana ser britânico, e o estilo de Albarn de camisas pólo Fred Perry, jeans sujos e tênis Adidas retrô podia ser visto em todo descolado indie. E então veio a "guerra do britpop", uma rivalidade inventada pela imprensa britânica que colocou o Blur contra um grupo de Manchester, o Oasis, e traçou referências divisoras que os britânicos adoram: colocando o Blur como sulistas de classe média contra Liam e Noel Gallagher, os irmãos de classe operária do norte por trás do Oasis.
 
Ambas bandas lançaram singles no mesmo dia em agosto de 1995. "Country House" do Blur bateu "Roll With It" do Oasis no topo das paradas, mas o álbum do Oasis bateu o do Blur, e Albarn rapidamente se viu sendo insultado na imprensa britânica pelo que era visto como sua arrogância intelectual ("Eu gosto das canções deles", ele disse sobre o Oasis, "elas só não são muito perspicazes"), melodias exageradamente pop e incapacidade de estourar nos Estados Unidos. "Nós fomos prensados de costas em um corner. As coisas saíram totalmente de controle e deixou de ser uma piada”, disse Albarn em uma entrevista em 1997.
 
A banda se retirou da cena musical britânica --"nós apenas queríamos nos distanciar de tudo que fosse britânico, sério", disse Albarn-- e, em uma tentativa de se afastar de seu lado inglês, se voltou para a cena do rock alternativo americano, olhando para artistas como Pavement e Beck. O quinto álbum da banda, "Blur", lançado em 1997, refletia um som mais duro e áspero, e seu single, "Song 2", chegou ao 2º lugar no Reino Unido e 55º nos Estados Unidos. Mas a pressão começou a desgastar a banda, e Coxon e James falavam abertamente na dificuldade de trabalhar com o maniacamente compulsivo Albarn. "Nós nos tornamos associados em vez de amigos", disse Coxon em uma entrevista na revista "Spin".
 
Foi o início da desaceleração, e após o lançamento relativamente discreto do criticamente aclamado "13", em 1999, e de um álbum "Best of" em 2000, Coxon deixou a banda para se concentrar em uma carreira solo. O último álbum de material novo do Blur, "Think Tank", foi lançado em 2003 e apesar de ter chegado ao 1º lugar no Reino Unido e 56º lugar nos Estados Unidos, e apesar dos três membros remanescentes nunca terem anunciado uma separação, parecia que a história do Blur tinha acabado. Mas não para Albarn. 
 

Se você passa toda sua vida concentrado em si mesmo, você não aprende muito. Eu não preciso ser o líder o tempo todo. quanto mais velho fico, menos tenho vontade dentro de mim de exercer esse papel

Damon Albarn
Gorillaz e seus "pratos giratórios"
Em 1998, ele teve uma ideia para um grupo pop virtual, o Gorillaz, juntamente com o artista de histórias em quadrinhos Jamie Hewlett. Com a intenção de ser uma resposta à badalação da mídia, a banda, liderada por Albarn e com um elenco rotativo de músicos, seria liderada por decisão deles por personagens de desenho animado desenhados por Hewlett. O álbum resultante chegou ao 3º lugar no Reino Unido, 14º nos Estados Unidos, e vendeu mais de 6 milhões de cópias.
 
Após a separação de sua antiga namorada, a musicista Justine Frischmann --grande parte da ansiedade causada forneceu material para o álbum "13"--  Albarn também começou a olhar para outras direções musicais. Em colaboração com a caridade Oxfam, ele viajou para Mali, onde ele gravou "Mali Music" com músicos locais. Seus antigos colegas do Blur passaram a seguir seus próprios interesses --James passou a se concentrar em fabricação de queijo e jornalismo, Rowntree se concentrou em direito e política, e Coxon criou seu próprio estilo de pop.
 
Albarn continuou fazendo música. "Ora, eu sou músico, é o que faço", ele disse. "Sempre tenho muitos pratos girando, e aqueles que ficam girando mais tempo é que eu acabo fazendo". Entre seu pratos giratórios, com "Dr. Dee", estão a continuidade do Gorillaz; "Monkey:Journey to the West", uma ópera baseada em uma história chinesa do século 16, encomendada pelo Théâtre du Châtelet em Paris; "The Good the Bad and the Queen", um álbum de supergrupo de 2007 com Albarn, o baixista do Clash Paul Simonon, o baterista nigeriano Tony Allen e o tecladista do Verve Simon Tong; Africa Express, uma colaboração entre músicos ocidentais e africanos fundada por Albarn; e, claro, a volta do Blur.
 
“O que você aprende trabalhando com outros artistas e músicos não tem preço, e só ajuda você a crescer", ele disse. “Se você passa toda sua vida concentrado em si mesmo, você não aprende muito. Eu não preciso ser o líder o tempo todo. Na verdade, quanto mais velho fico, menos tenho vontade dentro de mim de exercer esse papel", apesar de, ele acrescentou rindo, "eu ainda ter isso dentro de mim e ocasionalmente permitir que saia".
 

Blur - "Song 2"

As mensagens em sua música
Albarn também parece mais calmo e menos perturbado agora com os caprichos da popularidade do que durante os anos de "amor e ódio" do Blur com a imprensa musical britânica. E ele permanece passional a respeito da música africana e irá para a República Democrática do Congo para trabalhar com músicos locais, e gravar o que ele descreveu como "uma espécie de meditação sobre as atrocidades da mineração ocorridas lá".
 
Criar música que gere uma mensagem ainda é chave para sua visão --seja atraindo atenção para a poluição no álbum "Plastic Beach" do Gorillaz, ou refinando o significado da anglicidade em "Dr. Dee". Mas apesar de sua visão desdenhosa da cultura estúpida ainda estar presente, sua ira parece ter diminuído um pouco.
 
"Eu tento fazer coisas que não sejam baseadas em me aprontar para ir para a balada, ficar bêbado, descolar alguém, e ir embora da balada", ele disse sobre a inspiração e mensagens por trás de sua música. "Não é tão meditativo, e nós nos permitimos ser alimentados por coisas que não são necessariamente boas para nós. Acho que alguém que tenta desacelerar o ritmo e dizer 'ok, respire fundo e pense em outras coisas'  tem um papel para isso".
 
Mas aí, quando você acha que entendeu o que move Albarn, ele dá uma guinada. Após sua viagem ao Congo, ele pretende passar seis semanas de férias com sua família (sua parceira, a artista Suzi Winstanley, e a filha deles de 11 anos, Missy Violet), e então trabalhar no "álbum de pop mais barato já gravado". Ele poderia falar a respeito do projeto? "Sim, eu tenho pensado nisso. Acho que haverá muitos lalalas e quedas no chão". Ele começou a rir. "Será sobre um clube para quarentões tristes. Cultura de clube. Você conhece? Eu vou tentar".